Fragmentos

Não, Carnaval, não.


“Carnaval, Carnaval, ele só fala nisso! É o apocalipse, eu dando graças a Santa Cruz por morarmos em Angra e agora mais essa...”

“Ir pra São Paulo? Ele trabalha feito um burro de carga desde que mudamos pra cá e no nosso primeiro feriado em que ele resolve não trabalhar...tudo bem que é pra testar o protótipo de sushiman que ele arrumou...Ir pra São Paulo?!”

“Ele nem chegou ainda, isso são horas?!”

Só que o sono foi mais forte, apesar de levar uma vida doméstica que até pouco tempo lhe era impensável, o cansaço lhe vencia como nunca antes havia conseguido. Mentira, estava tão cansando como quando trabalhava na Vinte e Cinco de Março, as saudades da Márcia lhe apertavam o coração para finalmente dormir e; finalmente a porta do quarto se abria.

Niko finalmente chegou, dentre essas e todas as outras noites ele já estava acostumado ao trânsito de início de madrugada da Rio-Santos, de cumprimentar os guardas-noturnos do condomínio, o beijo de boa noite em Fabrício e Jayminho... Por fim deitar-se ao lado de Félix lhe fazendo um carinho em seus cabelos negros iluminados pela penumbra da madrugada.

Sua lembrança era que no shopping sempre fôra mais fácil sair do restaurante, afinal o Gian sempre tinha um horário certo para fechar...Já em Angra...ou o restaurante estava cheio de turistas sem a mínima pressa de sair ou quase vazio e nesses dias ele precisava ter certeza que a noite seria lucrativa. Mesmo com o melhor gerente que ele jamais pensara que podería ter um dia ele trabalhava muito mais com o intuito de fazer o restaurante de Angra funcionar. Mas Félix só entendia de números e por melhores que fosse o caixa do restaurante, Niko tinha certeza que ainda havia um longo caminho ao sucesso.

“O mais engraçado é que eu durmo depois e sempre o acordo primeiro...Ah Félix...”

Seus olhos claros percorreram o corpo de seu amado só que o cansaço era mais forte... Também dormiu.

Dias antes:

– Carneirinho, eu devo ter salgado a santa-ceia para você me propor viajar para São Paulo no carnaval...Convites pra desfilar no Anhembi! Nem morto! E as crianças? E meu pai? E a gente?

– Ai Félix, vai ser divertido! Eu já te expliquei, um amigo meu quebrou a perna e o companheiro dele não quer desfilar sozinho, daí ele lembrou de mim e do Eron pra nos dar os convites...Só que ele não sabia da gente ainda...Tudo foi tão rápido, não é? – A piscadela maliciosa resumia tudo.

E como discordar? Há exatamente um ano atrás ele vivia na penumbra e se não fosse por Niko sua vida não teria se transformado...Talvez para sempre. Mas desfilar no Carnaval, não, definitivamente era pior que vender hot-dog.

– Carneirinho, eu dúvido que a lacraia aceitaria um convite desses, desfilar no Anhembi!? É o apocalipse.

Só que aquela comparação trouxe a tona algo tão estranho para o coração do Carneirinho, que de alguma forma ele acabou abrindo mão do entusiasmo pelo desfile para voltar a falar das contas do restaurante a seu numérico marido.

“Será que ele desistiu dessa insanidade? O que eu vou falar pra mami poderosa? Imagina o papi soberano me vendo com uma fantasia de carnaval, agora que a gente está se entendendo um pouco mais, acho que ele até já gosta um pouquinho do Carneirinho e das crianças...Imagina eu o deixando lá na mansão porque vou aparecer no desfile das escolas de samba...Nem sambar eu sei. Definitivamente eu quero ficar em Angra”

“Ele diz que está cansado! Não é verdade...desde que eu disse que preferia ficar em Angra dos Reis no Carnaval ele não me procura...Ele pensa que me engana dizendo que está cansado...Qual a graça de ficar pulando numa avenida? Ele não vai tirar isso da cabeça, como é genioso meu carneirinho!”

“Ele não me abraça mais a noite quando chega...Eu sei...Ele vai me enlouquecer até eu aceitar isso, só que dessa vez ele está redondamente (redondo como ele) enganado...Eu não vou ceder a mais esse capricho...” E novamente ele dormiu antes que Niko chegasse do restaurante.

– Papi?

– Félix, quando é que você vai parar de me chamar de papi? – Para surpresa de Félix César tinha um tom de leveza na voz que por um instante ele até duvidou, talvez seu pai gostasse de ser chamado de papi...

– Desculpe, papi...Err Papai!

– O que vocês vão fazer no Carnaval?

– Ah papi, papai... O Carn...O Niko queria ir pra São Paulo desf...descansar um pouco...Ele está trabalhando muito desde que chegou aqui...- Qualquer coisa relacionada a seu Carneirinho e seu pai deixava Félix todo atrapalhado.

– Essa situação eu nunca vou entender...Vocês dois...Casados...Agora não posso negar, esse rapaz é admirável...Ele realmente trabalha muito aqui nessa casa e no restaurante...

– Aqui em casa? Não papi, sou eu que cuido da casa, do senhor, das crianças...Por favor não me desvalorize! O hospital bem verdade era um trabalho sem fim, mas essa casa não fica atrás!

César sorriu, no final seu filho só queria chamar a atenção para ganhar um elogio; por menor que fosse qualquer elogio dele deixava o filho radiante...Só que ele ainda não estava preparado para ver o pai reconhecendo o esforço de Niko em manter aquela casa com o dinheiro ganho no restaurante e deixar todos os dias as refeições prontas para eles.

– Acho que seria uma boa idéia ir a São Paulo, eu gostaria de ver meu caçula e a Paloma também. Podiamos ficar na sua mãe caso ela e o Maciel não se incomodem?

A careta de Félix disse tudo – Paloma, César Júnior... agora para piorar até seu pai queria ir para São Paulo!

“Por essa nem Sansão poderia esperar...Nem meu pai eu posso usar como desculpa! Por que ele chega tão tarde? Eu vou acabar dormindo de novo...”

Só que o que Félix não via era seu carneirinho dirigindo exausto pela rodovia, quem visse o moreno reclamando imaginaria que faziam séculos que seu amado não lhe procurava...Puro exagero ou insegurança do moreno, só faziam três noites que Niko não lhe acordava para ao menos lhe dar um beijo de boa noite.

“Olha ele ali dormindo de novo...O que será que ele fica pensando enquanto eu não chego...Ele nem faz sinal de arrumarmos as malas para a viagem...Será que ele está pensando que eu vou arrumar tudo sozinho...Afff...Preciso de ajuda...Eu estou tão cansado...Mas falta algo...”

Suas mãos foram de encontro aos cabelos negros novamente para um carinho, um afago para lhe descansar a alma daquele dia cheio.

– Boa noite...

E assim ele continuo a acariciar os cabelos de seu amado, sorridente como uma criança que acabou de ganhar um presente, só que seu presente dormia tão profundamente que nem percebia cada avanço carinhoso na expectativa de acordá-lo.

– Félix, boa noite...

– hummmmm...

– Boa noite... – e o beijo de boa noite que era pra ser na testa acabou acordando a boca e trazendo Félix de volta ao mundo dos sonhos realizados...

– Bom dia...

– Já é dia? Eu acho que mal dormi...

– Tá reclamando? Não te acordo mais...

Só que não, ele queria mais e muito mais:

– Não diga isso, eu senti muita falta de ser acordado por você...Por um instante achei que você estava bravo comigo por não querer ir pra São Paulo...

– Eu não fiquei bravo, mas...

Aquilo foi o suficiente para que o corpo do moreno se virasse, ele não queria ver aqueles olhos explicando qualquer coisa que não o deixasse feliz...Para seu alento Niko não se intimidava por pouco e apenas sorriu enquanto envolvia Félix em seus braços...

– Eu não estou bravo....

– Eu não quero ir para São Paulo, Carneirinho, eu não sei se estou pronto...Até meu pai quer ir...Eu sei, pelos motivos diferentes, vocês estão certos...Só que eu não estou pronto para voltar...Eu nem quis conhecer meu sobrinho ainda...A Paulinha não para de me cobrar uma visita...Ela tem saudades...Como ela pode ter saudades do seu algoz...?

– Eu vou estar com você...

– Eu sei... Só que eu também sei que se eu for pra São Paulo você vai me fazer desfilar no Anhembi...Eu não levo jeito...Também não vou aguentar deixar você ir sozinho para aquela festança...Você é muito inocente!

– Você não vai aguentar? – Ele mordeu os lábios com uma pontinha de satisfação e mais uma vez a confirmação de uma certeza...

– Para Niko! Não vem com esse papo a essa hora da manhã...Que coisa! Solta! Solta! Cada idéia, acho que são esses cachos que te deixam assim.

– Não! E não muda de assunto, seu bobo...Sabe por que eu fiquei chateado? Eu não gosto quando você compara o que você pode fazer com o que o Eron não faria....

– Sim, eu lembro. Eu disse que a lacraia não desfilaria... É isso então que te chateou? Já passou, não é?

– Vamos para São Paulo? – Niko não desistiria do desfile assim como nunca perdera a esperaça de conquistar Félix.

E com o balançar da cabeça em sinal positivo Niko soube que sim, eles viajariam para São Paulo.

– A gente pode pelo menos começar com um bloco de rua?

– Eu vou dizer para meu amigo que eu vou com o companheiro dele e você me vê pela tv, que acha?

– Carneirinhooooo....

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.