Ela estava com o rosto inchado, um pouco relativo ao sono, mas grande parte por ter chorando na noite anterior. Ambos choraram, ele talvez um pouco menos, não porque sentia menos, mas não queria piorar as coisas com ela. Quando ela saiu da cama ele já tinha levantado; Chuck estava fazendo o café, e isso por mais simples que fosse era a maior coisa que ela desejava no momento, apenas observá-lo e ver os seus músculos sob a camisa, se movendo suavemente, e a forma como ele balançava os cabelos, eles estavam crescendo bastante rápido dessa vez, será que ele irá deixar crescer? Sarah realmente gostava de seus cabelos grandes e fofos que se assemelhavam a animais. Isso é loucura? Ela estava louca? Muito provavelmente...e eles dormiram juntos, sim, mas só dormiram e ele permaneceu com ela em seus braços, isso pode ser um indicativo que provavelmente as coisas irão se resolver mais rápido a partir de agora... será? Passou-se uns três anos para que ficassem juntos de verdade, agora seria diferente?... ela estava torcendo para que sim.

—Sarah? Está tudo bem?- Chuck perguntou suavemente.

— Sim, sim, estou bem. Só pensando em algumas coisas... nada de muito importante para o momento.

Ele permaneceu fixando o olhar por um tempo e depois voltou à sua tarefa e ela voltou aos seus pensamentos.

— Sua irmã está indo hoje para Chicago.- Sarah falou.

—Ahh.- ele apenas exclamou.- Não me lembrava que era hoje, me avisaram no hospital, mas ainda estou confuso com algumas coisas, ou com a maioria delas.- ele sorriu.

Ele era tão espirituoso e otimista, ele simplesmente tinha esquecido os últimos cinco anos de sua vida, porém estava lá, fazendo café, panquecas, e sorrindo. Ela iniciaria na semana que vem alguns exames para verificar se necessitaria também de um acompanhamento psicológico, com certeza será difícil voltar à essa realidade.

Ele voltou e se sentou na mesa, em sua frente. Havia algo que Chuck sempre fazia com as mãos, ele tocava a ponta dos seus dedos, principalmente quando estava ansioso ou prestes a entrar em uma conversa desconfortável.

—Está tudo bem de verdade, Sarah?- ele perguntou enquanto bebia o seu café.

—Vou ir em uma missão amanhã- ele permaneceu em silêncio, tentando entender o que exatamente isso poderia significar. – Nada demais, na verdade. Vou para Washington, ver como ficará as relações entre a Carmichael Industries com a CIA...-Chuck continuava sem falar nada -Você quer vir?

— Eu... eu... não sei se posso viajar por agora, ou se estaria tudo bem...

— Falei com Beckman ontem, quando ela me ligou. Disse que você está de alta definitivamente e os outros exames só se iniciarão na semana que vem. O nosso voo sai às 5 da manhã.

Ele percebeu que ela usou a palavra “nosso” mesmo sem ele ter confirmado presença, mas tudo bem, ele estaria indo de qualquer maneira.

Chuck recebeu recomendações para ficar em casa durante o dia, Sarah teria de ir em algum lugar que ele simplesmente não reconhecia o nome e, visto que ele estava em casa, e a maior parte das coisas permaneciam no mesmo lugar, ela se convenceu de que ele iria ficar bem, mas o fez prometer que iria ligar para checar de algumas em algumas horas. Depois que ela se foi ele decidiu fazer uma atualização sobre os seus equipamentos eletrônicos. O iPhone e MacBook que ele usava eram recentes e ele queria verificar os novos aplicativos e também em o que ele vinha trabalhando. Enquanto caminhava pela casa, ele observava as fotografias, geralmente ele não era o cara que tirava muitas fotos, mas, pelo visto, ele gostava de fazer quando estava com Sarah. Havia fotos na sala, corredor e no quarto. Chuck sentou na cama, segurando uma foto do que parecia ser uma festa de Halloween, ele estava sorrindo mesmo sem saber o motivo exato. “Eu estou casado!” Era um pensamento que inevitavelmente o fazia se sentir feliz, por mais que ele não se lembrasse dela. E se fosse uma pegadinha? Depois do que ouviu no hospital sobre agentes secretos e todas as outras coisas, e o histórico dela, ela poderia estar ali apenas por vigilância, para mantê-lo seguro. “Mas ela é tão linda!” Chuck estava pensando em como ela parecia tranquila e relaxada hoje pela manhã, ainda dormindo; em como eles estavam abraçados a noite toda, e como a pele dela é macia, e seus cabelos com cheiro familiar. “Mas ela é uma desconhecida.”, ele tentava se convencer de que ele a conhecia por apenas alguns dias, e ela parecia ter um número muito grande de informações sobre ele.

Ele decidiu recolocar o porta retrato no local de origem e analisar o seu celular. Tinham mais fotos deles, fotos de Ellie e Chuck com uma criança pequena no colo, Clara a sua sobrinha. Tinha mais fotos suas com uma criança desconhecida de aproximadamente 5 ou 7 anos, com cabelos loiros. Era filha deles? Eles tinham filhos? Ele acreditava que não, se tivessem Sarah já teria contado para ele... ou será que ela não queria pressioná-lo nesse sentido? Depois de alguns minutos estagnado na mesma foto ele decidiu passá-la. A foto seguinte era de Sarah, ela estava com o cabelo um pouco mais longo, os olhos quase fechados, era em um avião? Ou trem? E por mais que ele fosse um cavalheiro, ele também era um homem, e bem, aquela foto era muito apelativa, sexualmente falando. Ele não queria pensar nela dessa forma, definitivamente não. Ele respirou fundo, passando rapidamente para outras fotos. A maioria eram de sua família, colegas de trabalho, Morgan, ele e Morgan jogando na sala. Ele ligou o MacBook e checou alguns programas, pelo visto ele estava desenvolvendo algum tipo de antivírus, alguns programas de segurança e afins. A sua cabeça começou a latejar e ele se sentiu enjoado. “Não desmaie, não desmaie, não desmaie” ele tentava dizer para si mesmo enquanto discava o número de Sarah, por um segundo ele percebeu que ele não tinha procurado o número dela na agenda, ele simplesmente discou. O telefone tocou duas vezes antes dela atender.

— Chuck? Está tudo bem? - ela tinha um leve toque de preocupação em sua voz.

— Estou me sentindo um pouco tonto, minha cabeça está voltando a doer muito, ele tentou colocar a frase de forma natural para que ela não ficasse preocupada.

— Estou terminando algumas coisas aqui, mas estarei em casa o mais rápido possível.

—Certo, não se preocupe com isso não - ele mal tinha terminado de falar quando uma onda de dor maior o atingiu, ele grunhiu. O quarto parecia estar se expandindo e encolhendo, o que piorou ainda mais a náusea. Ele fechou os olhos e a última coisa que ouviu foi Sarah se despedindo.

Ele estava em uma sala, era a sua sala? As luzes estavam mais escuras, e estava tocando uma música asiática, ou era indiana? A índia fica na Ásia, não? Alguém estava chamando o seu nome enquanto se aproximava dançando. Agora que ela estava mais próxima, ele poderia reconhecer, era Sarah. Ela estava usando um conjunto vermelho com lantejoulas, e estava dançando. Usava um top e a barriga estava à mostra, evidenciando suas curvas perfeitas, e ela se aproximava para lhe beijar. Quando ela se aproximou tudo ficou escuro novamente.

Quando acordou novamente Sarah estava no seu quarto, ou melhor, o quarto deles. Ela estava olhando de uma forma preocupada e falava com alguém pelo telefone. Ela desligou quando o viu acordar. Ele se sentou na cama, percebendo que estava descalço e com as calças do pijama. Ela havia trocado a sua roupa? O pensamento de Sarah tirando a sua roupa invadiu a sua mente, e no mesmo instante ele se repreendeu por ter pensado nisso, ele sentiu o rosto queimar de vergonha.

— Morgan me ajudou.- ela falou apressadamente quando o viu corar ao perceber que estava com outras roupas. Ele apenas assentiu com a cabeça, ficando um pouco mais avermelhado. - Eu fiquei preocupada Chuck, você estava falando no telefone e de repente para de me responder... você desmaiou? Ou estava muito cansado? Você comeu? Chuck, por que você não me avisou que estava tão mal assim?

— Eu... eu não sabia, eu só fiquei um pouco tonto... e com dor de cabeça, não imaginei que fosse desmaiar...- ele se sentia como uma criança de 5 anos que tinha feito algo de errado.

— Meu Deus! - ela respirou fundo. - Eu fiquei preocupada Chuck, me desculpe. Acho que estou surtando. Meu Deus! - Sarah se sentou ao lado dele na cama, respirando fundo.

— Desculpa, eu não queria te deixar preocupada...- ele começou, mas se interrompeu quando a viu fechar os olhos.

— Chuck, tudo bem. Isso não tem muito a ver com você. - ela fez uma pausa.- Desde que você foi capturado pelo Quinn, algumas coisas aconteceram, não é sua culpa, por favor não se culpe. Só estou querendo dizer que eu não suportaria te perder de novo, e você desmaiando assim... fiquei com muito medo, Chuck.

Ela levantou da cama, olhando para ele. – Sua cabeça ainda dói?

—Só um pouco. - ele olhou no relógio da cabeceira, era 17:36. Ele não tinha comido nada desde o café da manhã, sua barriga fez um som de protesto.

— Vem, vamos fazer o jantar. – Sarah sugeriu.

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—Sarah,- ele falou enquanto cortava alguns tomates para a salada, ela se virou do fogão e olhou para ele- Posso te perguntar algumas coisas? - ela assentiu e ele continuou- Essa tarde, enquanto eu estive apagado...bem, eu tive um sonho, ou uma lembrança, não sei ao certo...- ele se arrependeu de ter começado a falar, como ele poderia dizer para uma mulher que conheceu há três dias que sonhou com ela dançando para ele? Isso iria parecer muito estranho, ela iria achar ele um pevertido, ou sabe lá como se chamam essas pessoas. Ela permanecia olhando para ele com aqueles lindos olhos azuis. - Quer saber, não tem importância, é uma besteira.

— Me conte, tudo bem se for uma besteira. Eu sei que você pode se lembrar de algo. Os médicos disseram que pode demorar um pouco, mas que você pode avançar rapidamente... – ela parecia tão esperançosa. Ele queria tanto ser essa pessoa incrível que todos falavam, que realizava missões, salvava pessoas, que se casava com mulheres tão bonitas e inteligentes como Sarah... mas ele sabia, lá no fundo que não eram dele que todos estavam falando.

—Chuck? O que você lembrou? – ela percebeu que ele permanecia perdido em pensamentos e tocou o braço dele. – Chuck?

—Ahh- ele despertou do seu transe. - é besteira, não se incomode com isso, desculpe falar sobre isso, não é nada importante...

Percebendo as suas evasivas ela o pressionou. – Tenho certeza de que é alguma lembrança- ele voltou a cortar os tomates, mantendo os olhos fixos neles. - Eu sou uma espiã, Chuck, você pode até não lembrar, mas não há nada que você possa esconder de mim...Deixe-me adivinhar...- ela diminuiu o tom de voz, agora ela estava mais próxima da orelha dele- Você teve uma lembrança, e visto que você não se sente confortável, suponho que seja uma lembrança minha- ele corou- ou melhor, nossa. – Chuck estava da mesma cor dos tomates que estava cortando, a sua respiração estava mais pesada. – Certo, foi exatamente isso. Deixe me ver... - ela decidiu brincar um pouco com a mente dele, segurando seus braços, isso o fez parar na mesma hora. - estávamos ...?

Ele parou de respirar completamente. O que ela estava fazendo? Ela definitivamente deveria parar com isso. Por um ou dois segundo ele só queria esquecer do que tinha se lembrado, e por incrível que pareça era justamente a imagem que voltava à sua mente: Sarah caminhando em sua direção, vestido uma roupa que não a vestia completamente, com as luzes baixas, dançando a dança do ventre. Essa mulher devia ser a sua morte. Chuck foi expirando o ar que vinha prendendo, lentamente.

— Você estava no corredor, e vinha em minha direção. Estava levemente escura, a sala. E você usava uma roupa de dançarina do ventre. Só isso. - Chuck falou, mas acrescentou rapidamente: - Não que eu quisesse lembrar ou sonhar algo do tipo...

Ela riu. Ele ficou chocado com a reação dela, com a boca entreaberta, perplexo.

— Essa é uma ótima memória, acredite. Eu estava tentando te seduzir para que você fugisse comigo.

— E funcionou? - ele agora estava genuinamente curioso.

— Não exatamente, - ela refletiu um instante – você também estava tentando me seduzir, você queria um casamento tradicional. E você conseguiu, Chuck. Me seduziu.

Chuck riu de leve, voltando a se concentrar no jantar. Sarah estava servindo duas taças de vinho. Ele começou a bebericar.

— Ainda tenho a roupa guardada, caso ainda tenha interesse. – Sarah falou. Chuck quase engasgou enquanto dava outro gole.

E lá estava ela, rindo novamente. Isso era estar casado? Se sentir tão leve e solto, ao mesmo tempo um pouco constrangido? Sarah o fazia se sentir tão natural, simples e humano. É como uma vida pulsante e ao mesmo tempo suave. Por um momento, olhando para Sarah, ele percebeu o quão sortudo era ele, e talvez reaprender algumas coisas não fosse tão ruim assim.