O professor Anderson estava explicando, enquanto Will olhava para os lados ao redor da sala. A aula tinha começado há alguns minutos, e ainda nenhum sinal de Hannibal. Ele já tinha admitido para si mesmo que passava as semanas esperando o momento em que dividiria um período na sala, de quarenta minutos, ao lado do estudante.

Will gostava de Hannibal. Gostava da facilidade que ambos se conectavam, e eram capazes de conversar. Ele deveria mesmo gostar disso, ainda mais por ser uma pessoa que não consegue falar direito com ninguém, não por muito tempo, e não sem se sentir desconfortável.

— Procurando alguém? – a voz de Hannibal o despertou de seus pensamentos. Ele sorriu ao ver Lecter, que se sentou na carteira ao seu lado.

— Você, na verdade. – ele admite.

Ele tira o material da mochila, e coloca em cima da mesa. Sr. Anderson tinha parado por um minuto para copiar algo no quarto.

— Ainda está pensando no tal caso?

— Sim e não. – Will suspirou. – É incrível como esse assassino consegue se conectar, ou ele acha que consegue, de um jeito que a mente humana, a mente das pessoas normais não consegue.

— A sua consegue.

Will começa a gargalhar, porque o outro disse com um sorriso, e de um jeito que fez parecer que ser “anormal” fosse algo bom, um elogio. Algo o dizia que para Hannibal, realmente era.

— Eu estou tentando me concentrar aqui, Sr. Graham. – o professor Anderson interrompe o momento particular de diversão dos dois.

— Desculpa. – disse Will sincero, se voltando para Hannibal com um sorriso de lado. Depois de uns minutos em silêncio, ele diz. – Eu vou viajar com a Abigail hoje.

— Viajar?

— Sim. O pai dela sugeriu que ela passasse alguns dias longe, descansando, se distraindo... Eu sugeri que ela fosse comigo para a casa do meu tio.

— Posso perguntar o motivo de estar me contando isso?

— Por que você é meu amigo? – Will perguntou. – E talvez porque eu queria saber se você acha se é uma coisa boa ou não.

Hannibal considerou. – Não vejo problema algum. Embora eu ache que você está indo rápido demais.

— O que?! – Will ficou chocado. – Não, não. Eu não penso nela desse jeito. Nunca.

— Não, Will. – disse Hannibal. – Você já sente uma enorme responsabilidade em relação a essa menina. Talvez não fosse muito sábio aumentar essa ligação que vocês estão criando de maneira tão rápida.

— Por quê?

— Ter uma irmã substituta, ou adotar uma... Mesmo que seja só psicologicamente, por consideração. Vem com certas...

— Responsabilidades?

— Perigos emocionais. – ele disse, e então acrescentou com um sorriso. – Mas claro que esses dias fará bem a menina.

Will concordou. – Então estou fazendo a coisa certa.

...

Enquanto andavam no corredor, eles voltavam a falar sobre o caso. Era incrível como a mente de Will funcionava melhor, e ele tinha mais clareza sobre os fatos quando estava conversando com Hannibal.

— Ele gostou de matar essas pessoas, as quais ele transformou em anjos. – disse Will. – Mesmo que ele estivesse doente, e seja uma pessoa assustada e louca. Ele se sentiu bem ao matá-los.

— Você não deveria culpá-lo por isso. – Will o encarou esperando uma explicação. Afinal, matar pessoas não deveria ser algo ruim? – Deus deve gostar de matar também. Ele faz isso o tempo todo. E não somos todos, criados a sua imagem?

— Depende para quem você pergunta.

— Deus não é tão bom assim. Ele fez um telhado cair em uma igreja, matando 34 de seus súditos, enquanto eles cantavam para ele. Passou na televisão, quarta passada.

— Deus se sentiu bem por causa disso?

— Ele se sentiu poderoso.

Quando eles chegaram ao pátio, Abigail acenou sorridente para Will. Ele se virou para Hannibal, se despedindo. – Nos vemos na segunda?

— Claro. – ele concordou. – Se não me encontrar pelo campus, se sinta livre em bater na porta do meu dormitório.

Will assentiu, ajeitou a mochila nas costas e foi andando.

— Will? – Hannibal o chamou, fazendo-o virar rapidamente. – Vou sentir falta das nossas conversas nesse fim de semana.

O outro sorriu. – Eu também.

...

Will e Abigail estavam na casa do tio dele há cinco horas. Eles foram muito bem recebidos. O tio de Will era a única pessoa de toda a sua família, com quem ele se sentia em casa ao visitá-lo. Amava seus pais, mas sua ligação com Bob sempre foi mais especial. Provavelmente por ele ser mais gentil, e por compartilharem hobbies.

— Will nunca trouxe uma garota aqui. – disse Bob curioso, sentando-se com os dois na varanda.

— Ele é um bom amigo.

Will sorriu. – Tio, eu trouxe a Alana, lembra?

— Sim, sim. – ele concordou. – Ótima menina também. Como ela está?

— Não nos falamos muitas vezes, desde que mudei de faculdade. – admitiu. – Mas ela está bem.

— Bom. – ele observou o tempo, antes de acrescentar. – Se vocês forem pescar ainda hoje, é melhor irem logo.

Abigail olhou incerta para Will.

— Não se preocupe menina. – disse Bob. – Will é um bom professor, você vai voltar com um peixe enorme. Embora o tempo não esteja dos melhores.

E eles foram.

Will pegou o jipe do tio, e em trinta minutos eles já estavam no riacho. Ele sentia falta daquela quietude, precisava visitar Bob mais vezes. Era relaxante, como terapia.

— Seu tio não tem razão? – perguntou Abigail, enquanto Will preparava as iscas. – O tempo está feio.

— Você entende sobre pesca?

— Todo mundo sabe que é ruim pescar no frio.

Ele pegou a vara de pescar, e levou a garota até a ponta do riacho. – Vem. Amarre a guia, seis vezes. Encaixe a ponta entre as linhas. Amarre e apare. – ele disse demonstrando tudo, ao que Abigail assistia atenta. – Chama-se o nó de sangue.

— É lindo aqui. – ela olhou para o lugar.

— Sim, um dos meus lugares preferidos no mundo. – disse Will. – Você tem razão sobre o clima. No frio, por causa do metabolismo, os peixes ficam menos famintos.

Ela riu. – Como pegamos um peixe que não está com fome?

Will entregou a vara para ela. – Temos que fazê-lo morder, mesmo que esteja sem fome. Usando iscas vivas que se movimentam.

— Você é um bom pescador.

— Com a minha ajuda... – ele a ajudou a segurar a vara da maneira certa, sorrindo para a menina. – Você também será.