Flor do deserto

Capítulo 21 - Aproximação


John esperou pouco pelo prisioneiro. Logo os policiais o trouxeram algemado, e o sentaram na cadeira. Algemaram a mão do homem na mesa. John então saiu da sala observatória, se dirigindo para o outro ambiente. Entrou com a ficha do homem nas mãos, e sentou-se na frente dele. John estava um tanto nervoso. Quem fazia esse tipo de coisa era Sherlock, não ele. Não tinha aquela moral intimidadora que o detetive impunha, fazendo os bandidos contarem seus segredos mais profundos. Mesmo assim, John tentou copiar a postura do amigo. Quem sabe desse certo. Pôs-se então a falar:

— Aqui diz que você roubou algumas coisas para aqueles homens que o contrataram. Eu quero que você me diga que tipo de coisas foram essas.

Wilson encarava John em silêncio. De repente deu uma risada rouca, assustando um pouco o médico.

— Não conheço você. Cadê o Holmes? -perguntou Wilson.

— O Sherlock não pode falar com você agora, está ocupado. Eu quero que me respod…

— Ocupado é? -interrompeu Wilson, falando com um sarcasmo quase palpável- sei...eu também viveria ocupado se morasse perto daquela belezinha. Graças ao Sherlock eu não pude ficar “ocupado” com ela...esse detetive é muito egoísta sabia? Eu só queria me divertir um pouco, ela não ia sofrer tanto.

John sentiu uma imensa raiva e nojo invadir seu peito ao se referir àquela pobre jovem desse jeito. Watson entendeu que estava diante de um monstro, que poderia ter destruído a vida daquela moça. John agora não precisava mais fingir ser um policial intimidador, ele era a intimidação em pessoa naquele momento. Entre dentes Watson respondeu àquele homem:

— Escute aqui, seu imprestável, se você se referir à essa moça desse jeito novamente, eu juro que vou dar um jeito de você ser transferido para uma cela onde você que será o brinquedinho dos outros, entendeu bem? Ou você acha que o Holmes é o único aqui com influência? Então meça as suas próximas palavras com cuidado, pois você poderá se casar essa noite mesmo.

Wilson desfez o sorriso debochado. No lugar ele esboçou uma carranca, escorregando um pouco na cadeira. Watson falou:

— Pois bem, assim está melhor. Agora, você irá me dizer todos os produtos que você roubou a mandado daqueles homens; desde um simples clipe, até as jóias da coroa -Watson se inclinou para o homem, com a caneta encostada na folha de papel, pronto para começar a escrever, então continuou- anda, desembucha.

***

A estrada estava tranquila, e logo escurecera. Sherlock demorou cerca de uma hora para chegar ao seu destino. A antiga zona industrial da Inglaterra, estava mais ao leste, no distrito de Stratford. E no meio de um campo aberto estava a falida indústria de fertilizantes. Ao chegar próximo, Sherlock apagou os faróis e seguiu quase imperceptível na escuridão. Ao achar um ponto na estrada em que havia alguns arbustos altos suficientes, ele parou e estacionou o carro atrás deles. Uma cerca branca delimitava o território da fábrica. Sherlock pulou o cercado, pôs a arma em punho, e andou pelo extenso gramado. A estrutura do lugar era imensa. Dois galpões grandes e um gigantesco depósito em forma de cilindro se erguiam sobre a paisagem. Uma pequena construção também se destacava, era provavelmente o antigo escritório, foi onde Sherlock primeiro entrou. O ambiente era simples, com alguns quadros velhos e sem valor presos à parede, mesas enfileiradas, faltando algumas cadeiras, sendo que algumas estavam viradas. A poeira preenchia o ambiente. Toda a parte eletrônica como os computadores, fiações, ar-condicionado, e outros foram levados. Apenas as tomadas ficaram. Sherlock se aproximou de uma delas, notando algo interessante: a poeira que cobria o chão e as mesas não as cobria. Algumas mesas e cadeiras que estavam próximas as tomadas, também não tinha a espessa capa de poeira que as demais. Sherlock vasculhou mais a sala em busca de outras pistas, ao que algo verde e úmido no canto, contrastando com o ambiente cinza, chamou sua atenção. Ele se aproximou e viu que era um vaso com uma planta aparentemente “saudável”. O detetive se acocorou, retirou as luvas e tocou na terra onde a planta estava, percebendo que estava úmida. As folhagens não estavam nem se quer amareladas. Era de um verde vivo, indicando que a planta estava sendo cuidada. Sherlock se levantou, colocando as luvas, e seguindo com a visita. Ele saiu do escritório, indo para os galpões. Ele forçou uma pequena porta na lateral do primeiro galpão, conseguindo abri-la sem dificuldade. O ambiente dentro era mais escuro do que o do escritório, mas o chão era diferente. Sherlock sentiu algo frio por baixo da sola do seu sapato. Era areia. Não só uma camada fina de areia, mas uma grossa camada preenchia todo aquele galpão, ao ponto do pé afundar a cada pisada que o detetive dava naquele ambiente. Não havia mais nada lá, só um grande vazio e o chão repleto de areia. Ele começou vasculhando de fora para dentro do recinto, em círculos, objetivando assim ir até o centro. No meio do caminho o detetive pisou em algo rígido, ao que ele recolheu da areia. Parecia um motor daqueles carrinhos de brinquedo, com a curta fiação solta e emaranhada. Sherlock colocou isso no bolso para analisar depois. Entretanto, ao chegar mais perto do centro, percebeu que o chão mudara de textura. Agora ele estava pisando em concreto, não mais em areia. Ele foi caminhando por esse chão e descobriu que a área sem areia tinha forma circular, com um raio de aproximadamente oito metros. Ele se acocorou no chão e o iluminou com a lanterna. O piso estava bastante desgastado e áspero. Ele então voltou para a parte cheia de areia e cavou no chão em busca do piso. Ao alcançá-lo observou que não era igual ao da área descoberta. Parecia novo, e estava bem conservado e liso. Sherlock olhou ao redor por um momento, e como não achou mais nada, saiu. Foi para o segundo galpão. Ao dar o primeiro passo no ambiente, sentiu o chão diferente, era feito de concreto também. Prosseguiu então, e notou que o ambiente também estava vazio. Não havia tonéis, nem cadeiras, nada ali. Somente o vazio. Sherlock estava no meio do grande galpão, quando olhou para o chão e viu uma mancha que chamou sua atenção. Era sangue seco, uma grande mancha de sangue seco, e ao redor dela outros pontos pequenos, como se tivesse sido aspergido sobre o chão. O detetive tirou algumas fotos do seu celular, se dirigindo logo em seguida para a saída do galpão. Não havia mais nada para se investigar. Sherlock conseguira o que queria, então foi em direção ao cercado que ele pulou mais cedo. Entretanto, quando estava a alguns metros de distância do lugar, o detetive ouviu um barulho que o fez voltar-se repentinamente. Era não só um, mas dois rosnados que surgiram por trás dele. Duas sombras se moviam e rosnavam em direção ao detetive, e sob a luz da lua Sherlock pôde perceber que eram dois cães de guarda. O detetive rapidamente calculou as chances que teria se lutasse contra eles dois. A probabilidade de vencer era mínima. Escolheu então a rota mais prudente: a fuga. Sherlock se virou rapidamente e correu como uma bala, a descarga alta de adrenalina em suas veias permitiu tal proeza. Ele puxava todo ar que conseguia fazendo seu peito e garganta arderem, junto com o abdômen, por causa dos socos de Harrison. Faltava poucos metros para a cerca, Sherlock não olhou para trás, mas sentia que os cães estavam muito perto. Então, num ato de sobrevivência, o detetive saltou o cercado, caindo com toda força para o outro lado. Ondas de dor iam de suas costas ao seu tórax, seu abdômen doía devido ao esforço repentino. Sherlock olhou para o cercado, viu os cães babando, latindo furiosamente. “Duas máquinas de matar que perderam a oportunidade de jantar”, resmungou o detetive, enquanto se levantava vagarosamente, conferindo se tinha perdido algumas coisa ou se tinha quebrado algo. Seguiu então a passos lentos e doloridos para onde escondera o carro. Chegando por trás dos arbustos, o detetive entrou no veículo, girou a chave na ignição, retirou a arma de Watson da cintura, colocando- ao seu lado, no banco do passageiro. Esse foi seu erro. Holmes sentiu um objeto de metal ser encostado na parte lateral de sua cabeça. Como reflexo ele esticou o braço para alcançar a arma no banco ao lado, mas o homem que estava atrás dele foi mais rápido e mais forte,e agarrou a mão do detetive antes que alcançasse a arma, puxando-a para trás, causando uma forte dor no cotovelo de Sherlock, fazendo-o grunhir. O homem então disse, com uma voz tranquila:

— Eu sugiro, senhor Holmes, que siga as minhas instruções. Caso contrário o dono desse veículo terá muito trabalho limpando os seus miolos do banco.

Sherlock cedeu o pedido do homem, relaxando o braço. O homem aproveitou então para pegar a arma do banco do passageiro, colocando-a no banco traseiro. Em seguida, com a mão livre, o homem puxou o cachecol do detetive, retirando-o. Usando apenas uma mão ele colocou de volta em Holmes, passando uma vez em volta do pescoço, colocando as duas pontas livres para trás, segurando ambas com a mão livre. O homem fez força, puxando o tecido para si, testando. O homem viu que obteve sucesso, ao sentir a respiração de Sherlock mais ruidosa ao apertar o cachecol, automaticamente apertando o pescoço dele. O detetive tentava olhar pelo retrovisor quem era o homem atrás dele, mas o mesmo notou a intenção, e disse:

— Deixemos as apresentações para depois senhor Holmes, na hora certa. Agora dirija para esse endereço.

O homem jogou um celular no banco do passageiro, ao lado de Sherlock, com uma rota já programada para ele seguir. Era um desses aplicativos que indicava rotas e caminhos. Logo a voz robótica do celular indicou o que Sherlock deveria fazer em seguida. O homem comentou:

— E nada de gracinhas, se não você além de enforcado receberá um tiro na cabeça. Se você sair da rota eu vou saber, e as coisas ficarão feias para você.

O detetive então deu a partida no carro, e começou a dirigir.

— Para onde você está me levando? -perguntou Holmes, de forma firme e segura. Não se abalara pelas ameaças do estranho.

— Engraçado, deveria reconhecer o caminho para a sua própria casa.

***

John tinha mandado recolher o prisioneiro; decidiu então ligar para Mary. A Sra Watson atendeu ao segundo toque:

—Oi querido, o que o Sherlock queria?

—Ele queria apenas que eu interrogasse um prisioneiro.

— Entendi. Eu aposto que você se saiu bem.

— É...mais ou menos isso.

John ficou em silêncio. Mary então perguntou:

—O que houve John? Você não costuma se calar assim no meio de uma ligação, a não ser por alguma coisa que tenha acontecido.

John respirou fundo e respondeu:

—Ele também me pediu para ficarmos com Emanuelle até o fim da semana. Disse que era mais seguro para ela, mas não me deu mais explicações, inclusive falou algo sobre só ter uma semana, mas também não explicou. Enfim, vou passar na casa dela depois daqui. Aí esclareço tudo e levo ela pra nossa casa.

—Querido, por mim tudo bem ela ficar aqui em casa por alguma dias, nós não tínhamos já conversado sobre isso? Não há problema pra mim.

— O problema não é esse. Ele a chamou pelo sobrenome…

— E há problema nisso?

— Sim. Quando ele faz isso é porque não quer intimidade com a pessoa. Ele até de Manu a chamou, e agora veio com essa de “senhorita Goes”. Eu não sei o que aconteceu, mas agora sei que ele quer distância dessa garota.

— Compreendo. Então traga ela. Vou desligar, Rosie está me chamando.

— Até já, tchau querida.

John desligou o telefone. Guardou a lista que obtera de Wilson, e se dirigiu ao seu carro. Seguiu destino até o 221b

***

O estranho no banco traseiro permaneceu com a arma encostada na nuca de Sherlock durante todo o percurso, até ele chegar à Baker Street. Tinham se passado muitas horas desde que Sherlock seguira rumo à zona industrial, de forma que quando ele chegou de volta em casa já era madrugada, e a rua estava deserta. Toda Baker Street dormia, o que favoreceu ao homem no banco traseiro. Sherlock estacionou e desligou o carro. O homem afrouxou o cachecol, usando a mão agora para pegar a arma que tomara de Sherlock. Guardou a sua no casaco, usando a do detetive. O estranho abriu a porta, e desceu primeiro e em seguida desceu Sherlock. O homem o mandou abrir a porta do apartamento e ele obedeceu. Sob a mira das duas armas, o detetive subiu as escadas e entrou em seu apartamento com o estranho logo atrás. Estava tudo apagado. A sala era fracamente iluminada pela luz que vinha dos postes da rua, e uma luz na mesa da cozinha chamou a atenção de Holmes: era seu notebook estava aberto, com o pendrive conectado nele. O homem mandou Sherlock se virar, retirar o sobretudo e as luvas. “Quero ver onde estão suas mãos”. O detetive pôde ver quem o sequestrou. Era o homem do vídeo. Estava usando a mesma máscara. Sherlock alfinetou:

—Ora, ora...a que devo a honra de ter o chefe dos malucos na minha sala? Não mandou nenhum dos seus cães fazer o serviço sujo? Que decepção…

O homem deu uma risada sarcástica. Sherlock notou que a voz que ele usava era disfarçada, não era sua voz natural. Esse estranho estava determinado a preservar sua identidade. O homem respondeu:

—Quando eu soube que o famoso detetive Sherlock Holmes estava envolvido nas investigações, eu tinha que conferir pessoalmente. Quero lhe fazer uma proposta. Quero que se junte a mim.

Sherlock estreitou os olhos contra o chefe do Hukm Allah, dizendo em seguida:

—O que você quer de mim?

—Seus dons e sua inteligência são notáveis. Quem sabe você não possa direcioná-los para os objetivos certos? Você seria bem útil para os propósitos de Allah.

—Que propósitos são esses?

—A limpeza dessa cidade nojenta -o homem abriu um sorriso assassino- seus governantes são um bando de hipócritas arrogantes, e sua população não passa de uma grande massa de manobra anencéfala. Eles esqueceram de olhar para o próximo, só se importam com o seu próprio mundinho. Ninguém olha além do seu próprio umbigo. Esqueceram dos mandamentos de Allah. Essa desobediência só será perdoada com derramamento do sangue dessas almas egoístas.

— Você está falando de morte em massa.

— Sim, se usarmos a arma certa.

Sherlock olhou espantado para o homem que sorria assustadoramente. Uma rede de informações se ligou em sua mente, seus olhos brilharam com a conclusão que chegara. Como se notasse isso, o homem continuou o discurso:

—Acho que você já entendeu. E então Holmes? Vai se juntar à nós?

— Não, obrigada, eu já tenho emprego.

— Bom é uma pena perder um cérebro tão raro -o homem destravou a arma, apontando para a cabeça de Holmes. Mas antes que pudesse atirar, o notebook aceso na mesa também chamou sua atenção. O chefe se aproximou para ver a tela, com a mira ainda apontando para o detetive. O computador estava aberto nas fichas. O homem riu, fechando o notebook e puxando o pendrive do computador, colocando no bolso. Ele comentou:

— Veja só, parece que alguém está traduzindo os documentos. Já que não acredito que alguém tenha desobedecido minhas ameaças, só resta a Emanuelle estar fazendo isso. Onde ela está?

— Num lugar que está fora do seu alcance.

—Nao tão fora assim. Agora que eu sei que ela está ajudando vocês, virou pessoal. A população me entregará ela de bandeja, e você não irá impedir.

O homem deu dois passos à frente, encostando a pistola na testa de Holmes. O detetive reagiu, batendo na mão do homem, fazendo a pistola cair longe, na escuridão da cozinha. Holmes deu um gancho de direita no rosto do homem, entretanto ele era mais rápido e mais bem treinado que o detetive, desviando-se do soco. Ele puxou a outra arma do seu casaco e atirou na coxa do detetive. Holmes caiu ao chão, retorcendo-se de dor. Ele tentou se levantar, mas foi atingido por um chute no abdômen. O homem em seguida o pôs de joelhos puxando-lhe os cabelos, e o enforcava num golpe com os braços. Sherlock se debatia, tentando se desvencilhar, mas o homem era forte. O detetive sentiu a vista escurecer e uma leve dormência nas suas mãos e nos seus pés, enquanto tentava puxar o ar para dentro de seus pulmões, sem sucesso. O homem sussurrava em seu ouvido: “morra, apenas morra”.

Repentinamente Holmes ouviu algo se partindo acima da sua cabeça, e em seguida o braço do estranho afrouxou. Holmes caiu para frente, dando grandes goles de ar. E viu uma sombra cair do seu lado, era o chefe desacordado no chão. Ao olhar para trás e para cima, ele teve um pouco de dificuldade de identificar a pessoa, mas pela silhueta e a altura constatou quem era: Emanuelle. “O que você está fazendo aqui?” pensou. Ela estava segurando algo branco nas mãos. Ele olhou para cima da lareira e viu que seu crânio não estava mais no lugar. A jovem tinha acertado o estranho com a caveira que decorava a lareira de Holmes. Emanuelle arrastou Sherlock para longe do homem desacordado. Sherlock sentou-se no chão com as pernas esticadas. Ela acendeu a luz da cozinha, e olhou nos olhos de Sherlock, observou as pupilas e em seguida os pulsos do detetive, tudo muito rápido. Ela segurou o rosto do detetive entre as mãos, virando-o para ela. Ela disse:

— Sherlock, fale comigo, onde o tiro pegou?

— Na minha coxa -disse com expressão de dor.

Emanuelle ia pegar na perna dele para examinar, mas ele segurou as mãos dela e disse com urgência: “Não, o pendrive!! Ele pegou o pendrive!”. Ambos olharam para o homem naquele momento, e para surpresa deles, o estranho não estava mais deitado no chão, mas ajoelhado à uma certa distância deles e com a arma em punho apontada para ambos. Sherlock, num impulso, abraçou Emanuelle e impulsionou-se para trás, indo parar no chão abraçado à jovem. Poucas frações de segundo depois, ouviu-se ecoar pela sala o som do disparo da arma, e um clarão passando a poucos centímetros acima dos dois deitados ao chão. Sherlock olhou para onde o homem estava e o viu correndo porta afora de seu apartamento. Ele levantou-se com dificuldade, a perna doía intensamente. Foi mancando para a janela e viu o estranho roubando o carro que ele alugara, e, cantando pneu, o homem escapou. A senhora Hudson em seguida apareceu na porta do apartamento muito assustada.

— Sherlock, eu vi um homem saindo correndo e pegou um carro que estava aqui na frente. O que houve aqui?

— O chefe dos terroristas! E ele acabou de levar todos os arquivos que tínhamos -falou Sherlock, no que parecia mais um gemido do que uma resposta. O detetive mancou em direção à mesa da cozinha, caindo de joelhos no chão na metade do caminho, grunhindo. Emanuelle foi em direção a ele, e colocou o braço dele por cima de seus ombros, levando-o até a poltrona em frente à lareira. Ela então se ajoelhou e observou a perna. Na calça havia um pequeno buraco feito pela bala. Então, enquanto ela rasgava o tecido para ter acesso ao ferimento, ela disse:

— Eu não teria tanta certeza assim -disse Emanuelle com um singelo sorriso.

— Como assim?

— Eu esvaziei o pendrive e passei todos os arquivos para seu notebook. O que esse homem levou não passa de um dispositivo vazio.

Sherlock olhou surpreso para a jovem, e, num reflexo comentou:

— Genial…- Emanuelle parou o que estava fazendo, e olhou Sherlock nos olhos, comentando:

— Tem certeza que a bala não atingiu a sua cabeça também?

— Não, porque?

— Você acaba de me elogiar. Isso não se vê todos os dias. A não ser que você esteja realmente desorientado pelo tiro que tomou -Emanuelle deu uma risadinha tímida.

Sherlock riu junto, mas em seguida gemeu por causa do ferimento. Emanuelle acabara de rasgar o último ponto necessário do tecido. Ela examinou com cuidado o local, e disse em tom de alívio:

— A bala não penetrou na sua perna. Foi um tiro de raspão, mas o suficiente para causar esse sangramento bem importante. Espere que eu já volto.

Emanuelle saiu do apartamento, encontrando a sra Hudson ainda na porta. A senhora perguntou-lhe se poderia fazer algo para ajudar, ao que Emanuelle pediu para que fizesse um chá de camomila bem quente.

Dentro de minutos, a médica voltou ao apartamento do Holmes com algumas gazes, faixas e luvas. Ela ajoelhou-se na mesma posição, e começou a limpar e tratar o ferimento na perna. Sherlock a observava trabalhar. Estava transtornado por ela não ter ido para a casa de John, mas ao mesmo tempo estava feliz por ela não ter ido. O detetive resolveu quebrar o silêncio, e falou em tom ameno:

— Eu pedi para John levar você…

— Ele veio aqui mais cedo -interrompeu a doutora- disse que era para eu passar alguns dias com ele e Mary. Ele disse que eu estaria mais segura lá.

— E porque você não foi?

— Sherlock -disse, agora em tom sério- eles estão nos observando. Eles me querem viva ou morta. Se eu saísse daqui e fosse para a casa de John, eu estaria colocando a vida de uma família inteira em risco. Eu disse isso para ele, e ele entendeu. Eu estando aqui, se algo me acontecer, é só a mim. Não quero que ninguém mais se machuque por causa de toda essa confusão -Emanuelle de repente corou- nem mesmo você…

Emanuelle olhava para o chão. Não ousava olhar para aqueles olhos cristalinos. Sherlock pegou na ponta do queixo da doutora, e o levantou delicadamente, para que ela olhasse para ele. Os olhos dela estavam lacrimejando. Ele se inclinou na cadeira, deixando o rosto de ambos bem próximos. Ele falou baixinho para ela, o que intensificou ainda mais o timbre grave de sua voz:

— Se eu tiver que me machucar mil vezes em seu benefício, vai valer a pena. Você é importante para esse caso…-Sherlock hesitou, mas prosseguiu- e para mim também.

Emanuelle deixou cair uma lágrima. Com a mão que Sherlock estava segurando o queixo da jovem, ele a passou pelo rosto dela, enxugando-o. O rosto de ambos estavam muito próximos, ao ponto de um conseguir sentir a respiração do outro. Algo em Sherlock o fazia querer se aproximar mais. Os olhar da jovem, a sua vulnerabilidade, davam a ela um ar de fragilidade que o fez querer abraçá-la e nunca mais soltar. Queria protegê-la. Já Emanuelle, ao contemplar aqueles olhos cor cristal, sentiu algo em seu estômago, mas dessa vez não era o velho incômodo de sempre, era algo bom. Ela sentia-se leve, como se nunca mais fosse sentir medo. O rosto de ambos lentamente se aproximavam mais, seus narizes quase se encostavam. Faltava pouco para que os lábios de ambos se tocassem. Mas o momento foi interrompido pela senhora Hudson que acabara de entrar com uma bandeja com um bule cheio de chá e algumas xícaras. Sherlock rapidamente levou o corpo para trás, encostando-se na poltrona. A sra Hudson nada vira. Entrou e colocou a bandeja encima da mesa da cozinha.

Emanuelle estava vermelha igual à um tomate. Ela gaguejando, se levantou e disse:

— Bom, sr Holmes. Está feito o curativo. Se sentir dor pode tomar um analgésico.

— Claro, obrigada por sua atenção senhorita Goes -disse Sherlock, se levantando da poltrona. Ele foi mancando buscar seu celular. Ia ligar para Lestrade.

Emanuelle recolheu suas coisas do chão e foi em direção ao notebook. O abriu, salvou o seu trabalho do dia e fechou novamente o computador.

Ela então foi para a porta do apartamento e disse, olhando para o chão:

— Bom, se me derem licença, irei descansar. Não aguento traduzir nem mais uma folha. Boa noite para vocês.

— Boa noite, senhorita Goes -respondeu Sherlock, olhando para o aparelho celular. Mas quando ela ficou de costas para sair, ele levantou a vista e a acompanhou com o olhar, até o momento que fechou a porta atrás de si.

Emanuelle subiu as escadas para seu apartamento, reflexiva sobre o que quase acabara de acontecer.