Flor do deserto

Capítulo 18- Ameaça virtual


— Você tem certeza disso? -John falava ao telefone, enquanto ele e o detetive desciam a rua a pé. Estava bastante frio naquele dia, e uma notável fumaceira saia pela boca do doutor. Watson ainda estava ao celular, quando passaram em frente à uma pracinha com alguns bancos. John fez sinal para Sherlock parar, sentando-se no banco em seguida- Ok, ótimo! Por favor me mande a foto dele, isso é muito importante! Obrigada, tchau.

— O que foi? -perguntou Sherlock, ainda de pé. John respondeu sem tirar os olhos da tela do celular. Esperava a mensagem do colega.

— Quando eu estava em serviço no Afeganistão, existia uma história entre os soldados de um sargento que enlouqueceu, há alguns anos atrás. O nome dele era Carl Robin. Disseram que em uma das missões, ele foi sequestrado por um dos clãs inimigos naquele território. Ele foi torturado por dias, de todas as maneiras que você puder imaginar. Mas o Carl resistiu, foi forte e sobreviveu; e num determinado dia, um clã rival daqueles que o tinham sequestrado, invadiu o lugar e resgatou Carl dos torturadores. Eles o levaram, trataram seus ferimentos e o alimentaram. Mas dois dias depois, as tropas britânicas invadiram o lugar e exterminaram todo os árabes que tinham resgatado Carl. Ele lutou a favor dos seus resgatadores, mas foi detido pelos soldados, que acabaram o levando de volta para a base. Carl foi acusado de traição, e perdeu as patentes. Ele explicou toda a situação aos seus superiores, que aqueles homens que eles mataram eram homens bons, que tinham o resgatado, e que não queriam problema com as tropas na região. Mas suas súplicas foram em vão, e ele ficou na cadeia durante o andamento das investigações. Ao fim da investigação, Carl foi aposentado das forças armadas. Alegaram que ele estava incapacitado pelo trauma que passou. Carl ficou indignado, e acusou os seus superiores de se livrarem dele apenas para esconderem o erro de terem autorizado a morte de homens inocentes. Ele recusou receber qualquer benefício da aposentadoria. Começou a espalhar vídeos nas redes sociais, teorias da conspiração insanas envolvendo o governo britânico e as forças armadas. Os rapazes me mostraram alguns desses vídeos, e ele alegava coisas totalmente desconexas e bizarras, parecia um lunático. Ele se intitulava nos vídeos de “Lawrence da Arábia”. As pessoas começaram a chamá-lo de louco nas redes sociais, perdendo totalmente a credibilidade. Então ele sumiu, não postou mais vídeos. Ninguém mais ouviu falar dele.

— Quanto tempo isso faz?

— Uns oito anos ou mais -disse John, quando seu celular recebeu a mensagem que estava esperando. Era a foto de Carl, que um colega conseguiu recuperar da internet. John abriu o arquivo, mostrando o celular para Sherlock- Esse é o homem que estamos procurando.

Sherlock observou a foto do homem com atenção. O rosto um pouco consumido pela idade, mas o porte atlético e a feição dura mostravam a resistência do homem. Ele tinha certo nível de inteligência, que se tornou perigosa pela loucura. De fato, era um inimigo notável; mas era louco, o que poderia fazer com que suas ações pudessem ser um tanto imprevisíveis. Sherlock foi interrompido de seus pensamentos pelo seu celular que tocava. Sherlock tirou o aparelho do bolso, e olhou a tela.

— Quem é? -perguntou John

— Número desconhecido -respondeu Sherlock.

O detetive olhou por um tempo para a tela do celular, ele estava sentindo o que estava por vir. Sherlock não sentiu medo, seu braço mordido parou de doer, sentia apenas um discreto filete quente de sangue escorrendo para fora do machucado, melando a camisa. Tal qual um predador, ele se preparou para enfrentar o inimigo. Depois de alguns toques, resolveu então atender. Do outro lado da linha, ninguém falou. Sherlock também permaneceu em silêncio. Então, o outro lado resolveu quebrar o silêncio:

— “A guerra deve acontecer, enquanto estivermos defendendo nossas vidas contra um destruidor que poderia devorar tudo”...conhece essa frase Sr Holmes?

— J.R. Tolkien.

— Muito bom, de fato sua reputação o precede.

— É uma pena, queria dizer o mesmo que você. Eu esperaria uma educação melhor de um ex-militar -a feição de Sherlock era dura. John percebeu a súbita transformação do olhar do amigo, e se levantou do banco, se aproximando de Sherlock.

— Nossa, é verdade! Onde está a minha educação? Meu nome é Carl Robin, mas acredito que você já saiba disso -Sherlock olhou para John. Seus olhos cor cristal exalaram urgência, o que o doutor percebeu, se colocando em estado de alerta. Sherlock falou, sem sair som de sua boca: “Joyce”. John, arregalou os olhos, e seguiu a passos rápidos de volta para a casa da moça. Sherlock estava logo atrás dele, acompanhando os passos do amigo. Carl continuou:

— Tolkien sabia o que dizia. Existem muitos inimigos Sr Holmes, temos que matá-los, antes que nos matem.

— Observação interessante vindo de alguém que mata pessoas inocentes de uma forma tão covarde.

— Engraçado você falar isso, pensei que não se importasse com as pessoas.

Sherlock se calou. Revirou os olhos e, claramente impaciente, continuou:

— O que você quer?

— Ora, quero ser razoável é claro. Vocês tiraram algo que é meu, e prenderam um dos meus homens. Eu só quero fazer com que a balança fique equilibrada...mas como eu sou justo, quero lhe dar uma chance e simplificar as coisas -Sherlock estava andando um pouco mais lento que Watson, de forma que ele já estava a cerca de dez metros de casa. O homem falou com uma urgência ao telefone, ao observar a proximidade do médico- mande seu amigo se afastar Sherlock, ou o braço não será a única coisa quebrada nele.

Sherlock parou imediatamente de andar, e gritou alto por Watson, chamando a atenção dos que passavam na rua. Watson parou, olhando para o detetive. Sherlock fez sinal com a mão para Watson voltar, ao que ele obedeceu ao comando, recuando os passos para próximo do Holmes. Os olhos do detetive estavam fixos na casa de Joyce.

— Chance de quê?- perguntou Sherlock.

— Chance de prorrogar a dor e evitar mais mortes. Me entregue a egípcia e o Pen Drive, e mais ninguém morrerá.

— “Egípcia”...-Essa palavra ecoava pela mente de Sherlock. Como eles descobriram a origem de Emanuelle?. Sherlock voltou seus pensamentos para a médica no hospital, mas balançou a cabeça, numa tentativa de afastá-la de sua mente, precisava se concentrar ali. Depois de um tempo sem obter resposta, o homem repetiu:

— Me entregue a egípcia e o Pen Drive. Não vou fazer essa proposta de novo, essa oportunidade é única.

— Não negocio com terroristas.- Se Sherlock pudesse enxergar pelo telefone, ele viria o canto de boca de Carl ser tomado de um tique nervoso. Então, tentando manter o controle do impulso da raiva, Carl respondeu:

— Eu tentei ser civilizado...mas, como todos nessa cidade, você prefere a selvageria ao invés da conversa. Aí vai o resultado de sua falta de contribuição. Até a próxima sr Holmes.

O homem desligou o telefone. Sherlock mal tirou o telefone do ouvido, quando sentiu uma onda forte de calor empurrar ele e o colega médico para trás, juntamente com um forte clarão que surgiu à sua frente. Sherlock caiu de costas no chão, e raios de dor atingiram seu tórax e sua cabeça. Olhou para John, que estava sentado encostado numa parede, ao lado de Sherlock, seu rosto se contorcia em dor, tal como o detetive. Ambos ao olharem pra casa, viram que ela não estava mais lá. Apenas uma grande coluna de fogo e fumaça no lugar. Tudo veio ao chão com a explosão. Watson estava boquiaberto, disse quase para si mesmo:

— Céus...ele matou as duas.

***

Emanuelle estava histérica. Mary tentava acalmar a jovem, o que era em vão. Ela se levantou na cama, insinuando que iria sair correndo do quarto. Mary percebeu, e rapidamente se levantou e fechou a porta, fez sinal para a jovem se acalmar. O ferimento no pescoço começou a sangrar de novo, escorrendo sangue pelo pescoço e melando a gola da camisola hospitalar.

— Mary, me deixe fugir -disse Emanuelle de forma ameaçadora.

— Querida, se acalme eles…

— Como assim me acalmar?! -Emanuelle explodiu em fúria, e gritava com a senhora Watson- você ouviu o que eles disseram!!! Não posso ficar aqui! Eles vão me pegar!

A jovem estava claramente em pânico, seus olhos arregalados, seu corpo e seus lábios tremiam, lágrimas caiam de seus olhos, sem ela precisar fazer força. Ela levava as mãos à cabeça, repetindo para si mesma:

— Eles vão me pegar, preciso sair daqui, eles vão me pegar…

— Calma, ninguém vai te pegar, estou aqui com você, não está sozinha -falava Mary, tentando acalma-la.

A jovem passava a vista pelo quarto inteiro, rodando em busca de alguma saída. De repente ela pegou uma cadeira feita de metal, suspendeu ela, e bateu contra o vidro da janela, rachando-o. Mary disparou em direção à ela, gritando à plenos pulmões pelas enfermeiras. Mary segurou a cadeira, impedindo um novo golpe contra a janela. No mesmo momento dois enfermeiros entraram com algumas seringas na mão e vidros de medicação. O homem maior tomou a cadeira da mão da moça. E em seguida a conteve, colocando-a de volta na cama. Emanuelle se debatia e gritava com toda força, Mary no canto do quarto assistia a cena com a mão na boca, visivelmente comovida com o estado daquela jovem. Logo o outro enfermeiro injetou em Emanuelle o líquido que trouxera consigo, fazendo-a parar de se debater alguns segundos depois. A jovem pendeu a cabeça e adormeceu. O enfermeiro colocou a seringa usada numa mesinha de procedimentos, ainda com uma certa quantidade de calmante em seu interior. Mas a seringa escorregou, caindo no chão e rolando para debaixo do leito, sem ninguém ter visto. Em seguida, ambos enfermeiros amarraram as mãos e os pés da moça no leito com algumas faixas, contendo-a, caso se ela se agitasse de novo.

— Isso é mesmo necessário? -perguntou Mary, se aproximando da cama onde a jovem estava amarrada.

— Pelo menos até termos certeza que o remédio fez efeito, sim -respondeu o homem que aplicou a injeção- não queremos ninguém pulando da janela, não é mesmo?

— Claro, não queremos -respondeu Mary.

***

Escombros cobriam o lugar. Alguns carros da polícia fechavam a rua, passando uma fita amarela ao redor do perímetro da casa, agora destruída, deixando qualquer curioso de fora. Lestrade estava conversando com Watson, o doutor explicava ao inspetor tudo o que aconteceu desde a chegada deles à casa, até o momento da explosão. Sherlock, agora com o braço devidamente enfaixado, vasculhava os escombros. Com suas mãos nas costas e seu sobretudo preto lambendo os escombros; Sherlock assumia sua clássica posição de cão farejador, em busca de qualquer prova. E ele a achou. Finalmente depois de revirar alguns escombros aqui e ali, ele achou o que procurava: um dispositivo de rádio. Era pequeno e estava quebrado. Mas era o suficiente para receber ondas numa determinada frequência , ativando a bomba. Levou o objeto para Lestrade, que o entregou à perícia.

— Egípcia é? -perguntou Lestrade.

— Eles também sabem a procedência dela -respondeu Sherlock.

— Mas como? -questinou John

— Banco de dados -respondeu o detetive- eles também devem ter o mesmo acesso ao banco de dados de Mycroft. Ao jogar o nome dela no sistema, descobriram tudo...o que é péssimo…

— Tem razão, a coitada está correndo um risco enorme e…-interrompeu Lestrade.

— Não, péssimo porque quer dizer que eles têm tantas informações quanto nós. Não estamos com muita vantagem com relação a eles. Quanto à proteção de Emanuelle, não vou deixar que nada aconteça, ela está segura comigo.

— Segura? Com você? -Lestrade segurou-se para não gargalhar ali- dentro de uma semana ela quase foi estuprada e quase foi morta pelo menos umas duas vezes!

Sherlock apertou os olhos ameaçadoramente para Lestrade, respondendo desaforado:

— Você esqueceu que eu estava preso também? E a culpa não é minha se a Scotland Yard não dá conta do serviço, deixando bandidos à solta.

Lestrade abriu a boca ofendido, pronto a responder à alfinetada de Sherlock, quando John interveio:

— Pen drive, fale pra Lestrade do Pen Drive Sherlock - o detetive revirou os olhos antes de responder, ele achou patética a intervenção de Watson. Mas no fundo estava agradecido, também não queria levar essa discussão tola a diante. Então respondeu:

— Meu especialista conseguiu colocar no modo de descodificação automática. Hoje ainda ou amanhã teremos acesso a todos os arquivos naquele dispositivo.

— Excelente. Disse Lestrade cruzando os braços.

O trio permaneceu em silêncio, olhando ao redor pelos escombros. Lestrade quebrou o silêncio, perguntando à dupla:

— Falando nisso, como está Emanuelle?

Sherlock ficou visivelmente incomodado com a pergunta. Puxou o celular do bolso, e discou alguns números, se distanciando de Lestrade e John, e este relatava ao inspetor o estado da jovem. Vendo que saíra da roda de conversa, John perguntou:

— Pra onde vai?

— Preciso fazer uma ligação -respondeu sem ao menos se virar para o colega.

Lestrade perguntou a John, ao ver que Sherlock já estava a uma certa distância:

— O que deu nele?

— Não sei...apenas algumas teorias.

— Que teorias?

— Ah, nada de importante -disse John, dando um sorriso- e falando em importante vou ligar para Mary, para saber como ela está.

John tirou o telefone do bolso, e se assustou com a quantidade de ligações perdidas que tinha da esposa. Imediatamente John ligou para Mary, sua respiração estava pesada. Após alguns toques ela atendeu:

— John, onde você estava? Tentei ligar pra você mil vezes.

— Desculpe querida, por algum motivo meu telefone não tocou. Está tudo bem?

— Não, não está nada bem.

— O que houve?

— Nada que eu possa comentar aqui -Mary tinha saído do quarto para atender a ligação, estava no corredor do hospital- Veja o vídeo por você mesmo, e tire suas conclusões.

— Mas que vídeo? Eu não estou entendendo nada.- Mary respirou fundo, explicando em seguida:

— Eu e Manu estávamos vendo televisão. A transmissão foi cortada e um vídeo foi colocado no ar. Pelo jeito ele foi transmitido para todo o país.

— Como aquele de Moriarty?

— Sim, mas o conteúdo é totalmente diferente. Vou enviar o link pra você. Está em toda a internet.

— Ok, vou desligar.

Assim que John desligou o telefone, a mensagem chegou. John apertou no link, e logo surgiu um vídeo de um homem encapuzado, apenas seus lábios e seus olhos estavam de fora. Ele estava vestido com uma típica roupa de guerra, cor de areia. O fundo do ambiente era acidentado, sujo, e o homem estava segurando uma poderosa AK- 47. John chamou Lestrade para ver o vídeo, antes que apertasse o play.

— Você está sabendo disso? - perguntou John. Lestrade avaliou rapidamente a imagem do homem encapuzado.

— Não, eu esqueci meu celular no escritório. Mas o que é isso?

— Mary disse que foi transmitido em toda Inglaterra. Não sei o é, mas já não estou gostando.

— Não está gostando de quê? -perguntou Sherlock, se aproximando dos dois.

— Esse vídeo foi transmitido para toda Inglaterra faz algumas horas, como aquele de Moriarty.

— E do que é esse vídeo?

— É o que vamos descobrir agora.

John apertou o play, e o homem encapuzado começou seu discurso:

“Povo da Inglaterra...temos demonstrado nossas intenções há alguns meses contra a sua odiosa lei do véu, que ofende ao grande Allah. Sua ofensa é imperdoável, mas para a sorte de vocês, estamos dispostos a perdoá-los e não mais atacar a sua arrogante Inglaterra e seu povo pagão. Mas vocês precisam ser sábios e coerentes, precisam aprender o que é justiça.” Nesse momento, apareceu na tela duas fotos: a do Pen Drive à direita, e à esquerda estava a foto de Emanuelle pequena, a mesma usada no jornal árabe que Mycroft deu para Sherlock. O homem continuou com seu discurso: “esse objeto foi tirado de nós, e vos apresento a ladra: uma egípcia fugitiva. Não, ela não é uma criança, é uma mulher adulta já, e é aí que vocês entram, ó povo britânico. Suas autoridades sabem quem ela é. Exijam que sua imunda Scotland Yard entregue ela e o Pen Drive para nós, ou vocês mesmos a matem. Caso contrário, nossas ações serão cada vez mais intensas. E para mostrarmos nossas intenções, conheçam essas duas jovens: Joyce e sua filha” A foto das duas apareceu no canto da tela, ainda mostrando o homem. “elas foram as primeiras vítimas da negligência de suas autoridades. Elas não acreditaram em nós, então essas duas pagaram com a vida” A tela foi tomada por uma filmagem, feita por celular, da explosão da casa de Joyce. John levou a mão à boca, e uma onda de calor e ódio subia pela sua nuca. Sherlock continuava a olhar inexpressivo para aquela cena, Lestrade ficou boquiaberto. A imagem do terrorista voltou para a tela, “Vocês que decidem, povo londrino...quantos mais terão que pagar com a vida? Será que Eduardo Galeano estava certo quando disse: ‘Na luta do bem contra o mal, é sempre o povo que morre’?. Mas aí vocês podem pensar que eu sou injusto, afinal ninguém de vocês sabem quem ela é. Então vamos equilibrar a balança: de todos os cidadãos londrinos, mandarei o nome completo dessa prostituta para 5 de vocês...a decisão está em suas mãos ó povo...matem a mulher e nos entreguem o Pen Drive. Não seremos misericordiosos.”

O vídeo acabou. Lestrade e John permaneceram olhando para a tela do celular, em choque. Entretanto Sherlock rapidamente puxou seu celular do bolso, discou os números com urgência e ligou para Mary, que logo atendeu:

— Sherlock, ainda bem que lig…

— Mary, você está no quarto com Emanuelle?

— Sim, estou.

— Tranque a porta agora, não deixe ninguém entrar.

Mary se levantou rapidamente da cadeira, foi em direção da porta. Procurou alguma tranca, não tinha.

— droga! - resmungou.

— O que foi?- perguntou Sherlock

— Não há trancas, apenas a maçaneta...droga Sherlock, portas de hospitais não tem trancas! O que está havendo?

— Emanuelle consegue andar?

— Ela está sedada e amarrada na cama Sherlock...depois do vídeo na televisão ela entrou em pânico e quase salta pela janela.- Sherlock praguejou entredentes, perguntou então:

— Você está com sua arma?

— Que pergunta Sherlock! porque eu traria uma arma para o hospital?...sim, estou com ela -Mary disse essa última parte quase num cochicho.

— Ótimo! não deixe ninguém entrar no quarto! Estou chegando!

O detetive puxou do bolso da camisa de Lestrade as chaves do carro da polícia, tirando Lestrade do estado de choque.

— Ei, o que está fazendo?- perguntou o inspetor, enquanto seguia o detetive, tentando recuperar suas chaves.

— Emanuelle está em perigo no St Barts, tenho que ir para lá agora!

John ao ouvir isso também despertou, seguindo os dois homens. Perguntou:

— Você falou com Mary, ela está bem?

— Sim,e está armada. Espero que a mira dela continue boa -disse, apalpando o peito, onde havia a cicatriz da bala que Mary colocou em seu peito.

— Ok, mas eu dirijo -disse Lestrade, tomando as chaves da mão do detetive.

***

O percurso até o hospital foi feito dentro de dez minutos. Sherlock saltou para fora da viatura, entrou no hospital feito uma bala, e subiu as escadas correndo. Teve que parar no meio do caminho para recuperar o fôlego, mas a descarga que adrenalina sobre seu corpo o fez correr de novo, mesmo com os pulmões pegando fogo. Ofegante, chegou no corredor do quarto da jovem. Diminuiu os passos, dando uma trégua aos seus pulmões. Caminhou em direção ao quarto. Ao ver a porta fechada, um mau pressentimento assombrou seus pensamentos, e ainda mais quando ele tentou abrir a porta, sem sucesso. Olhou de um lado para o outro, viu que o corredor estava vazio e o posto de enfermagem também. Então deu um forte chute na porta, abrindo-a, fazendo uma cadeira de metal rolar para longe da porta, provavelmente era o que estava trancando a porta. Sherlock fez uma análise na velocidade da luz do que viu dentro da sala, tudo se passava em câmera lenta na mente do detetive: Mary estava caída no chão, a arma estava um pouco afastada de sua mão e na testa havia um filete fino de sangue; provavelmente ela foi acertada na cabeça e desmaiou. Emanuelle estava deitada, ainda dormia sob efeito da medicação. Ao lado da cama, estava um enfermeiro terminando de encher uma seringa com um líquido de um vidro. Nele estava escrito “Xilocaína”. Uma setinha saiu do vidro, mostrando um quadro onde várias palavras surgiram, na mente de Sherlock. “Anestésico local, se colocado dentro da corrente sanguínea pode causar parada cardíaca”. O enfermeiro se virou e viu Sherlock na porta. Não teve dúvidas, rapidamente se inclinou sobre a moça e enfiou a agulha no caninho do equipamento que estava jogando soro nas veias dela, pronto para injetar o líquido. Sherlock voou para cima do homem. Com um braço envolveu o pescoço, e com o outro segurou a mão do homem, não permitindo que ele injetasse o conteúdo da seringa, soltando-a; mas ela ainda ficou pendurada no caninho, sustentada pela agulha. O enfermeiro lutava para se desvencilhar de Holmes. Num descuido, ele conseguiu agarrar os cabelos de Sherlock, puxando-o para frente, chocando a parte de trás da sua cabeça com o nariz do detetive. Sherlock largou o homem, dando dois passos para trás. Seu nariz começou a sangrar e seus olhos lacrimejaram. O enfermeiro virou-se, e mirou um soco no rosto do Holmes, do qual ele se desviou. Então Sherlock acertou um soco no estômago do homem, fazendo-o cair de joelhos no chão. O enfermeiro enquanto tentava se levantar, avistou debaixo da cama a seringa usada mais cedo em Emanuelle para sedá-la, e ainda restava um pouco de sedativo nela. O homem então esperou Sherlock se aproximar mais dele e, num golpe rápido, pegou a seringa e enfiou a agulha na perna do detetive, injetando o resto do sedativo. Sherlock sentiu tudo rodar ao seu redor, levando a mão à cabeça, se desequilibrando um pouco. O enfermeiro aproveitou e se levantou, respirando com dificuldade por causa da violência do golpe. Ele foi em direção ao detetive, e devolveu a agressão, acertando no estômago e em seguida no rosto de Sherlock, o levando ao chão. Holmes não desacordou, a quantidade da medicação foi o suficiente apenas para tonteá-lo; mas junto com os socos foi o suficiente para enfraquecê-lo. Sherlock tentava levantar do chão, mas a tontura e a terrível sensação de perda de força muscular, não o deixavam sustentar seu próprio peso. Levantou então seus olhos, e viu o homem novamente ao lado da cama. Um desespero subiu estômago acima no detetive, quando viu o enfermeiro pegar novamente a seringa pendurada, estava novamente pronto para injetar o anestésico; e Sherlock não conseguiria impedi-lo. De repente um estrondo invadiu a pequena sala, e a seringa na mão do enfermeiro estourou, espalhando anestésico pra todo lugar. Ambos olharam para Mary. Ela estava sentada no chão, com a arma em punho, e do cano saía uma discreta fumaça. Ela atirara na seringa, impedindo a injeção em Emanuelle. Nesse momento, Lestrade entrou no quarto com a arma em punho apontando-a para o enfermeiro, em seguida John e alguns seguranças do hospital entraram. Sherlock pôs-se sentado com dificuldade, encostando as costas na parede. Ainda ofegante, ele olhou para Mary, e comentou: “ainda bem que a sua mira continua boa”.

***

A enfermaria toda se assustou com o tiro dado por Mary. Logo enfermeiros e médicos apareceram no andar. Uma estranha movimentação da polícia num quarto chamava a atenção de todos. Um homem saira algemado de lá. Ninguém era autorizado a dar nenhuma informação sobre o que houve ali. Nenhuma enfermeira ou médico respondia as perguntas dos pacientes curiosos, até porque nem eles mesmos sabiam o porque de um enfermeiro do hospital tentou matar um paciente, eles só sabiam o ocorrido, mais nada. Lestrade orientou a polícia a agir assim. “É confidencial, investigação federal”, era o que diziam quando questionados. O inspetor sabia que logo logo a imprensa chegaria naquele lugar, então tratou de sair logo dali com o infrator algemado. Tomou o cuidado de deixar um policial na porta do quarto, como segurança. Mas Holmes insistiu em ficar com Emanuelle. Watson levou Mary para fazer uma tomografia da cabeça, por causa da pancada com o consequentemente desmaio, apesar do protesto da esposa, dizendo que estava bem.

***

— Nome?

— George Hiddler.

— Idade?

— Trinta.

— Profissão?

— Enfermeiro.

Na sala de interrogatório, o agressor estava sentado, e de frente para ele estava Lestrade. Havia um gravador sobre a mesa. O inspetor então inclinou-se para frente e, colocando os cotovelos na mesa, prosseguiu com a entrevista.

—Porque tentou matar Emanuelle Góes?

— Não é nada pessoal inspetor -respondia, de cabeça baixa. Não ousava olhar Lestrade nos olhos- acredito que o senhor já esteja sabendo do vídeo ameaçador que correu por toda cidade.

— Sim, estou.

— Bom...eu fui uma das cinco pessoas que recebeu a mensagem de texto. Tinha escrito o nome dela e embaixo “Hospital St Bartholomew’s”. Eu trabalho lá, então ao ver o nome da moça, eu o lancei no sistema e vi que estava internada, como também que trabalhava lá.

— Aí você teve a brilhante idéia de obedecer à um terrorista, e resolveu matar a moça.

— Inspetor, eu não…-o homem nesse momento escondeu os olhos com uma das mãos, e começou a chorar como uma criança, ao ponto de soluçar. Lestrade se encostou na cadeira, passando a mão pelo queixo, observando a choradeira repentina. O rapaz se acalmou um pouco, voltando a falar, embora que com a voz um pouco entrecortada- a casa que mostraram pegando fogo, minha mãe mora naquela rua, a poucos metros da casa que eles explodiram. Quando vi, entrei em pânico...poderia ter sido minha mãe inspetor, poderia ter sido minha mãe -o homem estava claramente tentando se controlar, para não romper em prantos- então quando vi que havia a chance de acabar com tudo isso que está acontecendo, não pensei duas vezes.

— E você realmente acha que eles vão parar se a mulher for morta?

O homem não respondeu nada. Ainda permanecia com a cabeça baixa. Depois de um longo e pesado suspiro, George falou:

— Estou muito arrependido, Deus sabe. Eu fiquei desesperado e com medo. Na verdade, estamos todos com muito medo inspetor, e eu não queria mais ver meus filhos saindo para a escola assustados, nem minha esposa tendo crises de ansiedade no meio do trabalho. Agi errado, eu sei. Mas não aguento passar mais por isso.

Lestrade permanecia encostado na cadeira, quieto. Pôs-se a pensar. De fato, o homem agiu por desespero e medo. Iria condená-lo por defender sua família ou por ceder aos pedidos de um insano? Mas matar inocentes a favor de sua família, não o igualaria ao terrorista que mata em favor de seus irmãos islâmicos? A cabeça de Lestrade girava em reflexões, mas de uma coisa ele tinha certeza: aquele homem portava uma informação importantíssima agora, e ele tinha que ser cauteloso para não deixar esse pobre homem espalhar informações sigilosas por aí. Então novamente ele se inclinou para frente, e falou ao rapaz:

—Eu entendo que você agiu assim para proteger sua família, mas também entendo que por mais que os ame, não pode matar inocentes por eles...o que eu faço com você? -O homem permaneceu calado. Ele chorava novamente, mas em silêncio dessa vez- vamos fazer o seguinte: vou conseguir uma redução de pena para você e uma cela particular, vou alegar o seu estado, explicando a tentativa de homicídio. Mas em troca, você não contará a ninguém sobre essa moça. O nome, onde trabalha, nada entendeu? Caso contrário, você terá o dobro da pena e ainda ficará numa cela cheia de criminosos sedentos por uma esposa, você me entendeu?

O rapaz fez que sim com a cabeça. Agora ele olhava para Lestrade. O olhar assustado e submisso fez o inspetor entender que George cooperaria. Ele estendeu a mão para o homem assustado: “temos um acordo?”. George apertou de volta a mão de Lestrade, com um pouco de dificuldade por estar algemado à mesa. “Sim. Obrigada inspetor”, disse esboçando um sorriso triste. “Ótimo”, respondeu Lestrade. Ele então desligou o gravador, pegou a papelada da mesa e se levantou, dizendo: “nos veremos em breve. Cumpra sua parte do acordo, que cumprirei a minha”. Tendo dito isso saiu.