Flor do deserto

Capítulo 19- Pressão na coletiva.


A sala na Scotland, reservada para a coletiva de imprensa, estava cheia naquela manhã. A grande Londres amanheceu chuvosa e fria. Dados os tantos acontecimentos do dia anterior, Lestrade decidiu deixar para dar as explicações no dia seguinte. Estaria com a cabeça mais fresca e tinha tempo para pensar no que dizer. Na coletiva de imprensa também estaria presente Harrison, o chefe de segurança da Federação Inglesa. Lestrade e sua equipe atualizaram o chefe sobre o andamento das investigações, como também da participação de Sherlock. A identificação da moça em questão foi preservada pela equipe, sob a desculpa de que quanto menos pessoas soubessem, menos complicações haveriam. Harrison não ficou muito satisfeito com essa decisão, como também da participação de Sherlock, esboçando uma careta. Harrison já entrou em conflito algumas vezes com o Holmes mais velho, questionando decisões e tecendo opiniões sobre coisas que Mycroft era responsável, gerando tensões e conflito entre ambos. Ter Sherlock nas investigações para Harrison era quase tão desagradável quanto lidar com Mycroft, principalmente por causa do temperamento um pouco mais difícil do Holmes mais novo. O chefe respirou fundo, procurando resgatar toda paciência e tolerância que lhe restava, perguntando:

— E onde essa moça está no momento?

— Ela está sobre nossa proteção. Sinto muito não podermos mais entrar em detalhes sobre ela, para sua própria preservação senhor -disse Lestrade- o que o senhor precisa saber é que, apesar de estrangeira, essa moça é legalmente cidadã britânica. Pode não ser nascida, mas é uma de nós agora.

Harrison passou a mão pelos cabelos que ainda restavam em sua cabeça, apesar da crescente calvície.

— E sobre esse Pen Drive? Já conseguiram obter os arquivos dele?- perguntou o chefe.

— Sherlock Holmes está cuidando disso senhor. Falei com ele ontem, e falta pouco para os documentos serem descodificados. Provavelmente hoje ele terá posse de tudo dentro daquele dispositivo.

— Ah sim...o Holmes. Já ouvi falar das coisas que ele fez e dos casos impossíveis que solucionou. Apesar de tudo, a mente dele é necessária nessa situação; e só por causa disso é que eu não lhe dou uma suspensão por deixar ele se envolver, Lestrade. Aquele inconsequente pode vir a estragar tudo algum dia.

O inspetor ia protestar, mas resolveu ficar calado. Sabia da tensão entre o chefe e Mycroft, logo então entendeu que esse desgosto também se estendia pela pessoa do irmão mais novo. Harrison continuou:

Uma coisa é certa -disse levando as mão à cintura e olhando com aspecto duro para o inspetor- deve haver arquivos e documentos muito importantes ali, ao ponto de eles estarem tão desesperados para recuperá-los. Essa será a nossa prioridade no momento inspetor, quero que o senhor canalize todas as energias da sua equipe para descobrir isso.

— É claro senhor, terá as respostas em breve.

— Ótimo.

O homem deu as costas para Lestrade, indo em direção oposta à sua. Iria reler os papéis para a coletiva. Lestrade bufou e praguejou quando Harrison já estava à uma certa distância. Ele detestava aquele homem que transbordava arrogância.

***

O ambiente estava escuro, bem mais do que ela lembrava, antes de ser colocada para dormir. Emanuelle abriu um pouco os olhos, percebeu que estava num quarto diferente e escuro. Prestou atenção no som do ambiente, sem apitos de aparelhos, sem televisão, sem movimentação, apenas o barulho de uma forte chuva. Ela não estava mais no hospital. Abriu mais os olhos, viu o papel de parede à sua frente, o guarda roupa, o colchão, o cheiro dos lençóis, tudo estava diferente. Também não estava no seu quarto. Ela lembrou-se do que vira antes de ser sedada; o vídeo, a ameaça. “Entreguem a egípcia”, a frase ecoava em sua mente. Novamente o terror a invadiu, fazendo-a querer saltar para fora da cama. Não sabia onde estava, e seu estômago congelou na possibilidade de estar em posse daqueles que a procuravam. Ela sentou-se na cama, o mundo girou a seu redor. Com certeza ainda estava sob efeito do sedativo. Percebeu que ainda estava com o pijama do hospital. Mesmo zonza colocou um pé no chão, e logo em seguida o outro. Levantou-se, e a tontura piorou. Arriscou dar dois passos naquele quarto escuro, em direção da porta. Mas no segundo passo ela caiu, batendo o cotovelo no chão, soltando um gemido de dor. Deitada no chão, ela ouviu passos rápidos em direção ao quarto, provavelmente devido ao barulho do seu corpo caindo no chão. Rapidamente ela tentou se levantar, lutando contra a fraqueza do seu corpo. A porta se abriu rapidamente, e um homem surgiu na porta. Emanuelle demorou poucas frações de segundo para discernir o rosto daquele homem; mas quando reconheceu quem era, começou a chorar copiosamente, de alívio; e entre soluços dizia: “Sherlock”. O detetive permanecia calado. Então ele se abaixou, segurando Emanuelle pelos braços, no que ela colocou força nas pernas, conseguindo ficar de pé, mas ainda apoiada nos braços de Holmes. Ela colocou o braço por cima de seus ombros, e ele segurou na sua cintura .Holmes a envolveu no cobertor, e a passos lentos, a levou até a sala. Ela sentou-se no sofá escuro perto da janela. Antes que ele se afastasse, ela segurou as mãos dele, e olhou nos seus olhos. Emanuelle evitava fazer isso, aqueles olhos cristalinos mexiam com ela. Mas dessa vez não, era necessário. Com a voz trêmula ela disse:

—Holmes, eles sabem quem eu sou. Eles vão me pegar. O vídeo...eles...

—Eu já soube. Eu vi o vídeo -disse impassível.

— O que vai acontecer agora?

— Certo, escute -a interrompeu Sherlock, se colocando de joelhos na frente dela, colocando seus olhos na mesma altura que os dela. Ele segurou o rosto dela entre suas mãos, e disse pausadamente, como se falasse para uma criança assustada- eu sei que você passou por situações muito ruins, e que sofreu coisas terríveis. Mas eu preciso que você mantenha o controle, certo?

Emanuelle fez que sim com a cabeça, colocando as mãos por cima das mãos do detetive. Ela então gentilmente afastou as mãos dele de seu rosto, enxugou suas bochechas e ajeitou-se no sofá. Fechou os olhos, fazendo um exercício de respiração para manter a calma. Depois da última expiração, ela abriu os olhos, vendo Sherlock sentado de frente para ela, a uma certa distância, numa poltrona velha.

—Posso? -perguntou o detetive, ao que a doutora apenas respondeu balançando a cabeça numa afirmativa. Ela mordia os lábios, insegura. Sherlock continuou- a moça e a menina que você viu no vídeo, eram a namorada e a filha de Said. Ela passou informações muito valiosas para nós, por isso que eles as mataram. Quanto ao seu segredo, acredito que eles tenham acesso a um rico banco de dados; logo quando jogaram sua foto e seu nome no sistema, eles acharam o que eu também tenho.

— Se eles sabem quem eu sou, e onde moro, porque não mandam alguém para resolver isso? -Emanuelle lutava para manter-se calma. Falava pausadamente e vez por outra a voz falhava- quer dizer, porque mandar as pessoas fazerem algo que eles mesmo poderiam resolver?- Sherlock levantou-se do sofá, e foi em direção à janela, enquanto Emanuelle ainda falava. Ele olhava para a rua, quando respondeu mais para si mesmo do que para a moça:

—Para eles seria muito mais fácil fazer isso. Mas o líder deles é muito esperto. Ele quer você, mas também quer destruir a nação, então o caminho mais fácil é dividir o povo. Ele está usando você para colocar a população contra o governo... brilhante.

—Um reino dividido não pode subsistir -interrompeu Emanuelle. Sherlock se virou para olha-la -eu li isso uma vez, há muito tempo- comentou.

—Tem mais -disse, voltando-se novamente para a rua.

— Mais?

— Enquanto você dormia, um enfermeiro que trabalhava no hospital tentou matá-la -Sherlock pausou, virando o rosto para Emanuelle, continuando- ele foi um dos cinco que recebeu a mensagem. Eu e Mary o impedimos. Por isso te trouxe para cá, enquanto ainda dormia.

Emanuelle estava boquiaberta. Escondeu o rosto entre as mãos, suspirando profundamente. Seus olhos estavam cheios de lágrimas. Ela então, numa tentativa de não desabar na frente do detetive,resolveu continuar com a conversa:

—Um colega meu estava responsável por mim, como você...

—Marcus -interrompeu o detetive.

—Sim, ele mesmo. Você o conheceu?

— Conversamos rapidamente.

— Como você o convenceu a me dar alta, sem dizer o motivo?

Algumas horas antes:

O corredor ainda estava agitado. Pessoas iam e viam, todas olhando curiosamente para o quarto de onde tinham sido ouvidos os disparos. A porta estava fechada, e com um guarda na porta; fazendo com que os mais curiosos ficassem frustrados. Sherlock estava sentado ao lado da cama onde Emanuelle estava. Ele segurava uma pequena compressa com gelo no rosto, para aliviar a dor. O detetive ouviu uma conversa do lado de fora do quarto, e logo em seguida um médico entrou. O homem tinha quase sua estatura, tinha porte atlético, e marcantes olhos verdes. O cabelo bem penteado para trás e uma barba rala o davam a aparência de um artista de televisão. Era Marcus. Mas isso não foi a única coisa que Sherlock viu. O detetive notou uma paixão e um segredo sujo. A forma com que Marcus olhou para a moça deitada denunciava interesse. Marcus queria Emanuelle, desejava ardentemente a moça. Sherlock viu, e não gostou. Ele sentiu algo ardendo dentro de seu peito, ao ver o médico se aproximando. Não sabia discernir o que era, só sabia que era ruim. Marcus se aproximou com a mão estendida, um sorriso no rosto. Sherlock sentiu vontade de arrancar aqueles dentes perfeitos com uma série de socos. Marcus entã disse:

— Boa tarde, meu nome é Marcus, e sou o médico responsável pelo tratamento de Emanuelle.

Sherlock não apertou a mão do homem de volta, simplesmente o encarou, sustentando um olhar frio. O médico deu um sorriso sem graça, recolhendo a mão, guardando-a no bolso.

— Detetive particular Sherlock Holmes -respondeu o detetive.

— Ah, Holmes! Já ouvi falar de você...bom, foi o senhor que me chamou aqui?

— Sim, fui eu.

— Porque? Está tudo bem com minha paciente? -Marcus olhou serenamente para Emanuelle, logo após a pergunta. Sherlock sentiu vontade de esganar o homem, segurando-se para não realizar o ato. “Mas o que está havendo comigo?” pensou o detetive, reprimindo rapidamente esse desejo infundamentado, voltando à conversa:

— Sim, está. Eu o chamei aqui porque preciso que o senhor dê alta para ela.

— Alta? Para ela? É sério isso?

— Sim, mais sério do que imagina -Sherlock permanecia impassível, mas logo começou a assumir uma postura de confronto, por causa da resistência do médico.

— Olhe, não posso dar alta para ela. Segundo me passaram, ela teve um surto enquanto assistia televisão, e está sob efeito de pesados sedativos. Não posso liberá-la, precisa de cuidados.

— Eu moro no apartamento vizinho ao dela, pode deixar que eu fico responsável pelos cuidados que ela precisar -interrompeu Sherlock. Marcus olhou diferente para o detetive a partir dessa frase, ao que Sherlock identificou como sendo ciúmes. As coisas com certeza ficariam mais tensas entre os dois a partir de agora. Marcus riu debochado de Sherlock, comentando em seguida:

— Eu cuido dela? Você é o que dela por acaso? Vocês estão ficando é?

— Você não entende, ela precisa sair daqui. Não é seguro.

— Ela não vai sair daqui. Ela está bem guardada, seja lá qual foi o motivo de toda essa confusão. A resposta é não.

— Você vai dar essa alta -disse Sherlock pausadamente, levantando-se da cadeira, deixando a compressa no assento. Ele tinha a borda de um dos olhos roxo. Marcus não gostou da postura desafiadora; copiando também a expressão corporal do detetive. A musculatura de ambos estava retesada. Se alguém pudesse ver a cena, diria que os dois homens se atracariam a qualquer momento. Marcus de forma debochada falou:

— Vai fazer o que detetive? Vai deixar meu olho roxo também?

— Eu até poderia, e não seria difícil...mas eu prefiro denunciá-lo. -Marcus empalideceu, começando a gaguejar, e se afastou dois passos do detetive.

— Denunciar o que? Não sei do que você está falando. Vá embora daqui! Você não é mais autorizado a acompanhá-la.

— Você sabe sim do que eu estou falando. Você é um maldito viciado -Marcus arregalou os olhos- você gosta de fazer um coquetel com algumas drogas pesadas. A maioria delas injetável. Suas olheiras são profundas demais, até para um médico com seus jornada de trabalho. Você tem um leve tremor em sua mão esquerda, que tenta esconder sempre mantendo uma caneta à sua mão. Suas veias da mão direita são diferentes da esquerda, o que pode indicar uso repetitivo das veias de um dos antebraços. Sem falar na grande quantidade de adesivos de nicotina no bolso de seu jaleco. Seus pulsos tem algumas marcas importantes, feitas por aquelas pulseiras de casas noturnas, mais especificamente daquelas em que drogas são o prato principal da noite -Sherlock deu um riso de canto de boca, sentindo-se vitorioso por ver que, aos poucos, o homem ficava cada vez mais assustado, perdendo a postura de “pronto pra briga”- Existe um comentário entre os médicos nos corredores, que anda sumindo do estoque algumas medicações. Eu aposto que se eu abrir seu armário vou achar coisas além dos filmes pôrnos e das revistas nojentas que você também é viciado. O que a direção faria se soubesse que um de seus funcionários anda roubando medicações do estoque para se drogar?

O homem perdeu completamente a cor. Ele estava estático na frente do detetive que praticamente o deixou sem defesas. Depois de um curto silêncio, Sherlock falou:

— Façamos um trato: Eu não digo nada dessas coisas para ninguém, principalmente para Emanuelle, em troca da alta dela. A escolha é sua.

O médico abriu a boca, com a intenção de falar algo, mas logo desistiu. Após um longo suspiro, Marcus pegou os papéis que estavam em sua prancheta, e carimbou aqueles correspondentes à alta. Juntou tudo e os entregou ao detetive. Antes de soltá-los, Marcus falou:

— Tenho a sua palavra? - Sherlock puxou com mais força os papéis, tomando das mãos do médico. Ao conferir tudo respondeu:

— Sim, você tem a minha palavra. Mais uma coisa: fique longe dela -Marcus ia rebater em protesto, mas Sherlock continuou, apontando o dedo na cara do médico, em ameaça- ela é uma boa moça, e não gostaria de vê-la machucada nas mãos de um mau-caráter feito você.

Sherlock foi em direção à porta, abrindo-a e apontando para fora disse:

— Você já sabe onde é a saída. Já pode ir embora.

Marcus ficou por um momento parado. Seus músculos maxilares estavam fortemente retesados. Ele rangia os dentes com toda a força. Seu ódio era palpável diante de sua derrota. Ele se dirigiu à saída, com passos pesados; e antes que cruzasse a porta, parou em frente à Sherlock, e olhando-o nos olhos com ódio, disse:

— Cuidado detetive. Nem sempre a maré está a nosso favor. Dias de tempestade virão, e é bom que esteja preparado. Algumas coisas podem sair do controle.

Dito isso, saiu.

— Sherlock! -falou Emanuelle. O detetive parecia desatento, ao que ela precisou repetir a pergunta- Como você o convenceu a me dar alta, sem dizer o motivo?

— Ele simplesmente entendeu que ali não era o lugar mais seguro para você. Então deu sua alta.

Emanuelle olhou desconfiada para Sherlock. Ela conhecia Marcus, sabia que essa não era uma atitude normal dele. Ambos foram interrompidos por um barulho vindo do notebook que estava encima da mesa de jantar. Sherlock foi em direção ao aparelho. Ao ver o que se passava na tela, praguejou, chamando a atenção da doutora.

— O que houve? -perguntou Emanuelle.

— Venha ver por você mesma -respondeu Holmes, apontando para a tela do computador.

Emanuelle levantou-se devagar, indo a passos curtos para a cozinha. Ao chegar na mesa viu que, ao invés da tela com fundo preto e cheio de letrinhas verdes da primeira vez, ela agora estava com um fundo de tela normal, e no canto da “área de trabalho” do computador tinha uma pasta com o nome “documentos do Said”. Emanuelle ficou feliz ao ver que o pen drive fora descodificado, e agora eles teriam acesso à tudo. Mas a sua felicidade se foi ao clicar na pasta e abrir os arquivos. Ela não conteve a decepção. “Era só o que faltava! Está tudo em árabe!” ela comentou.

***

A sala da coletiva ficava cada vez mais cheia. Lestrade, Harrison, Donovan e mais dois policiais subiram no palco, e se sentaram em suas respectivas cadeiras. A secretária de comunicação da Scotland Yard subiu no púlpito e fez as apresentações e a introdução. Logo ela chamou Harrison para prosseguir com a coletiva. Ele se levantou e foi até o púlpito. Colocou seus papéis sobre o móvel, e sob o flash das câmeras e do incômodo silêncio, pôs-se a falar:

—Quero agradecer a presença de todos aqui hoje. Sei que todo o povo britânico está assustado, e querem respostas. Como responsável pela segurança nesse país, posso prometer que as terão em breve, como também a prisão desses maníacos que estão tirando a nossa paz. Antes de tudo quero dizer que o governo britânico não se curvará ante as exigências desses homens maus, principalmente contra uma cidadã britânica legalizada. Nossa conhecida Scotland Yard está a frente das investigações, e já está de posse de informações muito valiosas, que colocarão esses homens atrás das grades.

Harrison ainda falava, quando um ruído de mensagem chegou no celular de Lestrade, o que fez com que Harrison lançasse um olhar de reprovação para o inspetor. Lestrade respondeu com um sorriso sem graça, e sussurrou desculpas. Harrison se virar para os repórteres, continuando seu discurso. Lestrade olhou a mensagem:

"Documentos descodificados. Está tudo em árabe. Precisamos de um intérprete imediatamente.

SH"

Lestrade se agitou na cadeira com a notícia. Fez sinal para Donovan, que saiu de seu lugar do outro lado do palco e se abaixou para falar com Lestrade.

— Contacte a embaixada, precisamos de um tradutor árabe imediatamente. Mande-o direto para o 221b.

— Mas senhor...

— Agora Donovan! -repreendeu a moça baixinho- não sei quanto tempo isso daqui vai durar, e já perdemos tempo demais.

A agente deu um longo suspiro, e fazendo uma careta se levantou e saiu da sala para fazer o que fora mandada.

Logo em seguida Harrison convocou Lestrade para prosseguir com a coletiva, dizendo ao público que ele daria as informações mais detalhadas sobre o andamento das investigações. O inspetor subiu ao palanque um tanto nervoso. Não queria estar ali. Não queria dar satisfação à imprensa. Se tem uma coisa que ele e Sherlock tinham em comum era não gostar de dar satisfação das investigações, para eles isso mais atrapalhava do que ajudava. Mas dadas as circunstâncias, explicações eram necessárias.

— Bom dia a todos. Como o senhor Harrison disse, eu e minha equipe estamos à frente das investigações, e posso afirmar que temos documentos de alta importância que colocará cada integrante do Hukm Allah atrás das grades. Já temos inclusive um deles detido, entretanto ele permanece em pacto de silêncio, e se recusa a nos dar qualquer informação, mesmo sob ameaça de pena de morte.

Uma jornalista levantou a mão no meio da multidão, ao que Lestrade fez sinal para a moça falar:

— Inspetor, no vídeo foi falado sobre um pen drive. Esses documentos que o senhor fala, são os que estavam nesse Pen Drive.

— Sim, esses mesmos - outro repórter levantou a mão, perguntando:

— Inspetor, o detetive Holmes está envolvido nesse caso também?

Lestrade exitou, não sabia se dar tantos detalhes poderia ser prejudicial. Por outro lado sabia que a população se sentiria mais segura e mais confiante em seu trabalho se soubesse que o grande e famoso detetive da cidade estaria envolvido, então respondeu:

— Sim, o detetive Holmes faz parte da minha equipe e está totalmente envolvido nas investigações -outra jornalista levanta a mão:

— Inspetor, houve ontem no Hospital St Bartholomew's um disparo de arma de fogo. Logo depois a polícia foi vista no local, como também o senhor Holmes, e depois um enfermeiro saiu do hospital algemado. Esse acontecimento está ligado ao Hukm Allah?

Lestrade sentiu toda a sua espinha gelar. Ele teria que responder com muita calma. Qualquer resposta dúbia ou errada poderia comprometer a identidade de Emanuelle, e o sigilo da investigação iria de água abaixo. Respirou fundo, então respondeu:

— Não. O fato ocorrido ontem foi um outro caso que o senhor Holmes também está envolvido.

— Mas o senhor disse que ele estava totalmente envolvido -Lestrade sentiu vontade de expulsar a mulher da coletiva.

— Totalidade não é exclusividade -respondeu o inspetor- Se todos aqui bem conhecem o senhor Holmes, sabem que um caso só nunca é suficiente para retirá-lo do tédio -Disse Lestrade rindo mais de nervoso do que realmente de achar graça, ao que todos na sala riram com ele- próxima pergunta!- exclamou Lestrade, desejando que a moça não fizesse mais perguntas.

***

John estava sentando no sofá, de frente para a televisão. Mary estava saindo do banho. Ele estava com a filha no colo, ninando. Ele tirara o gesso do braço. Aproveitara a visita ao hospital no dia anterior para se consultar com o ortopedista, que depois de um Raio-X liberou a retirada do gesso. Para John era um alívio ter seus dois braços de volta, e poder segurar sua pequena herdeira. O sr Watson dividia a atenção entre a TV e a filha, a coletiva de imprensa na Scotland estava sendo televisionada. Mary chegou perto de onde John estava, ainda secando os curtos cabelos na toalha. Sentou-se ao lado do marido no sofá, atinando os ouvidos para a coletiva. Lestrade estava respondendo outras perguntas, quando a secretária de comunicação se interpôs, avisando que eles tinham tempo agora para mais uma pergunta. Um repórter levantou a mão, ao que Lestrade deu a vez, e o homem começou a falar:

—Inspetor, vimos no vídeo que cinco pessoas receberam um SMS com a identificação dessa jovem. O que o senhor teria para dizer para essas pessoas?

— Bom, eu acredito que nem precisaria comentar que não vamos aceitar qualquer ato contra a vida dessa jovem. Apesar de tudo, nada justifica obedecermos as ordens de um terrorista contra a vida de alguém. O que eu peço para essas pessoas é que não divulguem a identidade dessa moça. Lembrem que ela é tão cidadã quanto vocês, e que ela também está com muito medo. E se fizerem isso estarão colocando a vida dela em risco. Portanto, estamos convocando todos os que receberam essa mensagem para nos procurarem. Garantiremos sua proteção, em troca de seu sigilo. Sem mais perguntas. A multidão se levantou, ainda fazendo perguntas. “Senhor, por favor!”, “Inspetor, só mais uma pergunta!”. Lestrade e os demais desciam do palco, se dirigindo à saída, deixando um mar de repórteres sem mais respostas.

John apertou o botão de mudo, pousando após sua mão na barriguinha da pequena Rosie. Ele a olhava serenamente, sorrindo de forma cansada. Mary observava a cena, e escorregou no sofá, se aproximando do marido. Ela mexia na orelha de John. Rindo docemente.

—Você está preocupado, não é? Não precisa ser Sherlock Holmes para ver isso.

—Tenho pena dessa moça. Viveu num inferno, conseguiu sair, e acabou caindo nele de novo. E ela sozinha naquele apartamento com Holmes... não sei se é uma boa idéia.

—Porque? Tem medo que ele a seduza?-perguntou Mary, em tom zombeteiro.

— O quê? Não! -disse John, rindo da sugestão da esposa- eu tenho medo que ele a machuque. Ele não está sabendo lidar muito bem com isso, e ela já foi muito machucada pela vida.

— Não entendi, ele não está sabendo lidar com o quê?

John se endireitou no sofá, se virando para Mary.

—Ele não consegue deduzi-la, como faz com todo mundo. E a única pessoa que deixou ele assim foi com “A mulher”, e ele era apaixonado por ela. Então…

—Espera, você está dizendo que ele está apaixonado por Emanuelle?

— É só uma teoria simples.

— Hum...e no que você se baseia para isso, Sherlock Júnior? -disse em tom brincalhão.

— Além do fato dele não conseguir lê-la? Bom, pela forma que ele reagiu quando o policial atirou nela.

— O que ele fez?

— Foi um sinal sutil, mas os anos de convivência me permitiram notar isso. O olhar dele era de medo. Ele entrou no hospital correndo com ela nos braços, e quando a equipe médica a levou embora, ele ficou estático observando seus próprios braços manchados com o sangue dela, como se estivesse em choque. Eu nunca o vi assim. E então nos dias seguintes ele a via apenas de longe, se recusando a entrar no quarto. Quando ela acordou, não quis falar com ela ao telefone. Só quando ela ficou em perigo de novo é que ele foi com tudo atrás dela.

— Ele estava evitando ela então.

— Sim. Mary, Sherlock não recua diante de uma ameaça. Ele não tem medo. Mas com ela não. Ele a está evitando desde o dia que se conheceram, e quando ela quase morreu nos braços dele, aí que ele quis manter distância. Ele sentiu o que seria perdê-la, e isso deve ter…

—O deixado apavorado -completou Mary.

— Isso. Ele quis manter distância para afastar qualquer chance de sentir isso de novo.

— Mas ele está com ela agora.

— Sim, mas porque ela corre perigo. Então na cabecinha dele é necessário ficar por perto. Mas pra mim é só uma desculpa para abafar sua própria consciência, que o manda manter-se longe.

— Hum -Mary disse, reflexiva. Depois de um tempo em silêncio continuou- John, entendo sua preocupação. Mas acho que o melhor no momento é simplesmente esperarmos o que vai acontecer. Nosso querido amigo sociopata é imprevisível, quem sabe essa situação fará bem para ele, e não mau?

— Tem razão querida.

— E podemos chamá-la a qualquer momento para passar alguns dias aqui conosco, se as coisas não estiverem bem por lá.

John aquiesceu com a cabeça, dando um beijo na testa de Mary. Ela devolveu o gesto de carinho dando-lhe um beijo selinho suave nos lábios do marido. A pequena Rosie protestou nos braços de Watson pela atenção do pai. Ambos riram, e logo Mary pegou Rosie no colo para dar de mamar. Watson observava a esposa e a filha. Elas eram tudo para ele. Mas sua mente também estava no 221b, estava preocupado com os últimos acontecimentos. Temia o que aconteceria a partir de agora.