Flawless

14. Emily não tem problema algum em ficar com as sobras de Ali


— Diga xis! — gritou Scott Chin, o fotógrafo do livro do ano de Rosewood Day. Era quinta-feira à tarde e a equipe de natação estava no parque aquático, para as fotos em grupo antes de a reunião com os alunos da Tate ter início. Emily havia participado de equipes de natação por tanto tempo que nem se importara em tirar uma foto de maiô. Ela posou com as mãos no bloco de partida e tentou sorrir.

— Linda! — gritou Scott, fazendo biquinho com os lábios cor-de-rosa. Vários garotos da escola especulavam sobre a possibilidade de Scott ser gay. Ele nunca admitira nada abertamente, mas também não fazia nada para desmentir os boatos.

Enquanto Emily caminhava pela pérgula para apanhar sua mochila, ela notou a equipe da Tate indo para as arquibancadas. Toby estava no meio do grupo, vestindo um conjunto de moletom azul Champion e rolando os ombros para a frente e para trás para se aquecer.

Emily prendeu a respiração. Ela andava pensando em Toby desde que ele a resgatara, no dia anterior. Ela não podia imaginar Ben pegando-a no colo daquele jeito — ele provavelmente se preocuparia com o fato de que erguê-la poderia distender os músculos de seus ombros, e comprometer a competição do dia. E pensar em Toby havia provocado outra coisa: uma lem-brança de Ali, que Emily quase havia apagado.

Foi uma das últimas vezes em que Emily estivera sozinha com Ali. Ela nunca se esqueceria daquele dia — o céu estava azul-claro, todas as flores em botão, havia abelhas por toda parte. A casa da árvore de Ali cheirava a Ki-Suco, seiva e fumaça de cigarro — Ali havia roubado um maço de Parliament do irmão mais velho. Ela agarrou as mãos de Emily. —Você não pode contar isso para os outros — disse ela. — Eu comecei a sair com esse cara mais velho, e é ma-ra-vi-lho-so,

O sorriso de Emily desapareceu. Toda vez que Ali contava sobre um cara de que gostava, um pedacinho do coração dela se partia.

— Ele é tão gato — continuou Ali. — Eu quase tenho vontade de passar dos limites com ele.

— O que é que você quer dizer com isso? — Emily nunca havia ouvido algo tão horripilante na vida. — Quem é ele?

— Não posso contar. — Ali deu um sorrisinho malicioso. —Vocês iriam surtar.

E, então, Emily não conseguiu mais suportar aquilo. Inclinou-se para a frente e beijou Ali. Houve um momento singular, maravilhoso; então, Ali se afastou e riu. Emily tentou fazer tudo parecer uma brincadeira... e, logo em seguida, cada uma foi para sua casa jantar.

Ela havia pensado sobre aquele beijo tantas vezes que mal se lembrava do que tinha acontecido antes dele. Mas, agora que Toby estava de volta, e ele era tão bonito... aquilo fazia Emily pensar na possibilidade de o cara de quem Ali falara ser Toby. Quem mais faria com que os outros surtassem?

Ali gostar de Toby fazia todo o sentido. No final do sétimo ano, ela tinha passado por uma fase de garotos rebeldes, sempre falando sobre o quanto gostaria de sair com alguém que fosse "tipo, mau". Ser mandado para o reformatório contava, e talvez Ali tivesse visto algo em

Toby que ninguém mais via. Emily achava que era possível que Ali pudesse enxergar a mesma coisa naquele momento. E, tão bizarro quanto pudesse parecer, a possibilidade de que Ali tivesse gostado de Toby o fazia parecer muito mais atraente para Emily. O que era bom o suficiente para Ali sem dúvida era bom suficientemente para ela.

Logo que a reunião da natação foi interrompida para a competição de mergulho, Emily tirou os chinelos da bolsa, preparando-se para caminhar até Toby. Os dedos dela tamborilavam no telefone celular, enrolado na toalha. Ele estava piscando; o visor mostrava que havia sete chamadas de Maya não atendidas.

A garganta de Emily se apertou. Maya havia ligado, mandado mensagens pela internet, pelo celular e por e-mail a semana inteira, e ela não havia respondido. Com cada nova chamada não atendida, ela se sentia mais confusa. Parte dela queria encontrar Maya na escola e passar a mão por seus cabelos macios e ondulados. Subir na garupa de sua bicicleta e matar aula. Beijar Maya tinha sido perigosamente bom. Mas outra parte dela desejava que Maya simplesmente... desaparecesse.

Emily olhou fixamente para o visor do celular com um nó na garganta. Então, devagar, fechou o aparelho. De certo modo, parecia aquela vez, quando ela tinha oito anos e decidiu jogar Bee-Bee, seu cobertor de estimação, fora. Garotas crescidas não precisam de cobertores, dissera a si mesma, mas tinha sido horrível fechar a tampa da lata de lixo com Bee-Bee lá dentro.

Ela respirou fundo e começou a caminhar em direção às arquibancadas onde estava o pessoal da Tate. No caminho, olhou por cima do ombro, procurando por Ben. Ele estava do lado da Rosewood Day, batendo nos ombros de Seth com uma toalha. Desde o incidente de terça-feira, Ben havia ficado longe de Emily, agindo como se ela não existisse. Era certamente melhor do que atacá-la, mas ela tinha uma certa paranoia de que ele estivesse falando dela pelas costas. Ela meio que queria que Ben a visse naquele momento, enquanto se aproximava de Toby. Olhe! Eu estou falando com um garoto!

Toby havia jogado a toalha na beira da piscina. Estava com fones de ouvido ligados ao iPod no seu colo. O cabelo estava afastado do rosto e o moletom azul-marinho que ele usava sobre o calção de banho — para o qual Emily não tivera coragem de olhar da primeira vez — fazia com que seus olhos parecessem ainda mais azuis.

Quando viu Emily, sua expressão se iluminou.

— Oi. Eu te disse que ia te ver por aqui, não disse?

— É. — Emily sorriu, timidamente. — Então, bem, eu só queria agradecer. Por me ajudar ontem. E no dia anterior.

— Ah. Bem, não foi nada.

Naquele momento, Scott apareceu com a câmera para o livro do ano.

— Peguei vocês! — gritou ele, tirando uma foto. — Já posso ver a legenda: Emily Fields, flertando com o inimigo! — Então, ele sussurrou para Emily: — Embora eu ache que ele não é bem o seu tipo.

Emily olhou para Scott inquisitivamente. O que ele queria dizer com aquilo? Mas ele se afastou. Quando ela se virou novamente para Toby, ele estava brincando com o iPod, e ela se virou para voltar para o lado de sua equipe. Havia dado uns três passos quando Toby a chamou:

— Ei, você quer dar uma volta?

Emily parou. Rapidamente, ela olhou para Ben. Ele ainda não estava prestando atenção.

— Ah, tudo bem — decidiu.

Eles passaram pelas portas duplas do parque aquático de Rosewood Day e por um bando de garotos esperando pelos ônibus e se sentaram na beira da fonte do Dia do Fundador. Água espirrava do topo da fonte, em um arco longo e reluzente. Mas estava nublado lá fora, e a água estava parada e turva, em vez de brilhante. Emily ficou olhando para um monte de moedinhas no fundo raso e prateado da fonte.

— No último dia de aula, os veteranos empurram o professor favorito nesta fonte — contou ela.

— Eu sei — disse Toby. — Eu estudava aqui, lembra?

— Oh. — Emily se sentiu uma completa idiota. Claro que sim. E eles o mandaram embora.

Toby tirou um pacote de biscoitos de chocolate da mochila e ofereceu um a Emily.

— Quer? Um lanchinho antes da prova?

Emily deu de ombros.

—Talvez metade.

— Bom pra você. — Toby lhe estendeu um. Ele desviou o olhar. — É engraçado como as coisas são totalmente diferentes entre garotos e garotas. Os garotos sempre querem comer mais que os outros. Mesmo os caras mais velhos que eu conheço. Como o meu psiquiatra, no Maine. Uma vez, na casa dele, nós fizemos uma competição para ver quem comia mais camarão. Ele me venceu por seis camarões. E o cara tem no mínimo uns trinta e cinco anos.

— Camarão. — Emily estremeceu. Para não perguntar o óbvio: Você teve um psiquiatra?, ela indagou:— O que aconteceu depois que o seu, hum, psiquiatra comeu tudo isso?

— Ele vomitou. — Toby passou as pontas dos dedos sobre a superfície da água. A água da fonte tinha um cheiro de cloro ainda mais forte que o da piscina.

Emily passou as mãos pelos joelhos. Ela se perguntou se ele tivera um psiquiatra pela mesma razão que o fizera assumir a culpa pela Coisa com Jenna.

Um ônibus executivo entrou no estacionamento de Rosewood Day. Devagar, os membros da banda da escola desceram do veículo, ainda de uniforme — jaquetas vermelhas com detalhes nas bordas, calças largas, o regente usando um chapéu felpudo e engraçado, que parecia bastante quente e desconfortável.

—Você, hum, fala muito sobre o Maine — disse Emily. —Você está feliz de estar de volta a Rosewood?

Toby ergueu uma das sobrancelhas.

— Você está feliz de estar de volta a Rosewood?

Emily franziu a testa. Ela observou um esquilo correr em círculos ao redor de um dos carvalhos.

— Eu não sei — respondeu ela em voz baixa. — Às vezes, sinto que não me encaixo aqui. Eu costumava ser normal, mas agora... não sei. Eu me sinto como se devesse ser de um jeito que eu não sou.

Toby a encarou.

— Sei como é. — Ele suspirou. — Existem todas essas pessoas perfeitas aqui. E... parece que, quando não se é como elas, você realmente tem problemas. Mas eu acho que, no fundo, as pessoas que parecem tão perfeitas são tão problemáticas quanto nós.

Ele voltou o olhar para Emily, e as entranhas dela viraram do avesso. Ela se sentia como se seus pensamentos e segredos fossem manchetes de jornal em fonte setenta e dois, e Toby pudesse ler todos. Mas ele também era a primeira pessoa que havia expressado algo parecido com o que ela sentia a respeito das coisas.

— Eu me sinto bem problemática na maior parte do tempo — confessou ela, baixinho.

Toby pareceu não acreditar nela.

— Como você pode ser problemática?

O som de um trovão ecoou a distância. Emily colocou as mãos dentro das mangas da jaqueta. Sou problemática porque não sei quem sou nem o que quero, ela quis dizer. Mas, em vez disso, olhou diretamente para ele e balbuciou:

— Adoro tempestades.

— Eu também.

E, então, lentamente,Toby se inclinou e a beijou. Foi muito leve e hesitante, apenas um pequeno sussurro contra sua boca. Quando ele se afastou, Emily tocou os próprios lábios com os dedos, como se o beijo ainda estivesse ali.

— O que foi isso? — murmurou ela.

— Eu não sei — respondeu Toby. — Eu não devia ter...?

— Não — sussurrou Emily. — Foi bom. — O primeiro pensamento dela foi: Eu acabei de beijar um garoto que Ali pode ter beijado. O segundo foi que talvez ela fosse problemática só de pensar aquilo.

— Toby? — Uma voz os interrompeu. Um homem de jaqueta de couro estava parado sob a marquise do parque aquático, com as mãos na cintura. Era o sr. Cavanaugh. Emily o

reconheceu da equipe de natação de verão, anos antes... e da noite em que Jenna se machucara. Os músculos dos ombros dela ficaram tensos. Se o sr. Cavanaugh estava ali, Jenna também es-taria? E, então, ela se lembrou de que Jenna estava na escola, na Filadélfia. Pelo menos, ela esperava que sim.

— O que você está fazendo aqui fora? — O sr. Cavanaugh estendeu a mão para fora da marquise, sentindo a chuva, que havia começado a cair. — O seu revezamento já vai começar. — Oh. — Toby pulou de cima do muro e sorriu para Emily. —Você vai voltar também? — Em um segundo — disse Emily, com franqueza. Se tentasse usar as pernas naquele instante, elas poderiam não funcionar. — Boa sorte na prova.

— Tudo bem. — Os olhos de Toby se demoraram sobre ela durante mais um momento. Ele pareceu pronto para dizer algo, mas desistiu, seguindo o pai.

Emily ficou sentada no muro de pedra por alguns minutos, a chuva ensopando sua jaqueta. Ela se sentia estranhamente nervosa, como se estivesse borbulhando. O que tinha acabado de acontecer? Quando seu Nokia anunciou que ela tinha uma mensagem de texto, ela franziu o cenho e o fisgou do bolso da jaqueta. O coração falhou por um segundo. Era justamente quem ela imaginara.

Emily, que tal esta foto sua para o livro do ano, em vez da outra?

Ela clicou no anexo. Era uma foto de Emily e Maya, na cabine fotográfica de Noel. Elas estavam olhando nos olhos uma da outra com desejo, a centímetros de um beijo. O queixo de Emily caiu. Ela se lembrava de apertar o botão na cabine para tirar as fotos — mas Maya não as havia levado com ela ao saírem?

Você não vai querer que isto se espalhe, não é?, dizia a linha de texto sob a foto. E — é claro — estava assinado —A.