Flawless

0. Prólogo


Você conhece aquele garoto que mora a algumas casas descendo a rua e que é simplesmente a pessoa mais esquisita do mundo? Quando você está na varanda da frente da sua casa, quase dando um beijo de boa-noite em seu namorado, você pode vê-lo do outro lado da rua, parado ali, olhando tudo. Que, de vez em quando, aparece do nada quando você está no meio da sua sessão de fofocas com suas melhores amigas — só que talvez não seja tão de vez em quando assim. Ele é o gato preto que parece conhecer seus caminhos. Se ele passa em frente à sua casa, você pensa: Vou me dar mal na prova de biologia. Se ele olha para você de um jeito engraçado, é melhor você se cuidar.

Toda cidade tem um garoto-gato-preto. Em Rosewood, o nome dele era Toby Cavanaugh.

—Acho que ela precisa de mais blush. — Spencer Hastings se afastou e deu uma boa olhada em uma de suas melhores amigas, Emily Fields. — Eu ainda consigo ver as sardas.

— Tenho corretivo da Clinique. — Alison DiLaurentis saiu correndo para pegar sua nécessaire de maquiagem, de veludo azul.

Emily se olhou no espelho apoiado na mesinha de centro da sala de visitas da casa de Alison. Virou o rosto para um lado, depois para o outro e fez beicinho com seus lábios cor-de-rosa.

— Minha mãe me mata se me vir com tudo isso na cara.

—Tudo bem, mas a gente mata você se tirar — advertiu Aria Montgomery, que estava, por motivos que só ela conhecia, se exibindo pelo quarto, metida num sutiã angorá, que tricotara recentemente.

— É, Em, você está linda — concordou Hanna Marin. Hanna sentou de pernas cruzadas no chão, se virando para verificar se não estava pagando cofrinho em seu jeans Blue Cult, pequeno demais e de cintura baixa.

Era uma noite de sexta-feira de abril e Ali, Aria, Emily, Spencer e Hanna estavam fazendo o que sempre faziam quando dormiam umas nas casas das outras, no sexto ano: maquiando-se exageradamente, se entupindo de batata frita sabor vinagre e sal e assistindo a Cribs na MTV, na televisão de tela plana de Ali. Naquela noite, o quarto estava ainda mais bagunçado, porque as roupas de todas estavam espalhadas pelo chão, já que elas haviam decidido trocar as roupas entre si pelo resto do ano escolar.

Spencer ergueu um cardigã amarelo-limão de cashmere na frente do corpo.

— Pega para você — disse Ali. —Vai ficar legal.

Hanna colocou uma calça de veludo cotelê verde-oliva de Ali em volta de seus quadris, virou-se para Ali e fez uma pose.

— O que você acha? Será que o Sean ia gostar?

Ali gemeu e bateu em Hanna com uma almofada. Desde que elas haviam ficado amigas, em setembro, tudo sobre o que Hanna conseguia falar era do quanto ela amaaaaaava Sean Ackard, o menino da sala delas no colégio Rosewood Day, onde estudavam desde o jardim de infância. No quinto ano, Sean era apenas mais um menino baixinho e sardento, mas, durante o verão, ele crescera alguns bons centímetros e perdera sua gordura de bebê. Agora, todas as garotas queriam beijá-lo.

Era incrível quanta coisa podia mudar em um ano.

As garotas — todas, menos Ali — sabiam disso muito bem. No ano passado elas estavam apenas... ali. Spencer era a garota certinha, que se sentava nas carteiras da frente da classe e erguia a mão para responder a todas as perguntas. Aria era a maluquinha que inventava coreografias em vez de jogar futebol como o restante da turma. Emily era a nadadora tímida e

bem classificada no ranking estadual, que tinha toda uma vida escondida sob a superfície — se você conseguisse chegar a conhecê-la. E Hanna podia até ser boba e espalhafatosa, mas estudava a Vogue e a Teen Vogue e, de vez em quando, dava alguns conselhos sobre moda, vindo sabe Deus de onde, mas que ninguém mais sabia.

Havia algo de especial em cada uma delas, claro, só que elas viviam em Rosewood, Pensilvânia, um subúrbio a mais de trinta quilômetros da Filadélfia, e tudo era especial em Rosewood. O cheiro das flores era mais doce, a água tinha um gosto melhor, as casas eram maiores. As pessoas costumavam brincar dizendo que os esquilos de lá passavam a noite limpando tudo por ali e capinando os dentes-de-leão que nasciam por entre as pedras do calçamento para que Rosewood parecesse perfeita para os moradores. Num lugar onde tudo parecia tão impecável, era difícil manter-se à altura.

Mas, de alguma forma, Ali conseguia. Com seu cabelo longo, seu rosto em formato de coração e seus enormes olhos azuis, ela era a garota mais linda da região. Depois que Ali as uniu e as fez ficarem amigas — algumas vezes parecia que ela as havia descoberto —, as garotas tinham mesmo algo a mais em suas vidas. De repente, elas tinham passe livre para fazer todas as coisas que jamais ousaram antes. Como vestir saias curtas no banheiro das meninas de Rosewood Day depois que desciam do ônibus escolar. Ou mandar bilhetinhos com marca de batom para os meninos da sala. Ou andar pelo corredor de Rosewood Day lado a lado, intimidadoras, ignorando os perdedores.

Ali pegou um batom bem vermelho e passou em seus lábios.

— Quem sou eu?

As outras riram. Ali estava imitando Imogen Smith, uma garota da sala delas que gostava um pouco demais de seu batom Nars.

— Não, espera aí. — Spencer apertou as bochechas dela e passou uma almofada para

Ali.

— Legal.—Ali colocou a almofada embaixo da camiseta polo, pink, e todas riram ainda mais. Corria o boato de que Imogen tinha ido até o final com Jeffrey Klein, um menino do décimo ano, e que ela estava grávida dele.

—Vocês, garotas, são malvadas. — Emily ficou vermelha. Ela era a mais recatada do grupo, talvez por causa de sua criação supersevera... seus pais achavam que toda diversão era do mal.

— O que foi, Em? —Ali ficou de braços dados com Emily. —Imogen está muito gorda. Ela deveria desejar estar grávida.

As garotas riram de novo, mas um pouco sem jeito. Ali tinha talento para encontrar a fraqueza de uma menina e, mesmo que ela estivesse certa sobre Imogen, as meninas de vez em quando se perguntavam se Ali não falaria mal delas quando não estivessem por perto. Às vezes, era difícil ter certeza.

Elas recomeçaram a vasculhar as roupas umas das outras. Aria amou de paixão um vestido Fred Perry, ultraelaborado, de Spencer. Emily estendeu a minissaia jeans sobre seu corpo e perguntou às outras se não era curta demais. Ali achou o jeans Joe, de Hanna, com um ar meio boca de sino demais e o tirou, mostrando seus shorts aveludados rosa claros, de menino.

Quando estava passando pela janela para ir ligar o som, ela congelou.

— Ah, meu Deus! — gritou ela, correndo para trás do sofá cor de amora.

As meninas deram meia-volta. Toby Cavanaugh estava na janela. Ele estava... bem parado ali. Olhando para elas.

— Ei, ei, ei! —Aria cobriu o peito. Ela havia tirado o vestido de Spencer e estava usando apenas o sutiã tricotado. Spencer, que estava vestida, correu para a janela.

— Afaste-se de nós, pervertido! — gritou ela. Toby deu um sorriso malicioso antes de se virar e sair correndo.

A maioria das pessoas mudava de calçada quando via Toby. Ele era um ano mais velho que as meninas, pálido, alto e magricela, e sempre vagava sozinho pela vizinhança, parecendo espionar a todos. Elas haviam ouvido rumores sobre ele: que fora pego beijando seu cachorro na boca; que era um nadador tão bom porque tinha guelras em vez de pulmões; que dormia em um caixão dentro de sua casa na árvore, no quintal dos fundos.

Só havia uma pessoa com quem Toby falava: sua meia-irmã, Jenna, que estava no mesmo ano que elas. Jenna também era uma idiota sem salvação, apesar de muito menos assustadora — ela, pelo menos, era capaz de formular frases completas. E até tinha uma certa beleza, de um jeito monótono, com seu cabelo escuro e espesso, olhos verdes, grandes e intensos, e lábios vermelhos e grossos.

— Eu sinto como se tivesse sido violada. — Aria torceu seu corpo naturalmente magro como se ele estivesse coberto de bactérias E. coli. Ela havia acabado de aprender sobre isso nas aulas de biologia. — Como ele ousa nos assustar?

O rosto de Ali ficou vermelho de ódio.

— Temos que nos vingar.

— Como? — Hanna arregalou seus olhos castanho-claros.

Ali pensou por um minuto.

— Deveríamos fazer com que ele experimentasse um pouco de seu próprio veneno. A coisa a fazer, ela explicou, era assustar Toby. Quando ele não estava perambulando pela vizinhança espionando as pessoas, era quase certo que estaria em sua casa na árvore. Ele passava quase o tempo todo enfiado ali, jogando Game Boy ou, quem sabe, construindo um robô gigante para atacar o Rosewood Day. Mas, como a casa da árvore ficava, é óbvio, em cima de uma árvore — e como Toby sempre recolhia a escada de corda para que ninguém pudesse segui-lo — elas não tinham como simplesmente aparecer por lá e gritar "Bu!".

— Então precisamos de fogos de artifício. Por sorte, sabemos exatamente onde encontrar. — Ali sorriu.

Toby era obcecado por fogos de artifício; ele mantinha um monte deles escondidos no pé da árvore e vivia acendendo rojões através da claraboia de sua casinha de madeira.

— Nós entramos lá sorrateiramente, roubamos um e o acendemos na janela dele — explicou Ali.

—Tudo bem — concordou Aria —, mas e se alguma coisa der errado?

Ali suspirou, fazendo drama.

— Ah, gente, vamos lá.

Estavam todas quietas. Então, Hanna limpou a garganta.

— Por mim parece bom.

— Tudo bem — cedeu Spencer. Emily e Aria deram de ombros, concordando.

Ali bateu palmas e indicou o sofá perto da janela.

— Eu vou fazer isso. Vocês podem assistir dali.

As meninas se arrastaram até a janela perto da sacada e assistiram a Ali dando uma corridinha pela rua. A casa de Toby era em diagonal com a dos DiLaurentis, e construída no mesmo estilo vitoriano impressionante, mas nenhuma das duas era tão grande quanto a casa de fazenda da família de Spencer, que ladeava o quintal da residência de Ali. A propriedade dos Hastings incluía seu próprio moinho, oito quartos, garagem para cinco carros, separada da casa, piscina com deque e um celeiro reformado à parte.

Ali correu para o quintal lateral dos Cavanaugh e foi na direção da casa da árvore de Toby. Ela ficava parcialmente escondida por causa dos olmos e pinheiros altos, mas a rua fornecia iluminação suficiente para que elas tivessem uma vaga ideia do que estava acontecendo. Um minuto depois, elas tinham certeza de ter visto Ali segurando um rojão em formato de cone nas mãos a mais ou menos sete metros, distância suficiente para que ela tivesse uma visão clara através da janela azul tremulante da casa da árvore.

—Você acha que ela vai mesmo fazer isso? — sussurrou Emily. Um carro em alta velocidade passou pela casa de Toby, iluminando-a.

— Não. — Spencer mexia, nervosa, em seus brincos de diamantes. — Ela está blefando.

Aria colocou a ponta de sua trança negra na boca.

— Está mesmo.

— Como é que a gente vai saber se Toby está mesmo lá dentro? — perguntou Hanna. Um silêncio angustiado se instalou. As meninas haviam participado de todas as peças que Ali pregara, mas haviam sido brincadeiras inocentes — se enfiar na banheira de hidromassagem de água salgada no spa Fermata, pingar tinta preta no shampoo da irmã de Spencer ou mandar falsas cartas de amor do diretor Appleton para a boba da Mona Vanderwaal, que estava no mesmo ano que elas. Mas algo sobre essa brincadeira específica as deixava um pouco... desconfortáveis.

Boom!

Emily e Aria deram um pulo para trás. Spencer e Hanna grudaram os rostos contra o vidro da janela. Ainda estava escuro do outro lado da rua. Uma luz brilhante piscou na janela da casa na árvore, mas foi só isso.

Hanna deu uma olhada.

— Talvez não tenha sido o rojão.

— E o que mais poderia ser? — perguntou Spencer, sarcástica. — Um tiro?

Em seguida, os pastores-alemães dos Cavanaugh começaram a latir. As garotas agarraram os braços umas das outras. A luz do pátio lateral se acendeu. Ouviram-se vozes em alto volume e o sr. Cavanaugh atravessou correndo a porta que dava para o pátio. De repente, pequenas labaredas começaram a sair da janela da casa na árvore. O fogo começou a se espalhar. Parecia o filme que os pais de Emily a faziam assistir todo os anos, no Natal. E, então, ouviram-se sirenes. Aria olhou para as outras.

— O que está acontecendo?

—Você acha que...? — sussurrou Spencer.

— E se Ali... — começou Hanna.

— Meninas. — Uma voz veio de trás delas. Ali estava na entrada da grande sala. Seus braços estavam ao lado do corpo e o rosto, mais pálido do que elas jamais tinham visto.

— O que aconteceu? — perguntaram todas ao mesmo tempo.

Ali parecia preocupada.

— Não sei. Mas não foi minha culpa.

A sirene chegou mais e mais perto... até que uma ambulância estacionava na entrada da garagem da casa dos Cavanaugh. Paramédicos saltaram da ambulância e correram em direção à casa da árvore. A corda havia sido baixada.

— O que aconteceu, Ali? — Spencer se virou, passando pela porta. —Você tem que nos contar o que aconteceu.

Ali a seguiu:

— Spence, não.

Hanna e Aria olharam uma para a outra; estavam com muito medo para ir atrás. Alguém poderia vê-las.

Spencer se abaixou atrás de um arbusto e olhou do outro lado da rua.

Então viu o buraco feio, recortado, na janela da casa na árvore de Toby. Ela sentiu alguém se arrastando atrás dela.

— Sou eu — informou Ali.

— O que... — começou Spencer, mas, antes que pudesse terminar, um paramédico começou a descer da casa da árvore, trazia alguém nos braços. Toby estava machucado? Será que estava... morto?

Todas as meninas, as que estavam dentro e as que estavam fora, esticaram o pescoço para ver. Seus corações começaram a bater mais rápido. Então, por um segundo, eles pararam. Não era Toby. Era Jenna.

Alguns minutos depois, Ali e Spencer entraram. Ali contou a elas tudo o que acontecera com uma calma quase sinistra: o rojão havia atravessado a janela e atingido Jenna. Ninguém a tinha visto acender o rojão, então elas estavam seguras, contanto que ficassem de boca fechada. Afinal de contas, o rojão era de Toby. Se a polícia fosse botar a culpa em alguém, seria nele.

Durante toda a noite, elas choraram, agitadas, acordando e adormecendo diversas vezes. Spencer, muito estressada, passou horas em posição fetal, sem dizer nenhuma palavra, zapeando do E! para o Cartoon Network e para o Animal Planet. Quando acordaram, no dia seguinte, a novidade já havia se espalhado por toda a vizinhança: alguém havia confessado.

Toby.

As meninas pensaram que era uma brincadeira, mas o jornal local confirmou que Toby tinha confessado que, ao brincar com um rojão aceso em sua casa na árvore, tinha apontado para o rosto da irmã sem querer... e que o rojão a havia cegado.Ali leu essa parte em voz alta, quando estavam todas reunidas em volta da mesa da cozinha da casa dela, de mãos dadas. Elas sabiam que deveriam estar aliviadas, porém... sabiam a verdade.

Nos poucos dias que passou no hospital, Jenna ficou histérica — e confusa. Todos lhe perguntavam o que havia acontecido, mas ela parecia não se lembrar. Jenna disse que também não era capaz de falar sobre nada do que acontecera imediatamente antes do acidente. Os médicos cogitaram que aquilo pudesse ser estresse pós-traumático.

O colégio Rosewood Day fez uma palestra não-brinque-com-fogos-de-artifício em homenagem a Jenna, seguida de um baile e uma venda beneficente de bolos. As meninas, Spencer em especial, participaram de forma entusiasmada, apesar, claro, de fingirem não saber de nada a respeito do que havia acontecido: Quando alguém perguntava, elas diziam que Jenna era uma menina muito doce e uma das amigas mais chegadas que tinham. Várias garotas que nunca falaram com Jenna estavam dizendo exatamente a mesma coisa. Quanto a Jenna, nunca mais voltou a Rosewood Day. Foi para uma escola especial para cegos, na Filadélfia, e ninguém mais a viu depois daquela noite.

As coisas ruins em Rosewood Day, a certa altura, eram sempre gentilmente tiradas do caminho, e Toby não foi exceção. Seus pais o mantiveram estudando em casa pelo resto do ano letivo. O verão passou e, no ano seguinte, Toby foi mandado a um reformatório no Maine. Ele partiu sem cerimônias comoventes de despedida, num dia claro em meados de agosto. Seu pai o levou de carro até a estação, onde ele foi sozinho pegar o trem para o aeroporto. As meninas assistiram enquanto os Cavanaugh derrubavam a casa na árvore naquela tarde. Era como se quisessem apagar o máximo que conseguissem da existência de Toby.

Dois dias depois da partida de Toby, os pais de Ali levaram as meninas para acampar nas Montanhas Pocono. As cinco desceram corredeiras, escalaram as pedras e se bronzearam nos bancos de areia do lago. De noite, quando a conversa acabava caindo no tema Toby e Jenna — e isso aconteceu muito naquele verão —, Ali lembrava a elas de que não podiam contar nada a ninguém, nunca..Tinham de manter aquele segredo para sempre... o que fortaleceria a amizade delas por toda a eternidade. Naquela noite, quando se enfiaram na barraca de cinco lugares, usando capuzes de cashmere J. Crew, Ali deu a cada uma delas uma pulseira colorida brilhante, para simbolizar a união. Amarrou a pulseira no pulso de cada uma e pediu que repetissem, depois dela:

— Eu prometo não contar nada até o dia da minha morte.

Elas sentaram em círculo, Spencer, depois Hanna, Emily e Aria, dizendo exatamente essas palavras. Ali colocou a própria pulseira por último.

— Até o dia da minha morte — sussurrou ela, depois de fazer o nó, suas mãos espalmadas sobre o coração. As meninas apertaram as mãos. Apesar de ser uma situação pavorosa, elas achavam que tinham sorte por terem umas às outras.

As meninas usaram suas pulseiras ao longo de muitos banhos, férias curtas na primavera durante as quais iam para a capital do país e Colonial Williamsburg — ou, no caso de Spencer, para as Bermudas — durante treinos enlameados de hóquei e surtos de gripe. Ali dava um jeito de estar com sua pulseira sempre mais limpa que as das outras, como se sujá-la fosse enfra-quecer seu propósito. Algumas vezes, elas tocavam as pulseiras com a ponta dos dedos e sussurravam "até o dia da minha morte", para lembrarem a si mesmas como eram próximas. Aquilo se tornou a senha delas; todas sabiam o que significava. Na verdade, Ali dissera a frase há menos de doze meses, no último dia de aula do sétimo ano, quando as meninas estavam co-memorando o início do verão. Ninguém poderia saber que, em poucas horas, Ali iria desaparecer.

Ou que aquele seria o dia de sua morte.

Spencer ou mandar falsas cartas de amor do diretor Appleton para a boba da Mona Vanderwaal, que estava no mesmo ano que elas. Mas algo sobre essa brincadeira específica as deixava um pouco... desconfortáveis.

Boom!

Emily e Aria deram um pulo para trás. Spencer e Hanna grudaram os rostos contra o vidro da janela. Ainda estava escuro do outro lado da rua. Uma luz brilhante piscou na janela da casa na árvore, mas foi só isso.

Hanna deu uma olhada.

— Talvez não tenha sido o rojão.

— E o que mais poderia ser? — perguntou Spencer, sarcástica. — Um tiro?

Em seguida, os pastores-alemães dos Cavanaugh começaram a latir. As garotas agarraram os braços umas das outras. A luz do pátio lateral se acendeu. Ouviram-se vozes em alto volume e o sr. Cavanaugh atravessou correndo a porta que dava para o pátio. De repente, pequenas labaredas começaram a sair da janela da casa na árvore. O fogo começou a se espalhar. Parecia o filme que os pais de Emily a faziam assistir todo os anos, no Natal. E, então, ouviram-se sirenes. Aria olhou para as outras.

— O que está acontecendo?

—Você acha que...? — sussurrou Spencer.

— E se Ali... — começou Hanna.

— Meninas. — Uma voz veio de trás delas. Ali estava na entrada da grande sala. Seus braços estavam ao lado do corpo e o rosto, mais pálido do que elas jamais tinham visto.

— O que aconteceu? — perguntaram todas ao mesmo tempo.

Ali parecia preocupada.

— Não sei. Mas não foi minha culpa.

A sirene chegou mais e mais perto... até que uma ambulância estacionava na entrada da garagem da casa dos Cavanaugh. Paramédicos saltaram da ambulância e correram em direção à casa da árvore. A corda havia sido baixada.

— O que aconteceu, Ali? — Spencer se virou, passando pela porta. —Você tem que nos contar o que aconteceu.

Ali a seguiu:

— Spence, não.

Hanna e Aria olharam uma para a outra; estavam com muito medo para ir atrás. Alguém poderia vê-las.

Spencer se abaixou atrás de um arbusto e olhou do outro lado da rua.

Então viu o buraco feio, recortado, na janela da casa na árvore de Toby. Ela sentiu alguém se arrastando atrás dela.

— Sou eu — informou Ali.

— O que... — começou Spencer, mas, antes que pudesse terminar, um paramédico começou a descer da casa da árvore, trazia alguém nos braços. Toby estava machucado? Será que estava... morto?

Todas as meninas, as que estavam dentro e as que estavam fora, esticaram o pescoço para ver. Seus corações começaram a bater mais rápido. Então, por um segundo, eles pararam. Não era Toby. Era Jenna.

Alguns minutos depois, Ali e Spencer entraram. Ali contou a elas tudo o que acontecera com uma calma quase sinistra: o rojão havia atravessado a janela e atingido Jenna. Ninguém a tinha visto acender o rojão, então elas estavam seguras, contanto que ficassem de boca fechada. Afinal de contas, o rojão era de Toby. Se a polícia fosse botar a culpa em alguém, seria nele.

Durante toda a noite, elas choraram, agitadas, acordando e adormecendo diversas vezes. Spencer, muito estressada, passou horas em posição fetal, sem dizer nenhuma palavra, zapeando do E! para o Cartoon Network e para o Animal Planet. Quando acordaram, no dia seguinte, a novidade já havia se espalhado por toda a vizinhança: alguém havia confessado.

Toby.

As meninas pensaram que era uma brincadeira, mas o jornal local confirmou que Toby tinha confessado que, ao brincar com um rojão aceso em sua casa na árvore, tinha apontado para o rosto da irmã sem querer... e que o rojão a havia cegado.Ali leu essa parte em voz alta, quando estavam todas reunidas em volta da mesa da cozinha da casa dela, de mãos dadas. Elas sabiam que deveriam estar aliviadas, porém... sabiam a verdade.

Nos poucos dias que passou no hospital, Jenna ficou histérica — e confusa. Todos lhe perguntavam o que havia acontecido, mas ela parecia não se lembrar. Jenna disse que também não era capaz de falar sobre nada do que acontecera imediatamente antes do acidente. Os médicos cogitaram que aquilo pudesse ser estresse pós-traumático.

O colégio Rosewood Day fez uma palestra não-brinque-com-fogos-de-artifício em homenagem a Jenna, seguida de um baile e uma venda beneficente de bolos. As meninas, Spencer em especial, participaram de forma entusiasmada, apesar, claro, de fingirem não saber de nada a respeito do que havia acontecido: Quando alguém perguntava, elas diziam que Jenna era uma menina muito doce e uma das amigas mais chegadas que tinham. Várias garotas que nunca falaram com Jenna estavam dizendo exatamente a mesma coisa. Quanto a Jenna, nunca mais voltou a Rosewood Day. Foi para uma escola especial para cegos, na Filadélfia, e ninguém mais a viu depois daquela noite.

As coisas ruins em Rosewood Day, a certa altura, eram sempre gentilmente tiradas do caminho, e Toby não foi exceção. Seus pais o mantiveram estudando em casa pelo resto do ano letivo. O verão passou e, no ano seguinte, Toby foi mandado a um reformatório no Maine. Ele partiu sem cerimônias comoventes de despedida, num dia claro em meados de agosto. Seu pai o levou de carro até a estação, onde ele foi sozinho pegar o trem para o aeroporto. As meninas assistiram enquanto os Cavanaugh derrubavam a casa na árvore naquela tarde. Era como se quisessem apagar o máximo que conseguissem da existência de Toby.

Dois dias depois da partida de Toby, os pais de Ali levaram as meninas para acampar nas Montanhas Pocono. As cinco desceram corredeiras, escalaram as pedras e se bronzearam nos bancos de areia do lago. De noite, quando a conversa acabava caindo no tema Toby e Jenna — e isso aconteceu muito naquele verão —, Ali lembrava a elas de que não podiam contar nada a ninguém, nunca..Tinham de manter aquele segredo para sempre... o que fortaleceria a amizade delas por toda a eternidade. Naquela noite, quando se enfiaram na barraca de cinco lugares, usando capuzes de cashmere J. Crew, Ali deu a cada uma delas uma pulseira colorida brilhante, para simbolizar a união. Amarrou a pulseira no pulso de cada uma e pediu que repetissem, depois dela:

— Eu prometo não contar nada até o dia da minha morte.

Elas sentaram em círculo, Spencer, depois Hanna, Emily e Aria, dizendo exatamente essas palavras. Ali colocou a própria pulseira por último.

— Até o dia da minha morte — sussurrou ela, depois de fazer o nó, suas mãos espalmadas sobre o coração. As meninas apertaram as mãos. Apesar de ser uma situação pavorosa, elas achavam que tinham sorte por terem umas às outras.

As meninas usaram suas pulseiras ao longo de muitos banhos, férias curtas na primavera durante as quais iam para a capital do país e Colonial Williamsburg — ou, no caso de Spencer, para as Bermudas — durante treinos enlameados de hóquei e surtos de gripe. Ali dava um jeito de estar com sua pulseira sempre mais limpa que as das outras, como se sujá-la fosse enfra-quecer seu propósito. Algumas vezes, elas tocavam as pulseiras com a ponta dos dedos e sussurravam "até o dia da minha morte", para lembrarem a si mesmas como eram próximas. Aquilo se tornou a senha delas; todas sabiam o que significava. Na verdade, Ali dissera a frase há menos de doze meses, no último dia de aula do sétimo ano, quando as meninas estavam co-memorando o início do verão. Ninguém poderia saber que, em poucas horas, Ali iria desaparecer.

Ou que aquele seria o dia de sua morte.