Flawless

01. E nós pensávamos que éramos amigas


Spencer Hastings estava no gramado verde-maçã, na frente da capela do colégio Rosewood Day, com suas três ex-melhores amigas, Hanna Marin, Aria Montgomery e Emily Fields. As meninas tinham parado de se falar havia mais de três anos, não muito tempo depois que Alison DiLaurentis desaparecera misteriosamente, mas haviam se reencontrado naquele dia, na homenagem póstuma para ela. Dois dias antes, operários de uma obra tinham encontrado o corpo de Alison embaixo de uma laje de concreto, atrás da casa onde ela vivera.

Spencer olhou de novo para a mensagem de texto que acabara de receber em seu

Sidekick.

Eu ainda estou aqui, suas vacas. E eu sei de tudo. —A

— Ah, meu Deus — sussurrou Hanna. A tela de seu BlackBerry mostrava a mesma coisa. E era o que também podia ser lido no Treo de Aria e no Nokia de Emily. Durante a semana anterior, cada uma delas recebera e-mails, bilhetes e mensagens instantâneas de alguém que assinava com a letra A. Os recados eram, na maioria das vezes, sobre coisas que aconteceram no sétimo ano, o ano em que Ali desaparecera, mas mencionavam também novos segredos... coisas que estavam acontecendo naquele exato momento.

Spencer acreditara que A pudesse ser Alison — que, de alguma forma, ela havia voltado — mas isso agora estava fora de questão, certo? O corpo de Ali havia ficado preso embaixo do concreto. Ela estava... morta... há muito, muito tempo.

—Você acha que isso tem a ver... com A Coisa com Jenna? — sussurrou Aria, passando a mão no queixo anguloso. Spencer guardou o telefone de volta na bolsa de tweed Kate Spade. — Nós não deveríamos falar sobre isso aqui. Alguém pode nos ouvir. — Ela deu uma olhada nervosa na direção dos degraus da igreja onde Toby e Jenna Cavanaugh estiveram parados alguns momentos antes. Spencer não via Toby desde antes do desaparecimento de Jenna, e a última vez que vira Jenna fora na noite do acidente, nos braços do paramédico que a carregava.

— Que tal os balanços? — sussurrou Aria, indicando o playground do setor de educação infantil de Rosewood Day. Era onde elas costumavam se encontrar.

— Perfeito. — Spencer começou a abrir caminho no meio da multidão de pessoas enlutadas. — Encontro com vocês lá.

Era fim de uma tarde de outono, um dia claro como cristal. O ar recendia a maçãs e lenha queimada. Um balão flutuava bem alto no céu. Era o dia perfeito para a cerimônia póstuma de uma das meninas mais lindas de Rosewood.

Eu sei de tudo.

Spencer sentiu um calafrio. Tinha de ser um blefe. Quem quer que fosse esse A, não poderia saber de tudo. Não sobre A Coisa com a Jenna... E, com certeza, não sobre o segredo

que só Spencer e Ali conheciam. Na noite do acidente de Jenna, Spencer testemunhara algo que suas amigas não tinham visto, mas Ali a fizera manter segredo sobre aquilo, mesmo de Emily, Aria e Hanna. Spencer queria contar a elas, mas como naquela época não podia, deixou o assunto de lado e fingiu que nada acontecera.

Mas... algo acontecera.

Naquela noite fresca de primavera, em abril, no sexto ano, logo depois de Ali ter lançado um rojão na janela da casa na árvore, Spencer correu para fora. O ar cheirava a cabelo queimado. Ela viu os paramédicos tirando Jenna da casa na árvore pela instável escada de cordas.

Ali estava perto dela.

—Você fez aquilo de propósito? — perguntou Spencer, apavorada.

— Não! —Ali agarrou o braço de Spencer. — Foi um...

Por anos, Spencer tentou bloquear o que aconteceu em seguida: Toby Cavanaugh vindo na direção delas. O cabelo dele estava todo bagunçado e emplastado, e seu rosto, sempre tão pá-lido, estava todo vermelho. Ele foi direto para cima de Ali.

— Eu vi você. — Toby tremia, de tão bravo. Ele deu uma olhada para a garagem de sua casa, onde um carro de polícia estava estacionado. — Eu vou contar o que aconteceu. Spencer engasgou. As portas da ambulância se fecharam com um estrondo e as sirenes se afastaram da casa fazendo barulho. Ali estava calma.

—Tá bom, mas eu vi você, Toby — disse ela. — E se você contar, eu vou contar também. Para os seus pais.

Toby recuou.

— Não.

— Sim. — Ali o mediu com os olhos. Apesar de ela ter só mais ou menos um metro e cinquenta, de repente, pareceu bem mais alta. — Você acendeu o rojão. Você feriu sua irmã.

Spencer agarrou o braço dela. O que ela estava fazendo? Mas Ali se soltou.

— Meia-irmã — murmurou Toby, quase sem fazer som nenhum. Ele olhou na direção de sua casa na árvore e, depois, na direção do final da rua. Outro carro de polícia entrou devagar na casa dos Cavanaugh. — Eu vou pegar você — rosnou ele para Ali. — Pode esperar.

E então, desapareceu.

Spencer segurou Ali pelo braço.

— O que nós vamos fazer?

— Nada — disse Ali, de forma quase delicada. — Está tudo bem.

— Alison... — Spencer piscou sem acreditar. —Você não escutou nada? Ele disse que viu o que você fez. Ele vai contar tudo para a policia agora mesmo.

— Eu acho que não. — Ali sorriu. — Não com o que eu tenho contra ele. — Ela então se inclinou e sussurrou o que ela havia visto Toby fazendo. Era tão nojento que Ali tinha esquecido que estava segurando o rojão aceso, até que ele estourou nas mãos dela e atravessou a janela da casa na árvore.

Ali obrigou Spencer a prometer que não contaria para as outras nada sobre aquilo, e avisou que, se contasse a elas, ia dar um jeito de fazer com que Spencer — e só Spencer — levasse toda a culpa. Apavorada com o que Ali poderia fazer, Spencer manteve a boca fechada. Ela não pensava que Jenna poderia dizer alguma coisa — certamente, Jenna se lembrava de que não fora Toby que fizera aquilo —, mas estivera confusa, tendo delírios... dissera que toda aquela noite era um borrão em sua memória.

Então, um ano depois, Ali desapareceu.

A policia havia interrogado todo mundo, incluindo Spencer, perguntando se sabiam de alguém que queria machucar Ali. Toby, Spencer se lembrou imediatamente. Ela não conseguia esquecer o momento em que ele dissera: Eu vou pegar você. Mas dedurar Toby significava contar aos policiais a verdade sobre o acidente de Jenna — no qual ela tinha sua parcela de responsabilidade. Sobre o qual ela sabia a verdade e não havia contado a ninguém. Significava, também, contar às suas amigas o segredo que estivera escondendo por mais de um ano. Por isso, Spencer não disse nada.

Spencer acendeu outro Parliament e saiu do estacionamento da igreja de Rosewood. Viu só? A não poderia saber de tudo, como dizia sua mensagem de texto. A não ser que, bem, A

fosse Toby Cavanaugh... mas isso não fazia o menor sentido. Os recados de A para Spencer falavam sobre um segredo que só Ali conhecia: no sétimo ano, Spencer havia beijado Ian, o na-morado de sua irmã Melissa. Spencer havia contado isso para Ali — e para mais ninguém. E A também sabia sobre Wren, o agora ex de sua irmã, com quem Spencer tinha dado mais do que apenas um beijo na semana anterior.

Mas os Cavanaugh moravam na rua de Spencer. Com binóculos, Toby pode ter conseguido olhar de sua janela. E Toby ainda estava em Rosewood, embora fosse setembro. Ele não deveria estar no colégio interno?

Spencer parou na entrada de tijolos do Colégio Rosewood Day. Suas amigas já estavam lá conversando, rodeadas pelos brinquedos do parquinho da escola primária. Era um lindo castelo, com torres, bandeirolas e um escorregador em formato de dragão. O estacionamento estava deserto, as passagens para pedestres, feitas de tijolos, estavam vazias e os campos de jogos estavam silenciosos; toda a escola tivera um dia de folga em homenagem a Ali.

— Bem, todas nós recebemos mensagens de texto desse tal de A? — perguntou Hanna, quando Spencer se aproximava.Todas elas exibiram seus celulares, nos quais estava estampada a mensagem Eu sei de tudo.

— Eu recebi outras duas — disse Emily, sondando o terreno. — Pensei que fossem de

Ali.

— Eu também pensei! — arfou Hanna, batendo a mão no trepa-trepa. Aria e Spencer concordaram com a cabeça. Elas se entreolharam nervosas, com os olhos arregalados.

— O que as suas diziam? — Spencer olhou para Emily.

Emily afastou uma mecha de cabelo louro-avermelhado do olho.

— É... particular.

Spencer ficou tão surpresa, que riu alto.

— Você não tem segredos, Em! — Emily era a garota mais pura e doce de todo o planeta.

Emily pareceu ofendida.

— É, bem, eu tenho.

— Ah. — Spencer sentou-se em um dos degraus estreitos. Ela inspirou profundamente, esperando sentir cheiro de mato molhado e serragem. Em vez disso, sentiu cheiro de cabelo queimado, como na noite do acidente de Jenna.

— E você, Hanna?

Hanna franziu seu narizinho atrevido.

— Se Emily não vai falar sobre as dela, eu não quero falar sobre as minhas. Era uma coisa sobre a qual só Ali sabia.

— É o meu caso também — disse Aria, apressadamente. Ela baixou os olhos. — Desculpem.

Spencer sentiu uma fisgada no estômago.

— Bom, todo mundo aqui tinha segredos que só Ali conhecia?

Todas concordaram. Spencer bufou, brava.

— Achei que fôssemos melhores amigas umas das outras.

Aria se virou para ela e franziu a testa.

— Então, o que as suas mensagens diziam?

Spencer não achou que seu segredo sobre Ian fosse tão interessante assim. Não era nada comparado ao que ela sabia sobre A Coisa com Jenna. Mas, naquele momento, ela sentia orgulho demais para contar.

— É um segredo que só Ali sabia, como o de vocês. — Ela colocou seu cabelo louro escuro atrás das orelhas. — Mas A também me mandou um e-mail sobre algo recente. É como se alguém estivesse me espionando.

Os olhos azul-claros de Aria se arregalaram.

— A mesma coisa comigo.

— Então, tem alguém vigiando todas nós — concluiu Emily. Uma joaninha pousou com delicadeza em seu ombro, e ela espantou o bichinho, como se achasse que era uma coisa muito mais perigosa.

Spencer se levantou.

—Vocês acham que pode ser... Toby?

Todas pareceram surpresas.

— Por quê? — perguntou Aria.

— Ele faz parte da Coisa com Jenna — disse Spencer, cuidadosa. — E se ele souber?

Aria mostrou a mensagem de texto em seu Treo.

—Você acha mesmo que tudo isso é sobre... A Coisa com Jenna?

Spencer passou a língua pelos lábios. Conte a elas.

— Nós ainda não sabemos por que Toby aceitou levar a culpa — sugeriu ela, testando para ver o que as outras poderiam dizer.

Hanna pensou por um momento.

— A única forma de Toby saber o que fizemos é uma de nós ter contado. — Ela olhou para as outras com desconfiança. — Eu não contei.

— Nem eu — falaram apressadamente Aria e Emily.

— E se Toby descobriu de outro jeito? — perguntou Spencer.

—Você quer dizer, se alguém mais viu Ali naquela noite e contou a ele? — Aria quis saber. — Ou se ele viu Ali?

— Não... quero dizer... eu não sei — disse Spencer. — São só suposições.

Conte a elas, Spencer pensou de novo, mas não podia. Todas pareciam tão cuidadosas umas com as outras como haviam estado logo depois que Ali desapareceu, quando a amizade delas se desintegrara. Se Spencer contasse a verdade sobre Toby, elas a odiariam por não ter contado à polícia quando Ali sumiu. Talvez até mesmo a culpassem pela morte de Ali. Talvez elas devessem. E se Toby realmente tivesse... feito aquilo?

— Foi só uma ideia. — Ela se ouviu dizendo. — É provável que eu esteja errada. — Ali disse que ninguém sabia daquilo, exceto nós.— Os olhos de Emily estavam úmidos. — Ela jurou. Lembra?

— Além disso — acrescentou Hanna —, como Toby poderia saber tanto quanto nós? Eu poderia acreditar nisso se fosse alguma antiga colega de hóquei dela, ou o irmão, ou a mãe, ou alguém com que ela conversasse de verdade. Mas ela odiava Toby. Todos nós o detestávamos.

Spencer deu de ombros.

— Você tem razão.

Assim que disse aquilo, Spencer relaxou. Suas preocupações não faziam sentido.

Tudo estava quieto. Talvez quieto demais. O galho de uma árvore estalou e Spencer virou-se imediatamente. Estava se movendo como se alguém tivesse acabado de sair de lá. Um passarinho marrom, empoleirado no telhado de Rosewood Day, olhou para ela como se também soubesse algumas coisas.

— Acho que alguém está tentando mexer com a nossa cabeça — sussurrou Aria.

— É, sim — concordou Emily, mas pareceu hesitante.

— Bom, e se nós recebermos outros torpedos? — Hanna puxou o vestido preto e curto sobre as coxas magras. — Nós precisamos, pelo menos, ter uma ideia de quem é.

— E se, quando recebermos outro torpedo, ligássemos umas para as outras? — sugeriu Spencer. — Podemos tentar montar esse quebra-cabeça. Mas eu acho que nós não devemos fazer nada, tipo, maluco. Temos que tentar não nos preocupar.

— Não estou preocupada — declarou Hanna, depressa.

— Nem eu — disseram Aria e Emily ao mesmo tempo. Mas, quando uma buzina soou na avenida principal, todas pularam.

— Hanna! — Mona Vanderwaal, a melhor amiga de Hanna, colocou sua cabeça louro-clara para fora da janela de um Hummer H3 amarelo. Ela usava grandes óculos de aviador cor-de-rosa.

Hanna olhou para as outras sem remorso.

— Tenho que ir — murmurou, antes de correr colina acima.

Ao longo dos últimos anos, Hanna havia se reinventado como uma das garotas mais populares de Rosewood Day. Ela perdera peso, tingira o cabelo num tom ruivo-escuro sexy, comprara todo um novo guarda-roupa, cheio de roupas de grifes e, agora, ela e Mona

Vanderwaal — também uma ex-garota-esquisita — pavoneavam-se pela escola, boas demais para todos os outros. Spencer se perguntava qual seria o grande segredo de Hanna.

— Eu também tenho que ir. — Aria arrumou a bolsa roxa e molenga num dos ombros. — Bom... eu ligo para vocês, meninas. — E foi andando em direção ao seu Subaru.

Spencer ainda enrolou um pouco no playground. Emily também, e seu rosto, geralmente alegre, parecia abatido e cansado. Spencer colocou a mão no braço sardento de Emily.

—Você está legal?

Emily balançou a cabeça.

—Ali. Ela está...

— Eu sei.

Elas se abraçaram desajeitadamente e, depois, Emily saiu em direção às árvores, dizendo que ia pegar um atalho para casa. Por anos, Spencer, Emily, Aria e Hanna não haviam se falado, mesmo quando se sentavam uma atrás da outra na aula de história, ou quando estavam sozinhas no banheiro feminino. Ainda assim, Spencer conhecia particularidades de todas elas — partes intrincadas de suas personalidades que só um amigo próximo poderia conhecer. Sabia, por exemplo, que sem dúvida era Emily quem estava pior com a morte de Ali. Elas costumavam chamar Emily de "matadora", porque ela defendia Ali como se fosse um rottweiler ciumento. De volta ao seu carro, Spencer sentou-se no banco de couro e ligou o rádio. Ela girou o dial e achou a 610 AM, a estação de esportes dos Phillies. Algo sobre aqueles caras com excesso de testosterona, gritando sobre os times Phillies e Sixers, a acalmava. Ela tivera a esperança de que falar com suas velhas amigas pudesse clarear um pouco as coisas, mas agora tudo parecia ainda mais... terrível. Mesmo com o enorme vocabulário que adquirira de tanto estudar para o vestibular, ela não podia pensar numa palavra melhor para descrever a situação. Quando o telefone tocou em seu bolso, ela o pegou achando que deveria ser Emily ou Aria. Talvez até mesmo Hanna. Spencer franziu a testa e abriu sua caixa de recados.

Spence, eu não a culpo por não contar às outras nosso se- gredinho sobre Toby. A verdade pode ser perigosa — e você não quer se machucar, quer? —A