First Snow

Cada qual sabe amar a seu modo...


Cada qual sabe amar a seu modo; o modo, pouco importa; o essencial é que saiba amar.

(Machado de Assis)

(Baro P.O.V )

Eu podia ver minha vida toda atravessando em flashes os meus olhos, podia também sentir o frio do consultório estapear meu peito despido, as lágrimas desenhavam meu rosto com uma perfeição que era até cruel comparado ao que eu passava naquele momento, nada senão um vazio se apossava cruelmente do meu coração, e eu sabia que naquele momento tudo na minha vida seria alterado, o futuro já não existia porque cada dia, cada minuto seria uma guerra contra o que já estava previsto; eu iria morrer.

Nunca fui exatamente um destaque entre os demais estudantes, talvez olhassem para mim somente porque eu estivesse sempre sorrindo e deixando meus pertences caírem no chão, esse era eu... Gentil e atrapalhado. Foi a primeira vez que o vi, as flores da primavera desfaziam-se num misto de belas cores, foi o que marcou nosso primeiro encontro. O sol queimava acima de nossas cabeças enquanto almoçavamos a céu aberto, e como sempre eu estava tendo problemas com meu almoço, talvez porque ele estivesse esparramado sob meus pés, vítima de minha falta de atenção. Meu lábio inferior era castigado por meus dentes devido as risadas que ouvia ao fundo, era um costume passar por vexames mas era inegável o quanto sempre tive problemas em segurar o choro. - Baro, você é realmente burro. - Disse um dos garotos próximos de Jinyoung, o pseudo galã do colégio, nunca soube explicar exatamente se ele estava com os olhos abertos ou não, de tão estreitos que éram. Sentia minhas bochechas queimarem quando uma imagem cobriu minha dianteira, ele se ajoelhou diante de meu almoço e passou a recolhê-lo calmamente, seus dedos trabalhavam com delicadeza enquanto fechava o compartimento que enquadrava a comida. - Pessoas egoístas também são burras, é por isso que elas sempre acabam como funcionários daqueles que ofendem no futuro, não é? - Quando se ergueu eu pude vê-lo melhor, era um pouco mais alto do que eu e seus fios negros lhe deixaram tanto quanto infantil, a feição era tão límpida que podia ser comparada a de uma garota, tamanha beleza se unia ao vazio dos olhos escuros que estavam fixos em mim. Meu coração disparou. - Me desculpe, não precisava me ajudar... - Ele me olhou com indiferença, mas com certeza era mais eficiente que os olhares de piedade que eu costumava receber. - De nada. - Ele verbalizou antes de dar as costas à mim e os demais.

A imagem de sua gentileza estava intacta em minha mente mesmo após três anos, e mais uma vez ele estava ao meu lado, caminhando bem próximo de mim. Gong não me olhava mesmo que pudesse fazer isso a qualquer momento, e algumas poucas vezes nossas mãos tombavam, mesmo assim ele não parecia se importar. - Para onde quer ir exatamente? - Mas Gong não respondeu, ele apenas caminhava com seus olhos focados em um ponto qualquer, embora parecesse estar pensando. Devia ser difícil para alguém como ele conseguir lidar com um pedido tão egoísta quanto o meu, ele mal me conhecia, embora todo o meu tempo no colégio fosse dedicado a observá-lo de longe, aposto que ele mal sabia que estudavamos na mesma sala, ou que já havia recolhido os restos do meu almoço há anos atrás, mas não importava o quanto minha presença era insignificante para ele, eu o amava tanto ao ponto de simplesmente ignorar isso. - Você é mesmo bem idiota. - Ouvi-o se manifestar, e meus olhos se encheram de lágrimas quase que de imediato. Estavams diante de um edifício não tão grande num bairro que não chegava aos pés do luxo e mque eu vivia, mas a estrutura parecia convidativa que quase deixava resquícios de calor envoltarem meu coração. A proximidade de Gong fez com que minhas costas se colidissem contra o concreto da construção, e olhei-o de soslaio - Eu não sou um tipo de vadio a quem você pode pagar somente pra te ver morrer, acha isso digno? - Eu o neguei, não era digno, na verdade era humilhante o bastante pensar na hipótese de estar ao lado de alguém apenas por dinheiro. - Me desculpe. - As lágrimas já despencavam, e assim senti seus dedos se livrarem delas, Gong me olhou de uma forma diferente de todas as anteriores, e de um modo bastante cuidadoso ele me voltou para si, minhas bochechas passaram a queimar. - Vamos pra minha casa.- Não esperava que ele fosse colocar alguém desconhecido debaixo de seu teto, ainda mais porque eu era alguém maluco que havia oferecido dinheiro a ele para que ficasse próximo de mim por conta de uma suposta morte, qualquer um duvidaria disso. - Você não mentiria para mim, me lembro de que quando nos vimos pela primeira vez você era tão indefeso quanto é agora... Eu não quero seu dinheiro, não só tão baixo ao ponto disso, você precisa de um amigo e se me escolheu para isso... Eu não me importo em fazer o papel. - Então ele realmente se lembrava de mim? Era como se um vazio em meu peito fosse imediatamente preenchido com uma costura, algo que formava um coração real, ele não era o tipo de pessoa que diziam ser, e tampouco era uma boneca inexpressiva, Gong sabia sorrir, sabia ser gentil e era tudo o que eu mais precisava naquele momento, como da primeira vez ele havia me salvado... Do medo, da solidão, do mundo que parecia me excluir, ele se tornou o meu mundo pequenino. Mal me dei conta quando meus braços tocaram os dele, lentamente me afastei da parede e era a vez de Gong ser posto ali, ele me olhou desentendido enquanto nossos olhos não perdiam o foco um do outro. Os dedos subiam mais e mais, até que pude sentir sua nuca envolta em meus dígitos destros, a seguinte imersa aos seus fios medianos e tão escuros, ele era lindo... Lindo de um modo que qualquer outra pessoa jamais poderia superar. - Eu nunca deixei de pensar em você, nenhum segundo sequer. - Eu sabia que ele estava confuso e talvez nervoso, mas não houve qualquer reação de sua parte, ele ficou inerte enquanto trocavamos olhares, e assim acabei me aproximando mais, e mais. - Não faz isso Baro. - Ele pediu, sabia o que aquilo queria dizer. Gong não planejava fazer um papel que ultrapassasse o papel de amigo, e de alguma forma eu o entendia bem. Não era justo fazê-lo se envolver com alguém que em breve morreria.