Final Fantasy X-3 - Os Hinos

Capítulo 6 - Não-Enviados


Não demoraram muito em Dsoje por causa da ocorrência no Templo e porque tinham enviado oficiais da Nova Ordem de Yevon para investigar o caso. Yuna nem chegou a visitar o Templo, o que não agradou aos moradores nas redondezas.

Despacharam-se para apanhar o próximo shoopuf disponível antes de os oficiais terem tempo de aterrar em Dsoje e descobrirem que ela tinha estado ali no mesmo momento em que o hino voltara a soar. Claro que descobririam pelos Al Bhed que estavam no Templo, na altura mas, por enquanto, o prioritário era sair dali…e depois arranjar um sítio onde se pudesse esconder.

Wakka e Tidus, que permaneciam cegos à situação, seguiam-nas como se elas fossem turistas.

– Dirigimo-nos para Guadosalam. – disse Yuna, para o grupo, enquanto percorriam o grande rio às costas do shoopuf – Lá, eu quero visitar a Farplane.

– A Farplane? – perguntou Wakka, confuso – Eu pensei que já não deixavam entrar pessoas na Farplane.

– Quando chegarmos a Guadosalam, tenho a certeza de que os rumores dos hinos começarem a soar nos Templos novamente já deve ter chegado lá. Esperançosamente, os oficiais de Yevon não. – disse Yuna suspirando – Vou-me trocar antes de entrar lá. Eles devem pensar que tive alguma coisa a ver com isso. Tenho a certeza de que vão deixar a Sacerdotisa Suprema passar.

– Os hinos começaram, outra vez? – perguntou Wakka, surpreendido.

– Sim. – respondeu Tidus – Por falar nisso, quando entrei no Templo de Dsoje comecei a ouvir o hino das fés.

Wakka olhou para Yuna depois de alguns segundos de silêncio, dando a perceber pela sua expressão que já sabia o que se passava ali. Ela limitou-se a desviar o olhar e a começar uma conversa vaga com a prima.

– Quando chegarmos ao Guadosalam, os Guados vão estar lá? – perguntou Paine, mudando o clima.

– Espero que sim. – respondeu Yuna – Eles estavam a receber bastante ódio por causa do Seymour, mas acho que eles já se mudaram de Macalania para Guadosalam.

– O que é que eles vão pensar quando me virem? – perguntou Tidus, olhando para Yuna.

Ela inclinou a cabeça. – Não pensei nisso. Mas acho que ninguém vai atacar-te. Afinal, quando matamos o Seymour, eu fui a culpada.

– Se é assim. – murmurou Tidus, olhando para a costa de Guadosalam.

– Podem desviar o olhar, durante alguns minutos? – pediu Yuna a Wakka e a Tidus, enquanto tirava o kimono da mala. Quando Tidus viu isso, ficou vermelho até às orelhas e virou a cara – Quando terminar, aviso.

Tidus focou o olhar na costa e tentou ignorar os barulhos das roupas a caírem.

– Já está. – disse Yuna, enquanto a prima acabava de atar o laço do kimono nas costas dela.

Aliviado, Tidus olhou novamente para Yuna e viu-a a escovar o cabelo para alisá-lo o máximo que podia e a pegar no bastão.

– Bem, vamos lá a isto. – anunciou Yuna, quando o shoopuf atracou e o condutor deu autorização para saírem.

Tal como Yuna tinha previsto, quando entraram em Guadosalam, os olhos dirigiram-se todos a si e os murmurinhos começaram. Ninguém lhe iria perguntar directamente se ela tinha alguma coisa a ver com a volta do hino ou não, mas era melhor apressar-se antes que chegasse alguém de Bevelle.

– Eu quero ir sozinha. – disse Yuna, começando a encaminhar-se para a Farplane – Se alguém também quiser ir, pode ir depois de mim?

– Eu não tenho razão nenhuma para ir lá. – respondeu Tidus – Fico à tua espera do lado de fora.

– Eu digo o mesmo. – Rikku pôs-se ao lado de Tidus – E tu, Paine?

– Eu nunca entrei lá. – disse ela, monotonamente – Mas também não tenho curiosidade para entrar.

– Eu quero ver o meu irmão. – disse Wakka – Mas espero até tu saires, Yuna.

Ela sorriu e anuiu com a cabeça. – Eu digo-lhes que tu também podes entrar depois de sair.

Yuna suspirou e começou a subir a estrada que ia dar à Farplane. O guarda que estava lá, para impedir a entrada dos cidadãos, ao ver Yuna, afastou-se e fez uma pequena vénia. Ela já não estava habituada àquele tipo de tratamento, por isso ficou um pouco surpreendida, mas fez uma vénia na mesma.

Passou pela primeira porta e começou a subir as escadas devagar, para apreciar o que já não via há algum tempo. Tinha ido ali para ver os seus pais na última vez. Não…da última vez tinha estado lá em baixo, antes de voltar para Besaid e encontrar o Tidus.

Quando entrou, ficou sem respiração ao ver o cenário. Por muitas vezes que fosse lá e por muito que já não acreditasse em Yevon, aquele lugar era o sitio mais divino que tinha visto. Os Al Bhed não acreditavam, mas ela acreditava que os espíritos iam para aquele lugar depois de morrerem e que as imagens que via não eram apenas projecções do que ela queria ver.

Ela aproximou-se, acocorou-se e olhou para baixo para ver o mar de flores, a cascata brilhante e o céu azul. O seu paraíso.

Os pyreflies dançavam por entre as flores. Aqueles eram os reflectores, pensou Yuna, enquanto se lembrava da sua “outra metade” e perguntava-se se já estaria morta. Se assim fosse, Yuna conseguiria vê-la ali.

Suspirou e abanou a cabeça, enquanto se levantava. Se nem sabia de quem estava à procura, com certeza não conseguiria ver ninguém. No entanto, ao olhar em frente, viu a sua “outra metade” e abriu a boca.

Enquanto Yuna estava correntemente a tentar perceber porque é que estava a ver aquela pessoa quando pensou na sua “outra metade”, do lado de fora, os olhares começaram-se a virar para Tidus. No entanto, só os dos Guado.

Alguns sussurravam entre si, outros olhavam-no com curiosidade mas nenhum deles se aproximava.

– Devemos perguntar o que é que se passa? – perguntou Rikku – Isto está a ficar esquisito.

– Eu acho que devíamos ficar aqui à espera da Yuna. – respondeu Wakka – A última coisa que queremos é mais problemas com os Guado. Tenho a certeza que eles só estão curiosos. E também temos de estar alerta, caso alguma pessoa de Bevelle venha.

– O mais estranho é que eles parecem estar apenas a olhar para o Tidus. – murmurou Paine, recebendo um olhar reprovador de Rikku.

– Talvez o tenham visto no jogo de blitzball. – disse Rikku, rapidamente.

– Oh, deve ter sido isso! – exclamou Wakka, batendo nas costas de Tidus com força – Estás a ficar famoso!

Tidus riu-se desconfortavelmente. Tinha passado por demasiadas coisas para perceber que alguma coisa estava a perturbar os Guado. E não era a sua fama. Se Yuna sabia o que era, não lhe tinha dito nada.

Mais segredos, pensou Tidus, olhando para a rua que ia dar à entrada da Farplane. Esperava que ela não estivesse a guardar mais segredos. Da última vez que o tinha feito, ninguém tinha ficado feliz. Enquanto pensava no assunto…

– Ah! – exclamou Tidus, lembrando-se com um sorriso – Eu também quero ir à Farplane, afinal! Quero ver o Aaron e o meu velhote!

Wakka sorriu e bateu-lhe nas costas outra vez, agora mais gentilmente. – É uma boa ideia, miúdo. Porque é que não vamos juntos, vê-los?

– Lenne?

Yuna continuava a olhar para a cantora e invocadora que tinha aparecido à sua frente. Era ela a sua “outra metade”? Porquê ela? E ela sabia mesmo como parar o que estava a acontecer com Tidus? Como? Como é que ela poderia saber?

Assustando Yuna, Lenne deu um passo em frente e entrou na plataforma, rodeada por pyreflies.

– Yuna. – disse ela, sorrindo – O que é que estás aqui a fazer? E porque é que queres falar comigo?

– E-Eu…quero falar contigo? – perguntou Yuna, confusa.

– Claro que queres. – respondeu Lenne – Se não quisesses, eu não tinha aparecido.

– Eu só estava a pensar na minha “outra metade” e tu apareceste. – explicou Yuna.

– E isso não faz sentido? – perguntou Lenne, sorrindo – Tu e eu, Yuna, vimos da mesma linhagem de invocadoras. E eu apaixonei-me por um homem que faz parte da linha familiar do rapaz por quem te apaixonaste. Yuna, o que é que precisas de mim?

Ela explicou a situação e passou a mensagem que a fé lhe tinha dito, enquanto Lenne anuía com a cabeça. Quando Yuna acabou, Lenne começou a pensar, deixando um silêncio que perturbava Yuna.

– A fé disse que eu te podia ajudar? – perguntou Lenne, como se não acreditasse – Mas a única coisa que posso fazer é dar-te respostas.

– Não tens uma solução? – claro que não tinha, pensou Yuna. A fé nunca lhe daria a resposta de bandeja – Mas, se me deres as respostas, talvez eu consiga chegar a uma solução.

– Tens a certeza, Yuna? – perguntou Lenne, com um olhar triste – Porque, apesar de o negares, tu ainda és uma Invocadora e, como Invocadora, tens certos deveres que não podes ignorar.

Yuna ficou ainda mais confusa, mas esperou que Lenne continuasse.

– Yuna, pelo que fiquei a saber, o rapaz era um sonho quando enfrentaram o Sin, certo? – Lenne esperou que Yuna anuísse para continuar – Depois de tudo acabar, ele desapareceu, como sonho que era. No entanto, como estava em divida contigo, a fé fez tudo que podia para trazê-lo de volta. Já pensaste, Yuna, o esforço que tiveram de fazer para trazer apenas o corpo de volta, tal como ele era? Mas, para além disso, eles trouxeram as memórias, os sentimentos e tudo o resto que adoravas nele.

– Eles fizeram isso. – confirmou Yuna – Então, porque é que ele está a desaparecer?

– As fés só têm um certo limite de poder. Elas não podem fazer milagres. – respondeu Lenne, assustando Yuna – Mas não conseguiram trazê-lo vivo. Percebes? Já enfrentaste um morto? Um “não-enviado”? Ele está lá, mas não está. Pode ficar contigo para sempre e podem ser felizes para sempre. Mas, se ele continuar a entrar em Templos, as fés vão voltar para os seus antigos casulos e o rapaz vai ser “enviado” automaticamente. Não vai desaparecer. Vai ser “enviado” para aqui. Para a Farplane. Agora, Yuna, o que é que vais fazer? Como Invocadora, tens o dever de enviar todos os “não-enviados” para aqui. O que é que vais fazer? – Lenne enfrentou apenas silêncio – Como me ajudaste a mim e ao Shuyin, eu vou torcer por ti. Espero mesmo que encontres uma solução para trazê-lo de volta ao mundo dos vivos.

– Um sonho e agora um “não-enviado”? – murmurou Yuna, com as lágrimas nos olhos. Lembrou-se imediatamente de Seymour – Não há maneira de trazê-lo de volta.

– Uma maneira que se conheça. – corrigiu Lenne, tentando animá-la – Mas, Yuna, se achares que não há mesmo uma maneira para levá-lo para o mundo dos vivos, “envia-o”. Não vais conseguir viver contigo mesma, se o deixares continuar assim.

– Eu…eu não percebi muito bem…porque é que ele está morto. – disse Yuna, corrigindo logo depois – Um “não-enviado”.

– Se não percebeste o que eu disse, talvez a fé te possa explicar melhor, agora que descobriste quem é a tua “outra metade”. – Lenne deu mais um passo em frente, para limpar as lágrimas de Yuna – Os Guado conseguem sentir os “não-enviados”. Não acho que seja aconselhável que fiques aqui durante muito mais tempo.

Yuna abriu a boca e afastou-se para sair.

– Se precisares de mais alguma coisa, Yuna, podes sempre vir ter comigo. – disse Lenne – Afinal, estou em divida, eternamente.

Depois de dizer isso, Lenne deu dois passos para trás e desapareceu, seguida pelos pyrflies, deixando Yuna sozinha.

Agora?