Na manhã seguinte, saíram da aldeia com as malas às costas – Tidus, Wakka, Yuna, Rikku e Paine – em direcção ao barco que os levariam para Kilika. Yuna não tinha boas recordações sobre aquela particular trajectória. Tinham sido atacados pelo Sin, o Tidus tinha caído bordo-a-fora e depois tivera que mandar dezenas de almas para a Fairplane quando chegara ao porto de Kilika, que tinha sido destruído.

Aliás, não tinha boas recordações de nenhum lugar em Spira para além talvez da sua aldeia natal e a floresta de Macalaina. Agora não, pensou ela enquanto acompanhava o grupo até ao porto de Besaid. Agora estava tudo a deteriorar-se, depois de as Fés terem desaparecido.

Perguntava-se o que é que Tidus sentiria quando visse aquele lugar tão vazio e sem vida. Talvez ficasse desiludido ou até arrependido por ter começado aquela viagem…ou de ter voltado.

Yuna olhou para Tidus, enquanto ele falava com alguns locais e caminhava ao mesmo tempo. Não se arrependeria, pensou ela, mesmo que tudo tivesse virado do avesso, tinha a certeza de que ele não se arrependeria de ter voltado.

Enquanto o resto do grupo entrava no barco e instalavam-se, Yuna tinha ficado para trás, para interagir com os elementos mais chegados para se despedir e garantir – pela segunda vez – que ia ficar tudo bem e que ela não correria perigo algum.

Abraçou os mais pequenos e acenou aos maios e, finalmente, conseguiu entrar no barco, com a sua mala na mão e o bastão preso às costas, envolvido por alguns trapos negros. Não queria mostrá-lo a ninguém e transmitir a ideia errada por isso, pelo que os cidadãos sabiam, aquilo que ela levava às costas até podia ser uma espada.

A não ser o grupo que ia com ela, mais ninguém sabia o que ela realmente tinha pendurado às costas. Levava a sua roupa do dia-a-dia, duas armas presas às coxas e o kimono dobrado na mala. Não precisava de muita coisa. Também levava algumas prendas pequenas para os Templos, para não ocupar muito espaço no barco.

- Cansada? – perguntou Tidus, que esperava por Yuna à entrada do barco.

- Talvez descanse um pouco depois de partirmos. – disse Yuna, deixando que Tidus pegasse na sua mala.

Realmente tinha dito que só ia descansar um pouco mas, depois de cumprimentar o capitão do barco e alguns passageiros que queriam apertar a mão à Invocadora que tinha trazido a Eterna Calma, quando Yuna acordou o sol já se tinha posto e conseguia-se ver a lua a brilhar no meio do céu escuro, preenchido de estrelas. Mas não se avistavam nenhumas nuvens, pensou ela quando saiu para o deque.

Tal como da última vez, a equipa treinava, alguns aos pares e outros sozinhos. A única coisa que a surpreendeu foi Paine, que se encontrava sentada nas escadas, com o olhar fixado em Tidus, que praticava com Wakka.

O seu objectivo para estar ali era conseguir apanhá-lo sozinho quando aqueles dois fizessem uma pausa. No entanto, foi Yuna que se sentou ao seu lado.

- Estás interessada nele? – perguntou Yuna, sem rodeios.

- Claro que não. – respondeu Paine, assustada por ver Yuna a sentar-se ao lado dela – Eu só estava a observar a estrela da equipa.

- Não faz mal se estiveres interessada nele. – disse Yuna, chocando Paine – Muitos estariam se soubessem a verdade.

Sem dizer mais nada, Yuna levantou-se antes de Paine conseguir fazer mais perguntas e foi ter com Wakka e Tidus para perguntar-lhes se podia assistir ao treino deles, mais depressa.

“A verdade”, pensou Paine, olhando para Yuna que estava claramente entretida ao ver a equipa a treinar. Qual seria a verdade que todos lhe queriam esconder, menos a pessoa envolvida?

Chegariam a Kilika na manhã seguinte e Paine lembrava-se de que Yuna tinha lá uma “amiga” que podia saber de alguns detalhes e não se importaria de compartilhar.

Sem o ataque do Sin para os atrasar, o barco estava prestes a ancorar em Kilika ao nascer do sol.

- Então, eu vou mudar-me. – disse Yuna, que tinha assistido ao treino da equipa durante a noite toda – Porque é que vocês não vão descansar, enquanto eu, a Rikku e a Paine visitamos o Templo?

Estavam realmente cansados por terem treinado durante a noite toda, por isso aceitaram a oferta e pediram desculpa a Yuna por não poderem ir com ela.

- Eu vou. – interrompeu Tidus.

- Tu estás exausto. – protestou Yuna, apesar de gostar da ideia.

- É claro que estou exausto mas, se tu vais fazer o papel de Invocadora, eu tenho de fazer o papel de Guardião. – disse Tidus, surpreendendo Yuna – E é só uma visita. Quando voltar, posso descansar até chegarmos a Luca.

Relutantemente, Yuna deixou que Tidus se juntasse a ela, mas rejeitou a oferta de Wakka, já que ele era o Capitão e devia estar em condições para manejar a equipa.

- Então, eu vou mudar-me. – repetiu Yuna, virando as costas – Volto dentro de cinco minutos.

E realmente não demorou muito mais do que isso. Apesar de já não usar o kimono há muito tempo, ainda conseguia vesti-lo com facilidade, tal como conseguia fazer a dança. Quando saiu, vinha a pentear o cabelo até este estar completamente esticado.

Foi um pequeno choque para Rikku ao ver a prima com aquele aspecto, depois de ter mudado tanto e se juntado às Gullwings, mas não se comparava a Paine que não conseguia parar de olhar para ela. Sabia que aquela era a Yuna de sempre, mas era estranho estar perto da “Invocadora”. Tidus apenas sorriu.

- Não poupas aos detalhes. – comentou Tidus.

- As pessoas querem que a Invocadora Suprema visite os Templos. – disse Yuna – Não querem que a Yuna visite os Templos.

O sorriso dele desapareceu ao ouvir aquilo, mas não disse nada.

- Eu vou buscar o bastão. – disse Rikku, tirando a escova das mãos de Yuna, quando percebeu por que é que Tidus tinha ficado chateado com o que Yuna dissera – Já volto.

- Então, podemos visitar o Templo e depois visitamos a Dona. – propôs Yuna, arranjando o cabelo a que já não estava acostumada – Ela vai gostar de ver-te.

- Duvido muito. – murmurou Tidus. Mas aceitou a ideia.

Quando Rikku voltou com o bastão e entregou-o a Yuna, o conjunto da Invocadora que em dias tinha sido, voltou à vida. Yuna perguntava-se se o seu pai estaria contente por vê-la a usar aquilo outra vez.

- Eu tenho uma coisa para fazer antes de nos dirigirmos a Luca. – disse Paine, um bocado afastada. Não conseguia aproximar-se de Yuna enquanto ela estivesse assim – Encontramo-nos no barco, pode ser?

- Claro. – disse Yuna, aproximando-se de Paine que deu um passo atrás – De certeza que não queres visitar o Templo? Não pareces bem.

- Estou bem. – disse Paine – Não preciso de ver o Templo. Já fui lá muitas vezes.

Yuna concordou e saiu com dois dos seus Guardiões atrás de si – Tidus e Rikku. Quando pisaram o solo de Kilika, já haviam pessoas que queriam cumprimentar e festejar a chegada de Yuna.

Depois de furar entre a multidão e evitar Yuna, Paine conseguiu finalmente chegar a casa de Dona. Queria falar com ela a sós, antes de os outros chegarem.

- Eu lembro-me que ela foi punida pela Ordem de Yevon. – disse Dona, um bocado hesitante – Depois fugiu. Todos os outros Invocadoras tinham ordens de apanhá-la e, se necessário, até matá-la.

- O que é que aconteceu!? – perguntou Paine, que nunca tinha ouvido falar naquilo – Pensava que a Nova Ordem de Yevon quisesse a Yuna do lado deles.

- Isso foi depois de haver um tipo de revolução dentro da Ordem e a Yuna trazer a Calma Eterna de alguma maneira. – explicou Dona.

- De alguma maneira? – perguntou Paine.

- Sim, “de alguma maneira”. Ela recusasse a explicar o que aconteceu. – disse Dona – Só a Yuna e os seus Guardiões sabem o que aconteceu na verdade. E, se bem me lembro, ela andava com uma cambada deles. Mas, no fim, só sobraram quatro, não foi? Há algum tempo atrás vocês andavam à procura do pirralho, não foi? Eu nunca gostei dele.

- Porquê? – perguntou Paine.

- Ele apareceu do nada e desapareceu como tal depois de arruinar a vida da Yuna. – disse Dona, suspirando ao mesmo tempo que encolhia os ombros – Não que eu me interesse. Afinal, a Yuna tirou-me o trabalho de enfrentar o Sin e ainda se livrou dele para sempre.

- Sabes de mais alguma coisa sobre a vida da Yuna enquanto Invocadora? – perguntou Paine – O que é que aconteceu com o rapaz?

- Não tenho muitos detalhes. – respondeu Dona, abanando a cabeça – Em todo o caso, tu és amiga da Yuna. Se ela não te disse nada é porque não merece ser contado.

E mesmo assim era a história de como ela tinha conseguido trazer a Calma Eterna. Como é que podia ser uma história que não merecia ser contada?

- Bem, eu vou indo, então. – disse Paine, levantando-se – A Yuna vai passar por aqui dentro de alguns momentos. Seria possível que deixasses de parte a minha visita e as minhas perguntas?

Dona encolheu os ombros e viu-a a sair.

- O que é que achas que ela anda a tramar Barthelo? – perguntou Dona, olhando para trás, onde o homem permanecia silenciosamente – Espero que o grupo da Invocadora não traga mais problemas a Spira.

- Não seria da vontade da Yuna-sama. – comentou Barthelo.

- Nunca é. – disse Dona, um bocado perturbada por saber que Yuna iria visitá-la –Mas, de alguma maneira, ela parece atrair problemas. Ela devia ficar naquela pequena vila e viver uma vida normal de uma vez por todas.

Yuna nunca queria criar problemas que afectassem Spira mas, de alguma maneira, ela atraia-os como abelhas eram atraídas a flores. Era o que Dona achava e, agora, Yuna tinha a mesma opinião porque, mal entraram no Templo de Kilika, as Fés começaram a cantar.

Felizmente, ela tinha pedido aos cidadãos que a seguiam para a deixarem entrar sozinha, com os seus Guardiões.

- O que é que se passou? – murmurou Yuna, entrando em pânico – Da última vez que visitamos o Templo, não se ouvia nada! O que é que mudou!?

Depois de pensarem durante alguns segundos, olharam ambas para Tidus ao mesmo tempo.

- Não olhem para mim. – disse Tidus – Eu não fiz nada.

Era verdade, pensou Yuna enquanto via o ombro dele a ficar levemente transparente. Não estava a fazer nada conscientemente. Era o Templo que estava…

- Vamos sair daqui. – disse Yuna, empurrando Tidus para fora do Templo. Felizmente, quando chegaram lá fora e ela se agarrou ao ombro dele, ainda conseguiu senti-lo. Logo que ele se afastasse dos Templos, não haveria problemas, então – Vamos deixar Kilika, o mais rapidamente possível. Mais tarde podemos voltar e visitar a Dona.

Yuna finalmente percebia como é que ele tinha voltado. As Fés tinham-se juntado para o trazer de volta. Isso significava que, se ele se aproximasse dos Templos onde as referidas Fés costumavam descansar, ele desapareceria de novo.

E se alguém descobrisse que ele conseguia trazer as Fés de volta…se a Ordem descobrisse…!

- Mais depressa! – exclamou Yuna, agora arrastando-os de volta para o barco. Não queria que as pessoas de Kilika descobrissem e fossem atrás dela, por pensarem que tinha sido a visita da Invocadora Suprema que desencadeara aquilo – Temos de partir, agora!

- Mas o barco ainda não está pronto. – disse Tidus, franzindo as sobrancelhas quando eles entraram no barco e ela largou-os finalmente – Só partimos ao anoitecer.

- Vai descansar! – ordenou Yuna, olhando para Tidus – Eu e a Rikku vamos conviver com os cidadãos até há hora da partida.

- Tem mesmo que ser? – protestou Rikku.

- Yuna, o que é que se passa? – perguntou Tidus, desconfiado – Eu sei que ficaste perturbada por o Hino das Fés ter voltado, mas…

- Vai! – exclamou Yuna, deixando o barco com a prima atrás de si – Rikku, preciso de te dizer uma coisa.

Enquanto Yuna fazia um resumo do que pensava estar a acontecer à prima, ia cumprimentando as pessoas com pequenas vénias, enquanto estas baixavam-se ainda mais.

- É uma questão de minutos até descobrirem que a Fé voltou. – disse Yuna – É óbvio que eles vão vir atrás de mim. Vão pedir-me para visitar os outros Templos e trazer as Fés de volta. Mas, quando descobrirem eventualmente que não sou eu, a Nova Ordem de Yevon vai começar a fazer perguntas. Vão começar a investigar e, se puserem as mãos nele, vão começar a fazer experiências até ele desaparecer outra vez.

- Tem calma. – pediu Rikku a Yuna, que falava freneticamente – As pessoas vão pensar que se passar alguma coisa se continuares assim.

Yuna considerou as palavras da prima e começou a andar mais devagar.

- O que é que eu posso fazer? – perguntou Yuna, com os olhos virados para o chão – Os problemas vão começar outra vez.