Tyler Cassey estava se sentindo horrível. Uma dor absurda se instalara em suas costas e ombros, como se estivessem em carne viva. Como se estivessem queimando. Havia uma máscara de oxigênio em seu rosto e algumas agulhas enfiadas em seu braço. Não conseguia se mover, porque os braços doíam se ele tentasse, um deles engessado... Já as pernas. Essas, ele já não sentia mais. Aquilo era angustiante. Era como se não existisse mais nada abaixo de suas costelas. Tentava não pensar demais sobre isso, porque ficaria apavorado, seus batimentos aumentariam e as enfermeiras viriam sedá-lo. E, depois de ser sedado mais de quatro vezes, já não queria mais passar por aquele processo. Queria manter-se desperto, por mais que a realidade fosse um pesadelo.

Os médicos que fizeram sua cirurgia não disseram que ele voltaria a andar. Mas também não descartaram a possibilidade. Havia quebrado a clavícula direita e fraturado, muito seriamente, duas vértebras. Era grave, mas sabia que podia ter sido pior, se Patrick não estivesse por perto. Lembrava-se de que o amigo o puxara, antes de sentir o peso esmagador da garota cair sobre si. Se Patrick não tivesse feito isso, provavelmente, estaria morto ou tetraplégico, porque a louca suicida o atingiria em cheio.

E lá estava Patrick, cochilando na poltrona ao lado de seu leito. Ele chegara às sete horas da manhã – quando a mãe de Tyler saiu para trabalhar –, e jazia ali até o momento. Já passava das quatorze horas, e ele ainda nem havia almoçado. Phil e Jessica apareceram mais cedo, antes de irem para o enterro de Claire Temple. Jessica parecia acabada. Doente. Seus olhos azuis estavam tão pequenos e vermelhos, que era de supor que chorara a noite toda. Ainda mais com a notícia da morte de Jamie Shawn, o professor de álgebra alcóolatra. Ninguém havia dito nada, mas Tyler sabia que combinaram de não deixá-lo sozinho. Estavam com medo de que morresse. E, na verdade, o próprio Patrick parecia bem paranoico, diferente do cara que ridicularizava as teorias de Jessica Holden.

Enquanto Tyler o observava, Patrick moveu-se na poltrona, sua boca fazendo sons como se mascasse alguma coisa. Assim como Jessica, Patrick estava macilento. Olheiras arroxeadas, pálido, e com o cabelo tão desgrenhado que podiam muito bem imaginar que ele nem mesmo se olhara no espelho, antes de ir para o hospital.

Tyler dissera que ele não precisava ficar por perto o tempo todo, e que podia ir pra casa descansar. Mas a verdade é que se sentia bem melhor com o amigo ali. Bem mais que com sua mãe, que só sabia ficar resmungando sobre o marido – que, a propósito, nem dera as caras. Mas, mesmo assim, era desconcertante ver o quanto Patrick se esforçava para cumprir com obrigações que não eram suas. Agora, mais que nunca, Tyler o agradecia profundamente, apesar de saber que qualquer um dos dois pudesse morrer nas próximas horas...

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As pessoas estavam começando a se dispersar pelo cemitério de McKinley, voltando para seus carros estacionados à sombra das árvores que ladeavam a rua. Mas Jessica permaneceu sentada em uma das dezenas de cadeiras que dispuseram sobre o gramado plano do cemitério. Ao seu lado, Phil afagava sua mão delicadamente, sentindo-se frustrado por não haver mais nada que pudesse fazer.

Liu Wong, por sua vez, estava conversando com os pais de Claire, um pouco mais afastados. O rapaz parecia sem jeito e tenso, enquanto o casal fazia-lhe perguntas... Afinal, ele fora a última pessoa com quem Claire conversara, naquela fatídica noite de sábado. Além disso, as mensagens no celular da moça revelavam que havia acontecido alguma coisa mais íntima entre os dois.

Jessica engoliu em seco, desvencilhou-se da mão do namorado, e arriscou alguns passos vacilantes até o túmulo recém-cerrado da melhor amiga. Um rapaz de óculos havia acabado de afastar-se de lá, o nariz vermelho como se tivesse chorado muito. Jessica o reconheceu como um dos colegas de classe. Alguma coisa Wilson. Não eram próximos, mas sabia que ele teve uma paixonite por Claire, no primeiro e segundo ano. Ao passar por ela, o rapaz estreitou os olhos e se apressou.

O túmulo estava apinhado de rosas e outras flores, que ocultavam quase inteiramente a lápide. Jessica ajoelhou-se sobre o gramado e deixou ali uma rosa branca, os olhos ardendo muito, embora não chorasse. Talvez suas lágrimas tivessem esgotado, depois de tudo. Não duvidava...

- Oi, Jess – cumprimentou-a alguém, enquanto uma silhueta tampava a luz do sol. A moça não precisou erguer a cabeça para saber quem era. Brenda Grigori, usando mais um vestido preto de grife e segurando um ramalhete de flores lilases.

- Oi.

Brenda pareceu sorrir – não com soberba, mas com tristeza –, enquanto inclinava-se para deixar as flores sobre o túmulo de Claire.

- Eu sinto muito não ter comparecido ao encontro ontem – começou Brenda, num tom estranhamente sincero. – Não entendi direito o que era, mas... de qualquer forma, eu também sinto muito por Claire. Sei que era sua melhor amiga. E sei como é horrível perder alguém tão próximo assim... Minha melhor amiga morreu quando eu tinha treze anos. O nome dela era Farah. Acho que não chegou a conhecê-la... Depois disso, tentei fazer novas amizades, mas... meu Deus, como é difícil encontrar uma amiga leal e verdadeira, quando se é rica. Não estou falando para te desmerecer, me desculpe, se foi isso que pareceu... É só que... eu sei o valor que uma verdadeira amiga tem. Por mais que Claire eu não fôssemos fã uma da outra, eu sinto muito. Porque sei que ela era pra você o que Farah foi pra mim...

Jessica ouviu tudo em um silêncio estupefato. Apesar das palavras mal colocadas de Brenda, Jessica podia sentir que ela estava sendo sincera em seus pêsames. Sabia disso porque a moça abandonara o tom afetado e meigo que usava para falar com ela, e porque seus olhos estavam marejando.

- Obrigada, Brenda – sussurrou Jessica, apoiando as mãos no chão para se levantar.

Brenda sorriu.

- Ainda estou do seu lado – disse ela, a voz voltando a ser meiga e artificial. – Por falar nisso, as pessoas estão comentando que a morte do professor Shawn e o acidente com o... o Tyler podem estar relacionados com você. Como se você fosse algum tipo de assassina sobrenatural... Veja as bobagens. Não ligue pra isso, Jess...

- Mas é verdade – retorquiu Jessica, suspirando e virando-se para se afastar.

- Verdade?— Brenda veio quicando às suas costas, alarmada. – Como assim?

- Todos nós vamos morrer, Brenda. Não devíamos ter sobrevivido ao deslizamento em O’Reoy e, agora, a Morte está nos perseguindo.

Jessica disse aquilo sem qualquer emoção. Estava cansada. E não havia motivos para fazer rodeios. Brenda precisava saber daquilo, afinal, a garota também morria em sua visão.

- O quê?! – Brenda franziu o cenho, confusa.

Jessica parou, de fronte ao namorado, e virou-se para a garota.

- Eu sinto muito, mas é isso mesmo que você ouviu...

- Ai, meu Deus, Jessica! – começou Brenda, chocada. – Não acredito que está chateada comigo pelas coisas que andam falando de você. Estou sendo apenas sua amiga e lhe contando o que dizem pelas suas costas. Não precisa dizer esse tipo de coisa, nem me tratar dessa maneira!

Jessica suspirou, desviando os olhos. Sabia que Brenda Grigori teria uma reação digna de Brenda Grigori.

- Escuta, Brenda, estou falando sério – Jessica puxou a mão do namorado, apressando-o a se levantar. – É por isso que te chamamos para nos reunirmos na casa do Liu, ontem. Então, por favor, não faça nenhum escândalo, porque não estou com saco pra isso, ok? Quando estiver chegando sua hora, vou entrar em contato... Até lá, apenas tome cuidado – sem dizer mais nada, Jessica começou a se afastar, arrastando o namorado consigo. Brenda Grigori ficou estática, a boca aberta em um O, enquanto os observava ir embora.

- Coitada – comentou Phil, em voz baixa.

- Por favor, Phil, não faça eu me sentir pior.

- Tudo bem...

- Estou cansada demais para suportar os chiliques de Brenda Grigori – disse a moça, entrando no carro do namorado. – E agora que ela também já sabe, acho que minha consciência vai me permitir descansar um pouco.

Phil assentiu, sem protestar. Ela merecia. Estava claro que Jessica atingira seu limite. Estava esgotada. Phil queria mesmo que a namorada descansasse e melhorasse o humor. Tudo o que ela podia fazer já estava feito. Patrick sabia sobre o esquema da morte, e parecia mais crédulo, depois do bizarro acidente com Tyler. E agora, Brenda também estava ciente... Portanto, permanecer vivo dependia unicamente de cada um. Deviam tomar cuidado e ficar atentos aos sinais. Com sorte, enganariam a Morte mais uma vez.

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— Patrick? – chamava uma voz longínqua.

O rapaz estava em uma ruela escura e fria, ladeada por grandes pinheiros que, por causa da escuridão e do soprar do vento, pareciam vivos. Corria desabalado, sentindo as pernas amolecerem a cada passo. Olhou por cima do ombro. No fim da rua, uma figura vestida de preto deslizava ao seu encontro, carregando uma foice suja de sangue.

- Patrick?

O rapaz virou-se para frente e tentou apressar o passo. Mas suas pernas se recusavam a correr mais rápido. Então, sentindo-as vacilarem, caiu na ruela fria, de peito no chão. A figura escura aproximou-se, com sua presença fria e angustiante. Estava encapuzada. Não era possível ver seu rosto. Ergueu a foice, e com uma risada maliciosa, fez menção de desferir um golpe fatal. Patrick ofegou, levantando as mãos para se proteger... No último momento, vislumbrou os olhos claros e o rosto pálido de Jessica Holden sob a sombra do capuz – e gritou.

- Patrick, acorda! – exclamou a voz longínqua.

O rapaz abriu os olhos, empertigando-se com um solavanco na poltrona. Seu coração estava disparado e a respiração ofegante. No entanto, o que via o deixou um tanto mais aliviado. Não havia escuridão, nem pinheiros, nem a Morte, embora ainda estivesse frio. Estava no quarto de hospital de Tyler, e a Sra. Cassey o fitava de testa franzida.

- Pesadelos? – perguntou ela, virando-se em direção à grande janela de vidro aberta. Era noite e uma brisa gélida entrava por ela, como se não bastasse o ar-condicionado.

- É... – Patrick engoliu em seco, desviando os olhos para Tyler, que, no momento, dormia tranquilamente em seu leito. – Que horas são?

- Ah, umas nove e meia – disse a mulher, após fechar a janela. – Eu me atrasei porque Ronald não queria que eu viesse. Ele acha que eu sou tão insensível ao ponto de deixar meu próprio filho passar a noite sozinho em um quarto de hospital. Ele é um troglodita. Nem mesmo sei por que ainda estamos juntos...

Patrick forçou um sorriso, sem de fato ouvir a tagarelice da mulher. Seu estômago roncou, dolorido. Havia dormido por tempo demais. Não comera nada desde o café da manhã... Estava morto de fome.

-... e como o nosso Tyler passou o dia hoje? – quis saber a Sra. Cassey.

- Hmm – Patrick encolheu os ombros. – Bem, eu acho. É que dormi a tarde toda... Me desculpe. Mas acho que teriam me acordado se ele tivesse outra crise nervosa, ou alguma complicação...

A mulher loura e enrugada fitou-o com uma ternura intimidadora. Olhando furtivamente para o próprio filho, aproximou-se de Patrick e estendeu as mãos para afagar as dele.

- Deve estar tão cansado – sussurrou ela. – Eu não sei o que seria de mim e de Tyler, se não tivéssemos você.

Patrick deu o seu melhor sorriso de agradecimento, sentindo as bochechas corarem.

- Sei que ele faria o mesmo por mim, Sra. Cassey.

- Faria, faria – mulher sorriu, inclinando a cabeça com aquele mesmo olhar de ternura. – É notável o quanto se amam, Patrick...

Ah, não. Ela também não...

-... e é triste ver como as pessoas reagem a esse tipo de amor. O pai dele, por exemplo...

- Sra. Cassey – interrompeu-a Patrick, sem jeito, enquanto desvencilhava-se das mãos da mulher. – Nós somos apenas amigos. Só amigos. Não nos amamos... dessa forma.

A mulher ergueu as sobrancelhas, numa demonstração exagerada de surpresa. Aquilo só fez com que o rubor de Patrick aumentasse.

- Oh – fez ela. – Oh, me desculpe, então. É que... a relação de vocês é tão bonita, que... pensei que fosse além da amizade. Que bom... hmm... você acabou de me tirar uma grande dúvida! Não que fosse problema vocês dois, hmm, você sabe. Ficaria extremamente feliz se Tyler encontrasse alguém que se importe e cuide tão bem dele quanto você, então...

- Sra. Cassey, eu preciso ir agora – apressou-se Patrick, sentindo que suas bochechas se inflamariam a qualquer momento, se aquela mulher não parasse de falar. – Estou morrendo de fome. Eu volto pela manhã, é só me ligar. Até logo. Boa noite.

Patrick saiu do quarto, carregando consigo o casaco e o celular, e não olhou para trás. Odiava aquele tipo de situação. E o pior é que eram muito frequentes. Se Tyler estivesse acordado, provavelmente diria à mãe que eram mesmo namorados, e que se casariam dentro de alguns meses, vestidos de branco e ambos segurando buquês. Para ele, aquilo também era uma piada... Mas Patrick ficava realmente irritado com essas suposições.

O rapaz entrou no elevador, sozinho, e apertou o botão para o térreo. Sentiu a pressão, quando o elevador começou a descer. Seu estômago roncou sonoramente. Precisava comer com urgência.

Desviando os olhos para o espelho, Patrick fitou-se brevemente, percebendo o quanto parecia abatido. Estreitou os olhos e aproximou-se mais do próprio reflexo, reparando na barba por fazer. Foi nesse momento que as luzes piscaram, e uma brisa inexplicável soprou em sua nuca. O rapaz ergueu os olhos para as lâmpadas, que pareciam normais, e deu uma olhada ao seu redor, procurando a origem do sopro gelado. Deve ser alguma falha no ar-condicionado, pensou. E, ao mesmo tempo em que pensava nisso, lembrava-se de Jessica dizendo para tomar cuidado, pois, em sua visão, ele morreria logo após o professor Shawn, portanto, seguindo o esquema absurdo apresentado pelo maluco do Bludworth, ele seria o próximo.

Quando a porta do elevador finalmente abriu, no térreo, Patrick sentiu-se imensamente aliviado. Havia algumas pessoas do lado de fora, esperando para entrar. Uma delas era um garotinha segurando um grande sanduíche cheio de ketchup, que esbarrava e lambuzava o boneco Ken que ela tentava segurar também. O estômago do rapaz roncou alto, diante da visão. Era daquilo que precisava. Comida gordurosa, gostosa e rápida. Nada de jantar em família... Até porque seus pais haviam se transformado em zumbis, depois da morte de Paul.

Vestindo o casaco, Patrick saiu pela porta da frente do hospital e desceu a escada em direção ao estacionamento. Fazia uma noite fria, apesar de o dia ter sido ensolarado. Caminhou até o próprio carro, e entrou nele, dando partida.

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... diga a todos como vamos arrebentar no baile.

- Quem disse que serei seu par?

- Ora, Claire, estamos ensaiando há semanas! Eu já te fiz o convite, e você aceitou...

- Só porque tem medo de convidar a...

- Shh! Vou passar esse vídeo na noite de formatura...

Liu Wong meneou a cabeça, enquanto seus olhos observavam a imagem de Claire na tela de seu computador. A moça estava diante do Colégio McKinley, prestes a embarcar no ônibus que os lavara ao aeroporto, no dia 13 de maio. No fundo, havia uma comoção de alunos carregando malas e conversando em voz alta.

- Oh, me desculpe— sibilou Claire, numa expressão sarcástica.

- Tudo bem— fez-se ouvir a voz de Liu. – Só quero que fique registrado que eu e Claire Temple seremos coroados rei e rainha do baile. Não é um palpite. Trabalhamos com fatos... Morram de inveja!

- Sério, Liu? Isso é tão fútil. Não faço o tipo dondoca rainha do baile. Sou mais uma força destruidora do que uma dama delicada; e os estereótipos asseguram que esse segundo tipo de garota é mais propensa à coroação. A não ser que seja Carrie White— Claire deu um sorriso afetado, enquanto começava a se afastar para entrar no ônibus. Ao fundo, três bandeiras hasteadas tremularam diante da entrada principal do colégio. Uma dos Estados Unidos, a segunda da Pensilvânia e a terceira de McKinley. E, por algum motivo, aquilo o perturbou.

Sentindo a boca secar, Liu deu pause no vídeo, observando a estranha coincidência. Sabia que Claire morrera após cair sobre as hastes de três bandeiras como aquelas... Seria aquele um sinal?

O rapaz chegara do enterro de Claire com uma tristeza enorme no peito. Conversar com os pais dela sobre os sentimentos da moça o deixaram arrasado. Então, depois de passar horas remoendo a memória do inesperado beijo que ela lhe dera, o rapaz sentiu necessidade de vê-la sorrir e de ouvir sua voz. Foi assim que se pegou assistindo aos vídeos que gravara para a noite de formatura. E, agora, estava apavorado com o detalhe que, até então, não havia percebido.

Liu voltou o vídeo alguns segundos, os olhos correndo por toda a tela, em busca de mais alguma coisa que pudesse ser um sinal. Mas não havia mais nada além das bandeiras... Então, sentindo-se estranhamente alarmado, procurou pelo vídeo que fizera do professor de álgebra, Jamie Shawn.

- Não vai postar isso na internet, não é?— começava o homem. Ao fundo, não havia nada além do quadro negro limpo. Estavam na sala de aula, o professor sentado à sua mesa.

- Claro que não— dizia a voz de Liu. – É só recordação.

- Ok, hmm— Shawn hesitou. – Eu vou sentir falta de vocês, bando de adolescentes rebeldes, ingratos, respondões e... incríveis. – risos. – Foi uma turma que eu me apeguei muito. Sério, agora que estou parando pra pensar, acho que vou sentir saudades mesmo. Vão me deixar em cacos, quando forem embora para ingressar nas faculdades. Vou ter que me esforçar bastante para não ter uma recaída.— risos nervosos. – Corta essa parte, ok? Foi só uma brincadeira. Eu só quero desejar sucesso e realizações a todos vocês. Vocês merecem!— o homem abre um largo sorriso, fazendo Liu sentir um aperto no coração. – É só isso.

- Só isso?

- Sim.

- Esperava palavras mais bonitas— comenta a voz de Liu, num tom apático.

- Leciono álgebra e não literatura, Sr. Wong. Vai ter que se contentar com isso.

- Ok — e o vídeo acabava.

Liu franziu o cenho, frustrado. Não conseguira identificar nada no vídeo que pudesse ser relacionado à morte do professor... Talvez o que houve no vídeo de Claire fosse mesmo uma estranha coincidência.

Decidido a comprovar sua teoria, o rapaz procurou pela notícia da morte de Jamie Shawn na internet, a fim de saber mais detalhes. Algumas notícias já relacionavam a morte do professor à de Claire Temple e ao desastre natural em O’Reoy. Sites sensacionalistas noticiavam, em negrito, que a maldição dos sobreviventes se repetia em McKinley.

Liu, no entanto, clicou em uma reportagem mais séria e técnica sobre a morte de Jamie Shawn. E, segundo ela, a polícia havia chegado à conclusão de que o professor, bêbado, havia causado a própria morte, após pisar em cacos de vidro e incendiar, acidentalmente, o corpo impregnado de bebida alcóolica. Aquilo parecia um tanto quanto improvável e vago. Além de estranho. Tão estranho quanto as circunstâncias da morte de Claire.

Depois disso, Liu voltou a assistir o vídeo. A princípio, não achou que fosse um sinal, mas depois, decidiu que podia ser sim. Apesar de soar meio forçado, o professor parecia narrar as circunstâncias da própria morte, quando dizia “Vão me deixar em cacos” e “ter uma recaída”...

- Meu Deus... – sussurrou o rapaz.

- Filho – sua mãe apareceu de repente no vão da porta, carregando uma bandeja com dois sanduíches de queijo e um copo de suco. – Já que você não quis descer pra jantar, a mamãe preparou um lanchinho. Sabe que não pode ficar sem comer... O que foi, meu bem? Parece assustado.

Liu desviou os olhos da mãe, meneando a cabeça.

- Não é nada, mãe.

- Hmm – a mulher lançou-o um olhar incrédulo. – Tudo bem. Mas coma tudo, tá bom? – dizendo isso, a mulher rechonchuda saiu do quarto, lançando um último olhar desconfiado ao filho.

Liu, por sua vez, sequer olhou para a comida. Procurou pelo vídeo em que Tyler aparecia, a fim de reforçar ainda mais suas hipóteses, antes de falar com alguém. No vídeo, Tyler e Patrick estavam na lanchonete que ficava do outro lado da rua do Colégio McKinley, a Craig’s Burgers. Era lá que a maioria dos estudantes almoçava, durante os intervalos.

Tyler foi o babaca de sempre e xingou na maioria das cenas. Em determinado momento, o rapaz loiro tomou a câmera e filmou Liu, fazendo piadinhas sobre sua fama na escola, depois de Britany e Heather espalharem o vídeo em que ele aparecia nu no vestiário.

- É ruim quando alguém usa uma câmera com inconveniência, não é?— dizia Tyler. – Pois é, eu também não gosto. Então pega essa porra e para de me filmar — enquanto o rapaz devolvia a câmera para Liu, as lentes filmaram rapidamente a grande TV que ficava num suporte acima do balcão. Na tela, um homem parecia saltar pela janela de vidro de um prédio, antes de aparecerem os dizeres: Queda Livre – nos cinemas.

Era aquilo. Aquele era o sinal. Queda Livre. A garota que saltou do prédio mataria Tyler, se não fosse a intervenção de Patrick...

Engolindo em seco, o rapaz pegou o celular e discou o número de Jessica. Ela precisava saber daquilo. Enquanto o celular chamava, Liu procurou pelo vídeo de Patrick, que, segundo Jessica, seria o próximo. Mas não havia mais nenhum em que o rapaz aparecia, então deduziu que o sinal estivesse no mesmo vídeo que o de Tyler...

- Vamos, Jessica, atende – ele discou mais uma vez, após a chamada cair na caixa de mensagem.

Liu colocou o vídeo de Tyler e Patrick de novo, os olhos vasculhando cada detalhe, em busca de algo que pudesse ser mais um sinal. Mas, estava tão extasiado que não conseguiu perceber nada... E Jessica não atendia ao telefone. Da última vez em que a vira, parecia esgotada, então, talvez estivesse dormindo.

Enquanto assistia ao vídeo pela terceira vez, algo lhe ocorreu. Patrick estava ficando no hospital com Tyler... Talvez o sinal fosse o próprio Tyler. Talvez, por causa dele, Patrick acabaria morrendo... Aquilo parecia absurdo, mas, tudo o que vinha acontecendo nos últimos dias parecia absurdo, então... Precisava fazer alguma coisa!

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Patrick finalmente avistou o grande letreiro azul do Craig’s Burgers. Lá, faziam os melhores sanduíches que já comera em sua vida. Só de pensar, sua boca enchia de água, e seu estômago ruía de desejo.

O rapaz estacionou bem de frente ao estabelecimento e apressou-se em sair do carro. Do outro lado da rua, o prédio do Colégio McKinley jazia na mais completa escuridão. Mais uma vez, Patrick sentiu uma brisa gélida eriçar os pelos de sua nuca. Então, virou-se e entrou no Craig’s Burgers, sendo assaltado pelo cheiro torturante de hambúrguer, queijo e bacon. Na pressa, não percebeu, mas havia deixado o celular dentro do carro. E, naquele momento, ele tocava, recebendo a chamada de Liu Wong...