Femme Fatale

Capítulo 7: Guarda-costas parte 2


Nikita passou a “dormir” na casa de Trácio. Contudo, ela não pregava o olho enquanto estava com ele. Preferia passar a noite andando no apartamento estreito, enquanto seu cliente dormia. Na primeira noite ela até desejou que ele caísse em tentação e tentasse atacá-la. Pois aí ela teria um bom motivo para matá-lo, sem sofrer sanções pela Section. Michael cuidou dos detalhes sórdidos, como livrar-se do cadáver. Ele colocou a defunta em um saco utilizado pela polícia e o misturou entre outros em uma funerária local. Com sorte nunca perceberiam que ela havia sido “plantada” ali.

- Eu não agüento mais isso. Eu preciso sair. - Reclamou Trácio, marcado de perto por Nikita.

- Você faz o que eu disser. Se não tivesse estragado tudo matando aquela moça, ainda teria a sua liberdade.

- A companhia de vocês nunca me falou que meus hobbies seriam um empecilho. - Trácio falou baixinho, enquanto metia as mãos por dentro das mangas do pulôver.

- O que? Seus hobbies? Você quer dizer que... que já fez isso antes? O que você é? Um serial killer?

- Não... eu apenas me divirto... de modo diferente... - Trácio não pôde falar mais nada.

Nikita o havia agarrado pela gola do pulôver e por pouco não o estrangulou. Ela o largou de uma vez, fazendo-o cair pesadamente no sofá, massageando o próprio pescoço, com uma expressão assustada na face. Nikita desviou os olhos dele. Lembrou-se da própria situação. Condenada por assassinato. Um crime que não cometeu, mas... e se tivesse cometido? Poderia ter alegado legítima defesa, pois o meliante a atacara com uma faca. Porém, o juiz não vira assim, porquê ela era uma drogada, moradora das ruas, enquanto o bandido era um veterano das forças armadas. Ela pegou a pena de morte. Enquanto isso, aquela barata humana, matava por prazer... e as pessoas encaravam isso com naturalidade. Isso era nauseante.

- Se você me machucar de novo... eu não vou mais cooperar. - Trácio choramingou.

- Você vai o que? - Nikita perguntou incisiva, enquanto colocava a bota de salto alto nas partes baixas do informante.

- Aiiii... está me machucando... - Trácio começou a chorar.

- Parillaud, pare com isso. - Michael exclamou, ao entrar no apartamento.

Nikita se recompôs. Inspirou profundamente e fuzilou Trácio com o olhar.

- É sério. Ela quer me matar. Eu tenho medo dela. - Trácio choramingou um pouco mais. - Eu não quero que ela fique comigo de novo. - Olhou magoado para Nikita.

Michael e Nikita se entreolharam.

- Tudo bem, eu tomo conta de você agora. Ela ficará na parte externa da casa. - Michael resolveu pôr panos quentes na querela.

- E não é só isso. Ela não me deixa sair de casa. Eu preciso de ar. Afinal sou um ser humano. - Trácio continuava a olhar magoado para Nikita.

- Ok! Eu saio com você esta noite. - Michael cedeu mais um pouco.

Nikita limitava-se a olhar de um para o outro. Aquilo tudo era surreal demais.

- Eu posso telefonar, Besson? - Trácio perguntou com uma vozinha meiga.

Michael limitou-se a assentir com a cabeça. Trácio levantou-se e foi para seu quarto.

- Parillaud, você não pode perder o auto-controle.

- É você quem está perdendo a noção do que é certo ou errado, Michael.

- Já disse para não chamar o meu nome.

- Sabe... tudo isso é uma palhaçada. Eu peguei cadeia, peguei pena máxima, por menos do que isso. Esse homem é um... monstro. Ele não pode ficar andando por aí...

- Não cabe a você julgá-lo Parillaud. O seu serviço é claro. Você tem apenas que zelar pela vida dele. Faça o serviço que lhe foi designado.

Nikita encarou Michael com raiva. Subitamente notou que estavam sendo observados. Virou para o lado e viu que Trácio estava parado na porta do seu quarto, olhando para eles. O homenzinho esticou tremulamente o braço segurando o celular, na direção de Nikita.

- É para você. - Ele falou num fio de voz para Nikita.

Ela pegou o celular e colocou no ouvido. Ouviu atentamente, já sabendo quem era e o que iriam lhe falar.

- Está bem. - Nikita desligou o celular e o devolveu a Trácio. Virou-se para Michael e falou numa voz gelada. - Era... nossa companhia. Eles me proibiram de machucar Trácio. Disseram que serei punida se isso voltar a acontecer.

Trácio a observava com um brilho no olhar. Um discreto sorriso se formou no canto de sua boca.

Mais tarde naquele dia, Michael e Trácio foram novamente ao night-club da noite fatídica. Nikita deveria ficar do lado de fora, mas cansou-se de ser tratada como uma cadela perdigueira. Entrou no night-club e dirigiu-se ao bar. Com sorte encontraria sua nova amiga.

- Oi Jane! - Mina cumprimentou-a efusivamente.

- Oi Mina! E aí, pronta para outra? - Nikita sorriu amigavelmente.

- Sim, minha capitã! - Mina bateu continência, ao que Nikita sorriu achando aquilo ridículo. - Já conheci muitas mulheres duronas, mas você deixa todas no chinelo.

- Isso é um elogio?

- Com certeza.

- É, eu acho que sou durona.

- Então, quer ir ao meu apartamento novamente?

- Eu bem queria, mas não vai dar.

- O que houve?

- Meu... caso... foi o que houve.

- Não me diga que ele a proibiu de passar a noite fora.

- An-hã!

- Você não deve deixá-lo mandar em sua vida. Afinal você não é uma escrava.

- É... às vezes é como me sinto.

- Você está mais iludida do que eu pensei.

Ao ouvir isso, Nikita encarou a outra sorrindo.

- Ei, me veja um drink leve, eu não quero ficar bêbada como naquela noite.

- Pois não! - Mina afastou-se sorrindo e foi preparar o drink.

Nikita observou Michael e Trácio com o canto do olho. Seu cliente estava com uma loira sentada em seu colo, enquanto Michael apenas o observava como se fosse um celibatário. Então, Trácio desfez-se da loirinha e se dirigiu ao bar também. Nikita ficou inquieta.

- Oi garçonete, eu quero uma cuba libre, pode ser? - Trácio falou com sua vozinha.

- Pois não, em um instante. - Mina respondeu sorrindo.

Mina entregou o drink de Nikita e afastou-se para preparar o de Trácio.

- Trácio, eu sei o que você está pensando. Não, de maneira nenhuma, não. - Nikita falou em um tom baixo, apenas para os ouvidos de seu cliente.

- Algum problema, Trácio? - Michael perguntou, já tomando partido.

- Não, nenhum. Eu apenas vim beber aqui no bar. - Trácio falou tranquilamente.

Nikita ficou atônita. Ela queria falar a Michael, mas encontrou o olhar gelado do outro, como se ela fosse o inimigo. Olhou para Trácio e se arrepiou ao ver o bom humor do cliente. Percebeu seus olhos gulosos em direção a Mina. Ela mais uma vez pediu ajuda a Michael com os olhos. Nikita sentia que poderia explodir. Michael percebeu seu estado de espírito, e limitou-se a se afastar para telefonar.

Nikita lembrou-se das conversas com Michael na Section, quando ele a fez acreditar que sabia toda a verdade a seu respeito, que ela era inocente, e que não merecia ser escrava do inferno que era a Section 1. Lembrou-se de Michael mexendo nos controles da gaveta, antes de falar com ela. Ela nunca poderia confiar nele, pois era tão destituído de alma quanto Operations e Madeline. Aquele tipo de gente prezava a amizade de demônios monstruosos como Gerber e Trácio, enquanto a vida de pessoas comuns e inocentes não valia nada para eles.

Nikita sentiu vontade de vomitar. Se ela tivesse coragem e bastante sangue frio, executaria Trácio agora, ali mesmo. E se Michael quisesse matá-la, que desse cabo da vida dela, isso já não era importante. Entretanto ela ainda não tinha chegado a esse ponto, de assassinar alguém tão facilmente e aceitar de bom grado a própria morte. Uma lágrima escorreu pelo seu rosto.

- Jane, você está se sentindo bem? - Mina perguntou se aproximando dela.

- ... não... eu não estou bem. Acho que vou aceitar seu convite de visitar seu apartamento, Mina. - Nikita falou tentando controlar a voz embargada.

- Tudo bem. Aguarde só uns 15 minutos, que eu conseguirei alguém para me substituir. - Mina disse isso e afastou-se.

Nikita olhou para Trácio que tinha um brilho no olhar, e bebericava seu drink.

- Parillaud, venha cá um instante. - Michael a chamou.

- Sim, Michael? - Nikita falou aproximando-se dele.

- Falei com a base. Eles não querem o envolvimento da polícia, e nem que o cliente seja contrariado.

- Se Operations pedisse minha cabeça em uma bandeja, você a daria de bom grado, Michael?

- Não faça dramas, Parillaud.

- Hah... Eu sempre achei que lhe dariam a ordem para me matar, e que você executaria por medo de Operations. Nunca pensei que você me mataria por um capricho de um cliente, apenas por que é um cão sabujo, que não sabe fazer mais nada na vida além de obedecer ordens.

- Controle-se Parillaud, ou eu terei que solicitar outro agente para substituí-la.

As lágrimas passaram a escorrer pelo rosto de Nikita. Ela afastou-se de Michael, sem lhe dar as costas. Aproximou-se do bar, enxugando o rosto e procurou por Mina com os olhos.

- Pronto Jane, podemos ir. - Mina lhe disse alegremente, mas sua alegria turvou-se um pouco ao ver Nikita chorando.

As duas se retiraram do night-club.