Femme Fatale

Capítulo 6: Guarda-costas


- Venha! Sente-se aí. Espere um minuto. - Michael, o super agente da unidade para-militar chamada Section 1, deu instruções para a jovem loira a sua frente.

Michael abriu uma gaveta e ativou alguns aparelhos camuflados em sua escrivaninha. A loira musculosa o fitava com admiração e ansiedade mal contida. Ela esperava que Michael finalmente lhe contasse o segredo de sua condenação ao inferno que era a Section 1.

- Pronto. Agora podemos conversar. - Michael a avisou em um tom calmo e protetor.

- Vo-você... Vai gravar nossa conversa? - Nikita, a jovem agente loira perguntou um pouco confusa.

- Não, pelo contrário. Eu criei interferência para que os aparelhos, de escuta e gravação de vídeo, não possam registrar nossa conversa. Só minha sala tem essa proteção.

- Você quer dizer que... todos os lugares da Section são vigiados?

- ...

- Puxa! Esse pessoal é mesmo paranóico. - Nikita sorriu, mas ao não receber um sorriso de volta de Michael, ficou encabulada. - Desculpe!

- Você me perguntou se eu sabia que era inocente desde o princípio. A resposta é sim. Digamos que a Section tem meios de recrutamento, que... bem, são pouco ortodoxos. Eles procuram por jovens violentos, inteligentes e com sangue-frio suficiente para executar seu trabalho sujo. Você se enquadrava direitinho.

Nikita ficou de pé com estrépito, derrubando a cadeira.

- Desculpe... - Ela ficou encabulada mais uma vez. Procurou mover-se com segurança e levantar a cadeira. A seguir sentou-se educadamente. Fuzilou Michael com o olhar. - Você está me enrolando Michael. Eu não quero saber da Section. Eu quero saber do meu caso. Eu fui condenada por assassinato. Fui acusada de matar um homem a sangue-frio. Eu. Não. Fiz. Isso.

- Também cheguei a mesma conclusão.

- Você então ... não sabe nada de concreto... você apenas acha que eu sou inocente. - Nikita segurou as lágrimas que ameaçavam derramar. Ficou de pé mais uma vez sem derrubar a cadeira, e saiu da sala encarando Michael com mágoa e desespero.

Michael ficou sentado olhando o vazio. Automaticamente abriu sua gaveta e mexeu alguns botões. No mesmo instante o interfone entrou em ação.

“Já acabou com Nikita, Michael?”

- Sim, Madeline. - Ele respondeu apertando o comunicador do interfone.

Michael levantou-se e olhou pela persiana de sua sala. Observou Nikita desnorteada tentando não conversar com ninguém, e aparentar calma e auto-controle. Ele parecia triste e compadecido com a sorte dela.

...

Algumas semanas depois, Nikita e Michael receberam uma missão. Deveriam ser os guarda-costas de um indivíduo do submundo que era informante da Section. Seu campo de atuação seria na Bulgária. Tiveram que aprender a falar búlgaro básico, e a reconhecer os grupos para-militares locais, além de estar a par dos relatórios sobre atividade terrorista na região. Seus codinomes eram Besson e Parillaud.

Ao chegarem em Sofia, foram a um ponto turístico, a igreja de Hagia Sofia, onde entrariam em contato com o cliente. Seu nome era Sean Callery, codinome Trácio. Nikita e Michael estavam de sobretudo e cachecol. Vestiam-se com sobriedade. Entraram e sentaram-se em um dos últimos bancos da igreja gótica. Um homem baixo, de sobretudo surrado, com um gorro esgarçado na cabeça, veio ao encontro deles.

- Oi, como vão? Dá pra ver que vocês não são daqui. Prazer! Meu nome é Trácio. - Falou o sujeito pálido, um pouco roliço, de cabelos cacheados oleosos.

Nikita e Michael entreolharam-se.

- Somos Besson e Parillaud. Fomos designados para sermos seus guarda-costas. - Falou Michael.

- Ótimo! Vamos então. - Falou o homenzinho sorrindo muito.

Michael e Nikita seguiram o sujeito sem entenderem porquê requisitaram agentes altamente treinados para proteger aquele homem, e não guarda-costas locais. Eles deveriam ficar ao lado daquele indivíduo por três dias, que era o tempo em que ele colheria importantes informações para a Section. Depois deveriam escoltá-lo a outro país, onde ele assumiria outra identidade. Ficariam hospedados em um hotel local, e se alternariam na vigilância da casa do informante, sendo que agiriam juntos, quando ele se expusesse em público.

Decidiram que naquela noite, Nikita e Michael acompanhariam Trácio em um clube noturno, e Michael faria a vigília daquele primeiro dia. Tudo saiu como o combinado, sendo que Trácio ficou no bar, abordando mulheres incautas com uma conversinha mole, enquanto Michael e Nikita ficaram em uma mesa não muito distante, como turistas.

- Tudo bem Parillaud? - Michael perguntou.

- Tudo. Não precisa me chamar desse jeito. Oh... Desculpe! Esqueci que há escutas em toda parte. Podemos estar sendo espionados. - Nikita falou irônica.

- Eu não tenho culpa de seu mau humor.

- Se pensasse assim, não ficaria o tempo todo me perguntando se eu estou bem. - Nikita olhou-o furiosa e se levantou da mesa. Foi para o bar.

Michael a observava preocupado.

Nikita sentou-se no banco alto do bar. Uma jovem barwoman veio servi-la.

- Pois não?

- Um Manhattan, por favor.

- Ok!

A barwoman albina com um pássaro tatuado na nuca preparou o drink.

- Gostei da sua tattoo.

- É. Todos gostam. Aqui está. Vá com calma. Manhattan é doce e engana, mas é uma bebida forte.

- Eu estou precisando disso. - Nikita começou a bebericar seu drink.

- Desculpe me intrometer. Acaso o cavalheiro que lhe acompanhou é a razão de seu estado de espírito?

Nikita encarou a jovem albina com um ar de alerta.

- Não se preocupe, eu sou discreta. Você não é a primeira, nem a última a sair com um homem casado.

- Você é muito perspicaz. - Nikita ponderou, prestando mais atenção na jovem. Ela estava suavemente maquiada e usava uma roupa masculina, porém colante ao corpo, o que realçava suas curvas.

- Ei Parillaud, eu acho que já vou. Arranjei uma companhia. Não vou passar o resto da noite aqui. Vamos! - Trácio veio lhe comunicar muito alegre que havia feito uma conquista.

- Eu não vou com você. Besson é quem irá. - Nikita falou a meia-voz para o cliente.

- Sendo assim, então tudo bem. Tenha uma boa noite, porquê a minha será divina. - Trácio se despediu.

Nikita ficou observando-o enquanto ele se retirava com uma local e Michael.

- Você não quis sair com seu amigo. Parece que eles vão se divertir a valer. - A jovem albina a tirou de sua concentração.

- Eu não estava interessada nessa diversão.

- Está ficando inteligente.

- E você? Como é seu nome?

- Pode me chamar de Mina. Os estrangeiros não conseguem pronunciar meu nome.

- Pode me chamar de... do que quiser. Eu não gosto do meu nome.

- Ok! Que tal então... Jane. Você tem cara de Jane.

- AHAHAH! Realmente? Então Mina, o que as garotas fazem para se divertir por aqui?

...

No dia seguinte, Nikita acordou em uma superfície fria e lisa. Ela rapidamente abriu os olhos e tentou se levantar. Sua cabeça latejou e ela sentiu náuseas. Fazia tempo que não se sentia dessa forma, não depois que passou a ser adestrada pela Section. Ela nunca mais havia acordado de ressaca. Percebeu que dormira em uma banheira de metal esmaltado. Ficou de pé e tentou se lembrar de onde estava e como chegara até ali. Era um apartamento no estilo europeu decadente. Alguns móveis velhos. Decoração antiga e doméstica, como se tivesse voltado ao século passado.

Nikita ajeitou as roupas e procurou por sua bolsa. Ela a encontrou no chão atrás de uma mesinha redonda, com véu branco cobrindo-a. Abriu e conferiu seus pertences. Todos os documentos falsos estavam ali. Até o dinheiro continuava ali. Nikita andou a esmo até chegar em uma porta. Abriu e percebeu que era o quarto de uma mulher. Mina, a barwoman albina, estava deitada semi-nua em uma cama de casal. Nikita aproximou-se e olhou em volta. Roupas estavam espalhadas pelo chão, e uma garrafa de vinho estava vazia, tombada no chão. Duas taças de vinho, sujas e viradas, como se alguém estivesse numa disputa. Nikita sorriu. “Eu ganhei.”

Nikita procurou uma manta e cobriu sua nova amiga. Depois saiu pé ante pé, e foi embora. Já na rua, o sol a pino fez com que ela enxergasse manchas coloridas, lhe turvando a visão. Procurou por óculos de sol em sua bolsa. Pegou um táxi e foi para o hotel. Ao entrar em seu quarto de hotel, foi violentamente agarrada e encurralada na parede. Michael dera um chave em seu braço com uma mão, e com o outro antebraço prendeu seu pescoço, dificultando sua respiração. Nikita o olhou horrorizada.

- Nunca mais faça isso. Você não é uma pessoa normal. Você é propriedade privada. Se você sair da linha outra vez, eles vão cancelá-la. Você está me entendendo Parillaud?

- Sim... Estou...

Michael a soltou. Afastou-se um pouco e ajeitou os cabelos.

- Eu só não dei uma joelhada nas suas partes baixas... - Nikita tentou argumentar.

- Cale-se!

- Desculpe!

- Está desculpada.

- Eu saí um pouco para me distrair...

- Não quero saber. Não é para mim que você fará um relatório.

- Você deveria estar com o cliente, e não me esperando chegar em casa. - Nikita falou de cabeça baixa, erguendo apenas um pouco os olhos.

Michael nada falou. Colocou as mãos na cintura e foi até a porta do closet. Abriu expondo o interior. Trácio estava lá dentro, amarrado e amordaçado. Nikita ficou chocada. Ela olhou para Michael e foi até o cliente, tirando-o do castigo.

- Eu irei contatar os seus superiores. Isso não vai ficar assim. - Reclamou Trácio, fazendo massagens nos pulsos e nas pernas. Ele procurou a porta de saída. No mesmo instante, Michael sacou sua pistola e a destravou, mirando em Trácio.

- Parado! Você não sai daqui. - Michael falou em um tom baixo, mais firme.

- Michael! O que é isso? - Nikita perguntou atônita.

- Sente-se Trácio. E se não se comportar, vai voltar para o armário.

O cliente obedeceu como um meninozinho de cabeça baixa.

- Por favor Parillaud, me chame de Besson. - Michael instruiu Nikita.

- O que deu em você? Por que está agindo assim?

- Ontem à noite, quando eu acompanhei Trácio até a casa dele, fui impedido de entrar. Ele me disse que queria privacidade. Eu passei a madrugada na rua, vigiando o apartamento dele. Pela manhã resolvi entrar, para checar sua integridade. Ele assassinou a acompanhante dele.

- O que? - Nikita ficou chocada. Olhava para o homenzinho gordinho, temeroso e quieto como um meninozinho que fez arte. Ela nunca poderia imaginar que ele fosse capaz de matar.

- Eu contatei nossa base, e contei o ocorrido. Eles me pediram três horas para deliberar. Já passou da hora para entrar em contato com eles. Faça isso Parillaud. Eles gostarão de ouvir sua voz.

Nikita pegou o celular que Michael lhe entregou. Discou alguns números e esperou o contato.

- Alô! Parillaud falando... Sim... Sim... Está bem. - Nikita desligou o celular.

- Então? - Michael inquiriu.

- Eles querem que continuemos com o plano original. Não querem que envolvamos a polícia nisso. Querem que façamos o cadáver desaparecer.

- Está bem. - Michael deu um longo suspiro e guardou sua arma.

- Mi... Besson, eu tomo conta dele agora. Enquanto estiver comigo, não matará ninguém.

- Tudo bem Parillaud. Lembre-se apenas que estamos aqui para proteger o cliente.

Michael e Nikita olharam para o homenzinho como se fosse uma barata. Ele procurou não encarar muito seus guarda-costas. Tentou dar um sorriso, mas desistiu, preferindo olhar as próprias mãos no colo.