PALAVRAS DE LARA PACHECO

Naquele fim de semana, como prometido, Douglas e eu fomos à praia para que eu pudesse conhecer seus amigos. Era noite, num horário comum em que os roqueiros costumavam se encontrar. Algumas pessoas traziam violões e ficavam tocando enquanto o sol se punha. Outros se drogavam, e outros faziam as duas coisas.

— Você não faz isso, né Doug? — perguntei, enquanto caminhávamos pela orla da praia de Copacabana a procura de sua turma.

Eu apontei para uma garota de aparentemente dezesseis anos que fumava algumas pedras num cachimbo especial, escorada em um dos bancos do calçadão. Ela estava com uma camiseta de alguma banda nacional.

— Aqui ou acolá eu fumo um cigarrinho especial. — respondeu, finalmente, na maior cara de pau — Mas se você quiser eu paro. — ele apertou fortemente minha mão e continuamos caminhando.

Chegamos a um local do calçadão onde haviam três pessoas reunidas: dois rapazes e uma garota, que pareciam ter entre dezessete e vinte anos. Ambos usavam roupas escuras e maquiagem bem pesadas.

— E aí, galera — Douglas cumprimentou os dois caras com um aperto de mãos e a garota com um beijo no rosto. Não liguei. — Essa aqui é a minha namorada, a Lara. Lara, esses aqui são o Lupe (ele era o mais velho, tinha uma barba longa e os cabelos longos, mas cacheados) o Valentim (um careca cheio de piercings) e a Bárbara (uma morena com cara de metida).

Cumprimentei os três e, em seguida, tomamos o carro de Doug e fomos até um festival. Tocava algumas músicas de metal, as quais eu não era muito fã. Contudo, os amigos de Douglas eram legais e a conversa estava boa.

— Eu vou lá pra frente curtir um pouco. — disse Lupe, levantando-se da mesa onde estávamos e indo para próximo ao palco, onde havia alguns metaleiros balançando a cabeça e rodopiando seus cabelões.

O garçom finalmente trouxe as cervejas que pedimos, sem nem perceber que só uma pessoa sentada àquela mesa era maior de idade. No caso, o Valentim.

— Eu vou ao banheiro. — avisei, levantando-me em seguida.

— Eu vou com você — ofereceu-se Bárbara — você não conhece nada por aqui. O melhor é que a gente pode bater um papo mais feminino, longe desses marmanjos, né?

Douglas olhou torto para Bárbara. Seguimos para o banheiro.

***

O banheiro estava vazio. Bárbara foi para uma das cabines enquanto eu fiquei em frente ao espelho retocando a maquiagem. De lá, escutávamos o som abafado da banda que tocava no pequeno festival.

E aí, Lara... gostando do festival? — perguntou de dentro da cabine. Sabia-se lá Deus o que ela estava fazendo lá.

— Não curto muito metal. — respondi — mas estou curtindo a companhia de vocês.

Bárbara fez silêncio por alguns segundos. Eu estava com medo.

E há quanto tempo você conhece o Douglas?

Estava achando o tom da fala dela um pouco indigesto e um tanto parecido com um interrogatório. Acabei de retocar a maquiagem e fiquei escorada na pia, esperando a garota sair da cabine, pois não queria parecer arrogante, embora quisesse sair dali o mais rápido possível.

— Desde criança. — respondi — Estudávamos juntos em Fortaleza, mas ele teve que vir pro Rio e perdemos o contato.

Ah, saquei... Foda...

Ouvi um baque forte de dentro da cabine. Parecia alguém caindo. Talvez Bárbara estivesse passando mal e eu não havia percebido.

— Cê tá bem? — nenhuma resposta — Bárbara, você tá legal? — comecei a bater na porta da cabine e a cada batida eu me desesperava, pois não tinha nenhuma reação da parte dela. Resolvi abri-la.

A garota estava sentada no chão, com um dos braços em cima da tampa abaixada da privada. Uma seringa com um pouco de sangue estava em sua outra mão, a qual parecia estar perdendo os reflexos, pois lentamente Bárbara desprendia a seringa dos seus dedos. Sua face estava estampada com um sorriso, parecia de alívio ou sei lá o que aquela garota estava sentindo.

Assustada, saí rapidamente do banheiro para pedir ajuda aos garotos.

***

— Porra, Lara, relaxa! Daqui a pouco ela tá de volta. — disse Lupe, que estava pingando suor. Tomou um copo de cerveja e voltou para perto do palco.

— Ela só usou um pouco de heroína. Bárbara tem essa mania antes de curtir um show de metal. — explicou Valentim. — fica de boa, senta aí , curte a música... toma uma cervejinha...

Douglas tentou me abraçar e eu me afastei.

— Que foi?

— Douglas, eu quero ir embora daqui. Eu tô assustada, cara! Se isso é normal pra você, pra mim não é.

Ele riu.

— Lara, o festival tá só começando. Daqui a pouco a gente vai lá pra frente encontrar o Lupe e curtir um pouco de metal! Serio, amor, cê vai gostar.

Ele tentou me abraçar de novo, mas não conseguiu.

— EU QUERO IR EMBORA AGORA! — gritei. Tanto Doug quanto Valentim ficaram assustados. — Se você não for comigo eu juro que vou sozinha.

Douglas arqueou uma das sobrancelhas e finalmente me encarou:

— Ah, é? E como vai voltar? — perguntou, cruzando as pernas e olhando fixamente para mim.

As chaves do carro de Doug estavam em cima da mesa junto com sua carteira e seu celular. Peguei a chave e saí correndo. Ao perceber o que eu havia pegado, saiu correndo atrás de mim.

Fui mais rápida e entrei no Chevette antes que Doug e Valentim me alcançassem. Coloquei a chave, girei e ouvi o barulho do motor. Eu estava realmente disposta a fugir dali.

— Lara! Lara, abre essa porta, pô! — Douglas batia na janela do velho carro. — Por favor, meu... Eu tava brincando! Eu ia pra casa com você.

Suspirei e finalmente abri a porta. Douglas se despediu de Valentim e entrou no carro. Fui para o banco do carona, dando o espaço para ele dirigir.

— Me desculpa. Acho que exagerei.

Doug ficou em silêncio. Finalmente fomos embora.

PALAVRAS DE GABRIELA CARVALHO

Meses depois. Segunda-feira. Mais uma semana começava, e com ela, as provas finais. A parte boa era que nós sairíamos cedo e a parte ruim era que eu não havia estudado.

Como eu cheguei primeiro na escola, guardei o lugar do Márcio QI na minha frente, para futuras pescas. Valeska ficou indignada.

— Ah, é, né Gabi? Só guarda o canto do Márcio. Deixe quieto.

Márcio ainda não havia chegado e os únicos lugares vazios eram o que eu havia guardado para ele e uma cadeira lá no fundo da sala. Valeska se dirigiu para lá, com a cara emburrada.

QI chegou. Estava com a cara enfiada no livro de Biologia.

— Aqui, amigo! Guardei seu lugar. — falei.

— Poxa, obrigado. Perdi o tempo enquanto estudava.

Márcio se sentou e o sinal tocou. Era hora dos aplicadores entregarem as avaliações. Eu não havia estudado, mas minha nota dez em biologia já estava garantida, bastava eu esticar o meu pescoço um pouquinho para frente e voilá, o gabarito estaria lindíssimo na minha frente.

Com as provas em mãos, o aplicador começou os blablablás de sempre:

— Boa tarde, segundo ano. — o aplicador pegou a pilha de provas e deu duas batidinhas com elas na mesa — BOA TARDE?!

— Boa tarde! — todos gritaram.

— Desliguem os celulares e guardem o material embaixo da carteira. Ao lado da prova eu só quero lápis, borracha e caneta azul ou preta para marcar o gabarito. E nada de usar corretivo.

O homem deu uma olhada geral na sala e, quando eu achei que ele fosse finalmente entregar as malditas avaliações ele apontou para mim e disse:

— Você, mocinha.

Pequeno ataque do coração. Eu não estava colando. Ainda. O que eu fiz?

— E-eu?

— Sim. Troque de lugar com... — ele apontou para Valeska, sentada lá no fundo da sala — com ela.

— Mas por quê? — perguntei, entristecida.

— Você tem fama, Gabriela Carvalho. Agora não discuta comigo e vá para onde eu mandei.

Valeska já estava de pé. Ela me deu língua enquanto eu me dirigia para o lugar ordenado pelo aplicador. Fiz a prova naquele estilo Chico Xavier (coloca a mão nos olhos e sai marcando o gabarito como se não houvesse amanhã).