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Caindo o Último Neurônio


PALAVRAS DE LARA PACHECO

(Música: Phill Veras - Vício)

Mesmo diante de algumas discussões por causa das amizades de Douglas, e também depois do acontecido naquele dia, Doug e eu continuávamos nos entendendo do nosso jeito. Saíamos para trabalhar sempre pela manhã, e nos encontrávamos no flat no final do dia.

O serviço na livraria consistia em tirar exemplares das caixas, colocar nas estantes de acordo com as categorias, colocar preços, às vezes ficar no caixa e, raramente, servir cafezinho para o dono da livraria, o que eu achava meio fora do que havia sido combinado quanto ao serviço.

Naquele dia, meu celular tocou no meio do serviço. O número estava inibido, o que me fazia ficar mais curiosa para saber quem era, embora estivesse temendo que meu pai ou Sheila estivessem me procurando.

— Alô. — falei.

Não escutava nada do outro lado da linha, a não ser uma respiração muito ofegante, meio asmática. Lembrei-me imediatamente que meu pai poderia ter colocado alguém para rastrear a ligação e desliguei.

PALAVRAS DE MÁRCIO FERRARI

Eu sentia ainda saudades dela. Desliguei o celular rapidamente quando ouvi sua voz pelo telefone.

Eu não sabia ainda o que estava acontecendo comigo. De repente, de uma hora para outra, subitamente, meu coração batia de outra forma quando pensava naquela garota.

O que era aquilo? Em toda a minha vida não tinha sentido nada igual.

— Márcio, o que você tá fazendo escondido aí? — Gabi e Valeska me encontraram sentado atrás do muro da cantina da escola. Como eu terminei a prova primeiro que elas, pude sair logo da sala de aula.

Escondi rapidamente o celular no bolso.

— Ei, o que é isso aí? — Gabi perguntou, vasculhando o bolso cujo eu acabara de mexer. — Hã? Você tá com celular?

Tomei o celular das mãos de Gabi e elas ficaram me encarando por algum tempo, até que eu abaixei a cabeça.

— Quer dizer que tá com segredinho pro lado das suas melhores amigas, né? Tá certo, Márcito QI. Se não queria mais falar seus segredos pra gente por que não avisou a mim e à Valeska?

Aquela pressão psicológica de Gabi Carvalho estava me deixando maluco.

— Por que eu não quis. — me sentei num banquinho que havia no local com o rosto apoiado em mãos.

— Beleza. Parece que você não tem consideração às suas amigas. — disse Gabi, num tom sério — Você está me saindo tão ingrato quanto a Lara. E não é de hoje, Márcio QI Ferrari.

— NÃO FALA DA LARA! — bradei. Em seguida, coloquei minha mochila nas costas e saí.

***

PALAVRAS DE GABI CARVALHO

Márcio QI ficou sem falar comigo pelo resto da semana e depois que acabaram as aulas, a recuperação (eu fiquei em Biologia e a Valeska não ficou) e entramos de férias ele simplesmente sumiu. Eu não entendi os chiliques dele. Eu sei que ele sempre foi fresco e tal, mas eu só queria saber o porquê de ele ter escondido um maldito celular de nós.

— Será que tem alguma coisa a ver com a Lara? Pode ser que ele tenha comprado um celular só pra falar com ela. — comentou Valeska, enquanto eu alisava com uma prancha os cabelos dela.

— Eita, agora senti o cheiro de queimado. Não sei se foi o seu cérebro que voltou a funcionar ou é o cheiro dos seus cabelos por causa da prancha. — brinquei — eu não tinha pensado nisso, mas pode ser, viu.

— Ou então, Gabi, pode ser que... Sabe, quando a gente vira moça... A gente...

— Sim, a gente fica bode, fica menstruada, o que é que tem?

— Será que o Márcio QI tá virando homem? Será que os meninos ficam “menstruados” também?

Bati fortemente com a prancha na cabeça da Valeska.

— AAAAAI, sua cachorra! Doeu, viu? — queixou-se.

— Mulherzinha, às vezes eu acho que tu não tem quase dezessete anos, sabia? Acho que o seu cérebro, Valeska, ficou lá na alfabetização e esqueceu de se desenvolver. É só ele começar a funcionar que ele pifa.

— Poxa, o que foi que eu fiz?

— Se menino menstruasse eles com certeza tratariam a gente melhor e saberiam também o que nós mulheres passamos. — falei.

— Espero que daqui a algum tempo eles possam ficar grávidos. Minha mãe sempre diz que a dor do parto é a dor da morte.

Eu ri.

— Valeska, mulher, tu tem uma imaginação tão fértil! Já pensou em ser escritora, nem que fosse no Nyah! Fanfiction?

***

(Música: I’ll Be Your Man – James Blunt)

Tiramos aquele dia para irmos à praia. Valeska foi só pra fazer charme e pegar um bronzeado, já que havia esticado os cabelos à força.

— Teu cabelo tá parecendo uma palha. — falei, enquanto estirava uma toalha na areia.

— Recalque seu, Gabi. Tá morrendo de inveja por não ter cabelo liso.

— Liso e falso?

Colocamos nossos óculos escuros e observamos a movimentação na praia. De repente, alguns caras saradões passaram na nossa frente. Eram jogadores de futebol que corriam em fila indiana pela orla seguindo as ordens de um treinador.

Vamos, mocinhas! Vocês são homens ou ratos? — gritava o treinador.

Valeska se levantou e sentou rapidamente na areia ao observar um dos caras. Parece que ela já o conhecia de algum lugar.

— Gabi, acho que vou dar um mergulho... A água parece estar tão gostosa hoje...

Não falei nada. Valeska ficou de pé e saiu correndo em direção ao mar. Até que esbarrou de propósito em um dos bonitões. Antes que ela caísse, ele a segurou, deixando a garota bem próxima ao seu corpo (suado/sem camisa).

— Oh, sorry... — disse Valeska, envergonhada. Não, ela não é uma daquelas patricinhas que misturam o inglês com a nossa língua materna — mim não saber falar tua língua.

— Como não? — o jogador se espantou — Eu conheço você, daquele dia lá na academia. Você estava sendo assaltada e eu coloquei o ladrão pra correr.

A tonta foi pega na mentira.

— Sério que você se lembrou de mim? — ela sorriu, jogando mais charminho pra cima dele.

— Claro, como não me lembrar desse sorriso lindo?!

Os dois ficaram se olhando por um tempinho, até que o treinador apareceu e deu um belo cascudo no jogador.

— Isaac Sanches, sua anta! É só aparecer qualquer rabo de saia e você já vai logo perdendo o foco, né? Bora, rapaz, ou eu faço você correr por mais meia hora, e lá na areia quente.

Ele olhou para ela e acenou. Um “a gente se vê por aí” sem ter de usar palavras. Valeska voltou para onde eu estava, sem ter nem entrado na água.

— Ai, amiga... acho que encontrei o homem da minha vida! — suspirou. — Isaac... Isaac...

— Aff, mulher, se preserva! De onde tu conhece essa anta bombada?

— No dia que você e o Márcio QI me deixaram do lado de fora da academia, um cara veio tomar meu celular, mas esse príncipe apareceu e me salvou! — suspirou novamente — Ai, Gabi, e eu nem te conto! Eu acho que o ladrão era o João Paixão. Lembra dele?

E como não se lembrar do João Paixão? Ele era amigo do Douglas Loreto, aquele namoradinho que Lara teve quando estávamos no primário. O menininho já era mirim desde aquele tempo, quando foi acusado pela própria Lara de ter roubado o celular dela. Ele deixou a nossa escola no final daquele ano, quando não tivemos nem notícias dele e muito menos do tal Douglas.

— Valeska... Você se lembra daquele cara, muito amigo dele? O Douglas Loreto?

— Claro, aquele que tinha o cabelão! A professora disse que ele foi morar no Rio de Janeiro. Eu me lembro que a Lara ficou triste por uns dias por causa disso.

Subitamente as imagens de Lara e eu perdidas naquela estrada do Rio de Janeiro depois de sermos abandonadas pelo motorista do ônibus vieram à minha mente. O cara do Chevette preto que nos dera carona. O rosto dele nos era tão familiar! Cabelões, olhos tão negros, fundos... ERA ELE! “Anjo” era Douglas!

— VALESKA!!! Eu acho que tô pegando tua doença!

— Eu não tô gripada!

— Ai, ai... Amiga, eu sei com quem a Lara tá lá no Rio. É com o Douglas, criatura! Foi ele quem nos deu carona quando estávamos perdidas na estrada. Foi ele! Ai, como eu fui burra e não percebi que era ele! — bati na minha testa.

— Mas e o que a gente faz?

— Vamos procurar o Márcio QI e contar tudo a ele. Daí a gente aproveita e pede desculpas àquele fresco. Levanta o popozão seco daí e vem comigo.

Valeska se levantou, mas ficou olhando para onde Isaac tinha ido, esperando que ele voltasse.

PALAVRAS DE MÁRCIO FERRARI

Minhas férias no final de 2011 se resumiam em passar o dia todo trancado no quarto fazendo fotossíntese. Tá, transformando oxigênio em gás carbônico ou, para os menos experientes, respirando.

O notebook estava ligado enquanto eu jogava Counter Strike. Havia alguns pacotes de salgadinhos jogados no chão, pratos e talheres também. Eu não costumava fazer aquilo, pois sabia que poderia criar uma colônia de bactérias e tal... Mas eu estava numa fossa só. E tudo por ter ouvido a voz da Lara pelo telefone e, claro, por ter brigado com a Gabi e com a Valeska.

Ouvi três batidinhas na porta. “Porra, esqueci de trancar com a chave”, pensei. Também pensei em estar pensando palavrões demais.

— Oi amigo!!! Que saudades de você! — Valeska e Gabi entraram no meu quarto, se jogaram na minha cama e me abraçaram.

— Poxa, gente! Cês vão quebrar meu notebook! — falei, me mordendo de ódio.

Valeska puxou o notebook para si e abriu a tampa. Quase caiu pra trás quando viu o papel de parede.

— Gente! Tô passada! Então você gosta mesmo da Lara, Márcio? A ponto de colocar a foto dela no papel de parede do seu notebook sagrado?!

Cobri-me com o lençol e falei:

— Vão embora. Não quero falar com vocês duas.

— Eu sei onde a sua queridinha está e com quem ela está. A gente pode trazer ela de volta pra Fortaleza. — disse Gabi, pegando meu notebook e logando na sua conta do Facebook.

— O que cê tá fazendo?

Ela ficou em silêncio, procurando por uma pessoa na caixa de busca da rede social.

— É ele! — ela me mostrou o computador. — Douglas Loreto, o mesmo que estudava com a gente no primário.

Gabi propôs que nos uníssemos à Sheila, que queria mais do que tudo trazer Lara de volta por algum motivo, para darmos o endereço de Douglas Loreto a ela. Fiquei desolado. Jogar sujo pra ter a Lara de novo?