Fate / Chain Reaction

Vítimas do passado: Outros sobreviventes


Eu olhava pela janela do edifício a noite calma, acariciava lentamente minha barriga que ainda não estava saliente. Estava grávida de 3 meses e esperava inquieta o dia seguinte para poder buscar meu marido no hospital, no qual ele estava após sofrer um atropelamento por um caminhão. A minha inquietude não era só por causa da ansiedade, mas por estar sobressaltada a respeito desta cidade desde algumas semanas por causa de eventos incomuns: Crianças desaparecendo, prédios desabando, pessoas desmaiando ao lado de rios e barcos naufragando como se tivessem sido afundados por um torpedo. Eu sabia que havia algo grande ligado a magia acontecendo.

Queria fugir por ter um pressentimento ruim, mas o que está me segurando é o acidente do meu marido pois eramos estrangeiros no país e eu não poderia abandoná-lo, seria um ato de covardia, assim como ele também poderia precisar da minha ajuda. Não havia pessoa melhor do que eu para nos proteger, afinal eu não podia contar com a Associação de Magos. Muito provavelmente me trancafiariam se soubessem da minha existência, então só podia contar comigo mesmo e meus familiares — estendo a mão e uma abelha pousa — para garantir a segurança de nossa família.

Meus sentidos estavam disparados, por conta da gravidez eu estava sensível demais, ao ponto de atrapalhar meu julgamento na detecção de mana e pra dificultar ainda mais, em toda a cidade praticamente estava havendo anomalias. Também pude sentir a presença de diversos Executores da Igreja e agentes da Associação de magos através de meus familiares, mas não podia fazer nada além de usar o Código Místico: Resina de Abelha pra ocultar minha presença como maga; Nesta noite em especial algo grande estava para acontecer e convergia a pouco mais de meia hora para o shopping de Fuyuki, fiquei assustada e já estava preparada esperando o taxi, passaria a noite no hospital até que tudo se acalmasse.

Não resisti a ansiedade e desci para esperar o taxi na frente do prédio, levando comigo apenas uma bolsa com o básico e uma pequena quantidade oculta de familiares para emergências. A portaria estava vazia com uma plaquinha “volto logo”, o céu estava limpo e aparentemente tudo muito calmo, a vista para o shopping era possível ainda. Estava conferindo se peguei toda a documentação quando um clarão chamou minha atenção, olhei imediatamente para o shopping e pude ver que uma explosão arrancou o teto. Eu já estava preparada para fugir quando olhei para o céu e observei aterrorizada: Havia uma espécie de lua em eclipse no céu, não, um buraco propriamente dito rodeado de uma espiral de nuvens escuras. Foram poucos segundos e ele começou a despejar um líquido que por onde tocava incendiava e avançada com velocidade assustadora até mim, mas não apenas isso... Sentia algo terrível, uma energia densa como se gritos caminhassem ao meu encontro! Sem pensar eu corri para dentro do prédio até os elevadores, não com o intuito de me abrigar apenas no edifício, algo me dizia que aquilo era demais para simples concreto conter.

Entrei no elevador e fechei a porta, liberei meus familiares da bolsa e comecei a providenciar minha real proteção. Eles voaram para as paredes do elevador e ao redor da caixa de metal, liberando resina e o envolvendo rapidamente. Enquanto isso eu recitava palavras tocando as paredes, provocando o crescimento e solidificação mais rápida da minha maior defesa: A Fortaleza da Ninfa Real. Nela eu estaria isolada de qualquer ação física ou taumaturgia, principalmente por estar grávida.

Poucos segundos depois tudo tremeu, o elevador tombou e tudo ficou escuro, mas ao contrário do que possa se imaginar eu mal me movi dentro do meu pequeno “forte”, apenas fui obrigada a ficar ajoelhada. Podia sentir pancadas contra a parede, agora teto, que tiveram o som diminuído ao ponto que a “trava” ficava mais forte, provavelmente eram escombros pesados. Meu coração disparou pois também podia ouvir gritos de longe, mas era impossível haver tantas pessoas ao meu redor, a presença maligna também foi “abafada”. Continuei o processo de solidificação até que não pudesse ouvir ou sentir mais nada lá fora, poderia então me acalmar e esperar que tudo lá fora dissipasse.

Passados alguns minutos eu já me acalmava e produzi um simples globo de luz, começava a pensar em como sairia de lá sem ser notada, ou mesmo se já era seguro deixar o casulo. Também lamentava não poder ter trazido ninguém comigo, mas ocorreu tudo tão rapidamente que acho que não teria tempo nem de salvar o porteiro se ele estivesse em meu caminho. Neste ponto eu agradeço por John, meu marido, estar longe, queria que se a imprensa já começasse a noticiar, ele soubesse que nós, eu e o bebê, estamos bem. Juntava meus braços no meu ventre, apenas esperando e rezando para que tudo terminasse bem.

Justamente quando começo a me acalmar, é quando uma abelha cai no chão e enegrece até virar cinzas, seguidas de várias outras. Olho para cima e meu coração dispara, no teto e nas paredes laterais começam a surgir manchas negras com coroas laterais incandescentes, como se houve maçaricos contra as paredes forçando a passagem. Em alguns segundos tudo a minha volta fica negro, a luz que produzi se estingue e milhares de vozes de desesperos e gritos enchem a minha mente, uma dor insuportável percorre todo o meu corpo, como se milhares de mãos emergissem do chão e das paredes sólidas, me agarrando e esmagando meus membros seguido do meu pescoço, eu desejava fugir, mas simplesmente não podia. Lutei e me debati ao máximo, mas já estava me esgotando antes mesmo de começar a tentar, pois milhares de coisas corriam pela minha mente como se uma descarga elétrica de informações e sentimentos passassem entre minhas têmporas e irradiassem para todo o meu corpo. Crimes, crueldades, pecados, assassinatos, atrocidades... Tudo que eu pudesse imaginar ou não como mazela do mundo, invadia meus pensamentos como lava e deixava apenas as cinzas pra trás. Não raciocinava mais, apenas queria que tudo isso terminasse.

Foi quando como se uma mão fizesse pressão contra meu abdômen, como se fosse uma garra tentando me rasgar buscando algo no meu interior. A esta altura eu não mais me debatia, mas ao lembrar que eu ainda era guardiã da minha criança, recobrou-me a força para afastar as coisas da minha mente, pelo menos detê-las no foco. Meu braço estava paralisado, porém pude mover os meus dedo e concentrar meu prana, como se obrigasse por pura força de vontade meus circuitos mágicos a funcionarem.

Eclodir — minha boca murmurou, não pensava se ainda tinha algum controle sobre a Fortaleza da Ninfa, apenas fiz; Não ouvi nada, as vozes e gritos não deixavam. Fechei meus olhos, era o fim.

Só então percebi que o que me prendia parecia ter sido arrastado para longe, as imobilizações e boa parte da pressão se fora. Abri os olhos e minhas percepções também, eu estava deitada em meio a destroços, a eclosão da Fortaleza parece ter afastado a substância e vários escombros para longe de mim. Olhei os meus braços e pernas, mas eu parecia inteira, toquei o meu ventre e também não haviam arranhões. Poderia me sentir feliz, mas eu ainda não estava segura. As coisas ainda percorriam a minha mente e mesmo separada fisicamente pareciam crescer gradativamente. Só consegui pensar em apenas uma coisa: correr, correr para muito longe!

Precisava me distanciar de tudo aquilo, o máximo que pudesse. Canalizei meu desespero e desejo de salvar o meu filho. Sairia dali inteira ou em grande parte para terminar minha gestação e rever o sorriso do meu marido... Ativei meus circuitos mágicos mais uma vez, senti a energia percorrer como um fluído amarelo brilhante irradiando pelas minhas costas, pernas e braços.

Falsas Asas: Salto! — Eu não podia voar de fato, mesmo que pudesse nestas condições seria impossível. Com este encantamento eu reforço minha capacidade de locomoção, como se pudesse saltar muito mais alto e até mesmo planar um pouco. Começo então a fugir para longe, evitando os pontos onde haviam o líquido maldito e testemunhei a destruição por todos os lados.

Podia ouvir gritos e pedidos de ajuda, mas eu nada podia fazer, sentia aquelas coisas crescendo em mim novamente e aos poucos meus saltos foram ficando menores até sentir que meus circuitos falhavam até desativarem completamente depois de uma boa distância. Consegui chegar a um pequeno matagal e depois a um parque, mas ainda sem sinal de possível ajuda, eu arfava com o esforço sobre humano para chegar até ali e me apoiei nos joelhos.

— SOCORRO! TEM ALGUÉM AÍ!? — Não obtive resposta.

Os gritos começaram a aumentar em minha cabeça e a dor voltava, cai de joelhos, sem dúvida aquela lama não penetrou muito fisicamente a Fortaleza da Ninfa, mas chegou até mim mesmo que quase indiretamente. Com certeza era uma maldição, do tipo mais horrendo que já vi e que jamais sonhara que existia. Já pude testemunhar coisas horrendas como os insetos dos Matou, mas aquilo era completamente diferente. Buscava te queimar inteiramente de dentro pra fora, não havia nem forma de imaginar como resistir àquilo. Só consegui me mover até aqui porque não fui afetada diretamente, mas tinha quase a certeza que a maldição me mataria mesmo assim. A não ser que...

Coloquei minha mão no meu pescoço e puxei um pingente para fora da minha blusa — se existe um momento correto, tem que ser este.

Era um pequeno cilindro meio amarelo opaco, não devia ter mais de meio dedo de altura, contendo um líquido cor leitosa, no topo uma pequena tampa com um "Símbolo Anthophílico", tão minúsculo e delicado que mal podia ser visto — Liberar! — Murmurei e um pequeno brilho amarelo ao redor da tampa revelou uma marcação que antes não existia, um ponto para poder abrir.

Caso houvesse algo nas imediações que poderia salvar minha vida e a do seu filho, era com certeza a Geleia Real, mas não era qualquer uma, era da Abelha Ancestral. Este era o segredo de minha família, uma das possíveis relíquias que evidenciavam porque estes insetos eram tão especiais para o nosso clã, este agora basicamente desmantelado. A influencia direta de tal criatura estava em todas as nossas criações mágicas e até circuitos mágicos; Não havia tempo para ensaios ou reflexões, havia pouco mais de uma dose e meia, tudo que eu precisava saber é que tal líquido era tal qual o que as operárias forneciam para a Rainha por quase toda sua existência, para que ela se mantivesse saudável e propícia a reproduzir, mas este era infinitamente mais potente.

Entornei cuidadosamente uma dose em minha boca e o vidro se fechou novamente espontaneamente, sobrando uma quantidade minúscula. O líquido mais do que água em um desidratado, percorreu todas as extensões do meu corpo quase que instantaneamente. Desmaiei logo em seguida, mas milagrosamente tudo estava silencioso.