Agora é noite alta, e Alexis está saindo, indo julgar o filho irresponsável que somente lhe trazia desgosto, assim como todos os outros.

Tem a garganta seca, seu alvo não vai se render assim tão fácil, isso é certo. Paramentado de duas armas, uma em cada lado, desce a avenida principal a caminho do centro, passou pelo cruzamento e chegou a uma casa noturna.

Tudo o que mais odiava.

E pra piorar, cheia de mestiços, escondidos nos cantos escuros do grande são de música pulsante, enfumaçado e barulhento.

Não havia nada que detestasse mais que ambientes como esse, e agora entrava, procurando o motivo pelo qual foi até lá hoje.

No meio da pista de dança, a massa indistinta de corpos se movia sincronizada a música, em um ritmo único, mas sem nenhuma unidade.

O som de centenas de pulsações disparadas, entorpecidos pela endorfina, adrenalina e narcóticos de todos os tipos, por alguns segundos desestabiliza sua concentração.

- Odeio esses antros humanos...

Sim, e como os odeia. Odeia por que sabe o quanto lugares como aquele o afetam, e se tem uma coisa que odeia, é ser afetado por algo pelo qual não tem controle. E essa coisa, é o instinto primal que existe dentro dele, ele simplesmente o domina, o controla, manda e desmanda de sua vontade.

Resumindo: O deixa idiota.

Ele toma fôlego e entra, querendo o máximo possível entrar, matar, e sair.

Se sentiu enojado ao ver vampiras mestiças pelos cantos com humanos, que, tinha certeza, teriam apenas uma finalidade: satisfazer as vontades das sanguessugas frigidas e serem possivelmente mortos ou descartados. Abandonados com enormes marcas de mordidas, ridiculamente amadoras e grosseiras na pele de seus pescoços.

***

Eu tinha raiva, ódio de ver o que a minha estirpe, tão nobre e tão forte havia se rebaixado a ser, meretrizes de humanos, trocando seus próprios corpos por sangue, trocando para estranhos de um valor tão baixo quanto os delas mesmas.

E não só as mulheres, não preciso procurar pra saber que há homens fazendo o mesmo.

Eu renego! Renego criaturas assim! Se pra isso tenho de ser elitista e odioso, que assim seja!

Baixo meus olhos sob aquele que seria minha vítima hoje. Eu gostaria muito de poder dizer que acaba aqui, mas não acaba, sei que não, mestiços pressentem a morte chegando assim como os pássaros pressentem a chuva.

O segui até o lado de fora, pela porta dos fundos do aposento enfumaçado, com uma arma em cada mão. Não sou justiceiro, só tenho instinto de autopreservação.

Porque, você pergunta?

Simples, se eles caírem, minha espécie será a próxima. Os humanos se multiplicaram de forma livre e assombrosa sobre todos os cantos da Terra, se fossemos expostos agora, seria... Catastrófico.

Estou sendo guiado pelos passos nervosos do meu alvo no concreto úmido da calçada, o vento frio assobia enquanto eu sigo seu encalço, tinha cheiro de medo, medo, sangue, e morte...

Por fim acabamos numa rua mal iluminada, uma grade presa por correntes de ferro não muito fortes barrava a passagem. Ele, sendo forte como eu, podia facilmente esmigalhar o pedaço de ferro apodrecido e continua a fugir de mim pela noite... Mas não mudaria nada, estava morto, e sabia disso.

- Chega, eu não tenho a noite toda.

- S-Senhor.

- Silêncio. Será rápido, você não sentirá coisa alguma. – aponto a arma na direção dele.

Ele fecha os olhos com força, pressionando-os quase como se acreditasse que isso fosse acordá-lo de um longo e terrível pesadelo.

Eu, simplesmente aperto o gatilho, e então, tudo é silêncio.

Meu trabalho acabou. Tão logo a bala atravessa seu peito, este começa a evaporar lentamente, até que apenas reste uma marca esfumaçada e escura no chão.

E tão rápido quanto eu cheguei, eu parti, sumindo pra me trocar no caminho e ir encontrar-me com a minha nova presa.

Ela me esperava recostada a porta de sua casa, peguei o endereço com ela enquanto me trocava, sua voz estava trêmula ao telefone... Vejamos o que acontece hoje.

***

Ela sentia os joelhos fraquejarem... Era difícil se sustentar de pé, sua respiração era sôfrega enquanto assistia ele se dirigindo a passos lentes até a porta de sua casa.

- Boa-noite. – disse.

- O-Oi... – sentia suas mãos tremendo.

Observou seu ser receoso e tomou suas mãos com cuidado, beijando cada uma com carinho e cuidado. Seus lábios úmidos mandaram arrepios quentes por sua espinha abaixo, desejou, mesmo que por um instante, que esses lábios estivessem ocupados com algo mais interessante que suas mãos.

A saliva parecia areia em sua boca, o tipo de sensação que só se apartaria quando estivesse finalmente se afogando entre os beijos ardentes que tinha certeza que trocariam, e odiava-se por desejá-lo com tanto fervor.

Absinthe era uma pilha de nervosos, sensações e inseguranças, e o olhar profundo que lhe era dirigido não favorecia que a calma se estabelecesse.

- Pronta pra ir?

- Aham...

- Espero que não se importe se eu tomar a liberdade de escolher o lugar hoje. – perguntou ele, num meio sorriso muito expressivo.

- Não... Sinta-se à vontade...

Saíram, a caminho do lugar que Alexis havia escolhido como ponto de encontro para o dia de hoje.

- Chegamos.

A moto rangeu os pneus parando em frente a uma casa de enorme dimensão, paredes brancas, abraçadas por veios de roseiras que subiam pelas paredes tecendo um manto de pontos vermelhos e pretos sobre a estrutura imaculada.

- Wow...

Ele desce da moto e oferece uma mão para que ela desça.

- Essa é a casa da minha família. – ele sorri.

Ela engole seco, aceitando a mão pra descer.

- S-Sua família?

Alexis ri, uma risada calma e melodiosa. – Atualmente nenhum de nós mora ai.

- “Nós”? – ela ecoa.

- Além do meu irmão Luka, que eu já lhe comentei, eu tenho mais cinco.

- Nossa! Vocês são sete?

- Minha família é grande. – um largo sorriso.

- E seus pais?

- Hm, nunca cheguei a conhecer.

- Não?

- Não.

- Você é órfão?

- Acho que pode se dizer assim.

A verdade é que os filhos da noite surgiram no começo, muito, muito antes de qualquer instituição familiar, e como o próprio nome diz, são filhos da noite, a noite é sua mãe, geradora e senhora. E somente ela ditava o ritmo pulsante de suas vidas.

- Desculpe, eu não devia ter tocado no assunto. Deve ser difícil pra vocês.

- Na verdade não. Eu e meus irmãos raramente nos falamos. Questões geográficas, creio eu.

- Como assim?

Enquanto falavam Alexis se dirigia a passos lentos na direção da porta da antiga propriedade.

- Luka é o único que mora nesse país, os outros estão espalhados pelo planeta.

Sentinelas noturnas da ordem, levando suas leis aos quatro cantos da Terra.

- Vocês costumam conversar por cartas ou algo assim?

- Raramente, se o fazemos é por que alguma coisa está errada.

- Hum?

- Temos trabalho que... Comprometem nossa comunicação.

- Eu... Entendo, eu acho.

Um sorriso mostra as longas presas dele, tão finas e brilhantes como as de um... Não, não. Isso é um pensamento ridículo. Ele não é um... Vampiro.

Ela afasta esse pensamento com um leve aceno de sua cabeça, respirando fundo e adentrando o interior da casa.

A casa parecia não tem fim, era espaçosa, com pesadas cortinas de veludo nas imensas janelas, que bloqueavam quase toda a entrada de luz.

Alexis se movia pelo ambiente com uma graça quase nuviosa, alcançando por pouco a linha do tenebroso, como um predador silencioso, movendo-se nas sombras.

Um enorme candelabro erguia-se sobre suas cabeças, junto ao teto, com o perfeito espaço de 66 velas brancas, nos espaços cuidadosamente dispostos, no interior havia apenas uma pequena lâmpada, que lançava luz amarelada em feixes pelo ambiente enorme.

Com um isqueiro prateado, ele saiu pelo ambiente acendendo todas as velas por ele espalhados.

Uma luz alaranjada se acendeu na sala, enchendo-a de pontos brilhantes que juntos formavam uma enorme nuvem brilhante, e encostado ao corrimão da escada central, estava Alexis observando a sala com seus olhos prateados e analíticos.

Um sorriso irrompeu seus lábios quando ele pousou os olhos em Absinthe, estática à porta, incapaz de se imaginar como parte daquela fotografia, sentia que podia estragá-la, violá-la com sua permanência lá.

Caminhou até ele como que pelo mero instinto de se aproximar, como as borboletas são atraídas pelo aroma adocicado das plantas carnívoras, com suas cores esplendidas e formatos delicados.

- Diga-me uma coisa Absinthe.

- O que...?

- Você confia em mim?

- Eu... Confio...

O sorriso que ele antes carregava, tonou-se levemente maior, mostrando os caninos, longos e brilhantes que ele carregava na boca.

- Fico feliz em saber disso.

- P-Por que pergunta?

- Por nada. – seu sorriso se volta à claraboia logo acima deles, onde as nuvens correm apressadas naquela noite de ventania e escuridão. – Grandes coisas vão acontecer, coisas que fogem ao meu controle.

- Que tipo de coisas?

Ela atravessa a sala em passos lentos e hesitantes até ele.

- O tipo de coisa que pode ter graves consequências. O tipo que é muito maior do que eu e você.

Os olhos prateados dele se voltam na direção dela, brilhantes, de reflexo predatório.

- C-Como assim...?

- Muito em breve, tudo vai mudar.

- Alexis... V-Você está me assustando...

Ela para de caminhar, ele da alguns passos em sua direção.

- Oh, não. – ele tem passos firmes e silenciosos. – Não tenha medo de mim... Não vou lhe fazer mal algum.

Caminhando mais um pouco, ele para em frente a ela.

Ela engole seco quando ele abaixa em sua direção, e pouco depois, um beijo finalmente se concretiza.

Tudo o que jamais pudesse esperar, ele era o tipo de pessoa que podia ter qualquer um, a qualquer momento que quisesse... E nesse caso, ela foi escolhida para o papel.

Seu coração perdeu o compasso certo, ela sentiu-se incendiar por dentro, e o pouco de incerteza que sentia sumiu de seu alcance como se nada no mundo nunca pudesse machuca-la novamente.

E não era bem isso...

Ele desceu, plantando pequenos beijos ao longo de seu pescoço, enlaçando sua cintura com um dos braços. Incapaz de fazer qualquer outra coisa, ela estremece ao toque de seu pseudo-predador.

***

Tinha tudo em suas mãos nesse momento, e seu próximo passo era muito claro. Podia sentir o sangue pulsar sob a fina camada de pele macia, era tudo o que o separava do sangue quente e doce que sua presa.

Não tinha pressa, não precisava ter, e sabia que depois precisaria ir se dedicar um pouco ao trabalho de tinha com seus irmãos, tinha de caçar o traidor e julgá-lo por trair o voto que fez.

Isso só seria punido com a morte...

Suas presas roçaram suavemente a pele de sua presa indefesa, fazendo-a estremecer, e com um cuidado clínico, essas duas pequenas navalhar, cravaram-se com cuidado na pele fina e perfumada.

Tão logo a mordeu, o sangue invadiu lhe a boca, ele foi tomado pelo sabor refinado do sangue de um artista, sangue que carregava em si, toda a paixão que o próprio artista carregava.

E novamente identificou-se com essa sensação.

Os joelhos dela cederam sob o peso do próprio corpo, e o torpor que sentia ao ter sua vida drenada de dentro de si, não era similar a nada que já tivesse sentido em toda a vida, era... Inexplicável...

Pouco depois, ele a soltou, sem vontade de fazê-lo, lambendo as pequenas marcas paralelas em seu pescoço, até que sua saliva se encarregasse de sumir com as feridas, e nada mais restasse além de sua própria memória.

- Talvez você devesse sentar um pouco, não parece bem...

Sua vontade de se afastar se esvaia conforme o gosto que antes sentira sumiu, diluído em sua saliva. Mas não dependia de sua vontade, pois não queria mata-la...

Colocou-a sentada, e sentou-se a sua frente, olhando-a com uma expressão plácida que nada refletia de seu desejo frio e controlador.

Não era o bastante...

- Vou... Descansar um pouco... – ela disse, os olhos embaçados pelo veneno, pelo prazer, pela mais pura completude...

- Faça isso, estarei aqui quando acordar.

Ela cai no sono quase que imediatamente, sentindo os membros pesados.

Os olhos de Alexis voltam a contemplar o céu sobre sua cabeça, ainda enfumaçado pelas nuvens negras.

- Não é o bastante... – diz, fechando os olhos.

Não estava satisfeito com o que havia acontecido, o predador dentro de si dizia isso, queria mais, queria tudo, e não se contentaria com menos.

Essa humana... Agora é sua, e não deixaria que ninguém dissesse o contrario... Uma presa que não deixaria partir...

Uma presa que agora lhe pertencia.