No momento que Ethan abriu a porta do escritório de Duque dizendo que havia uma dama procurando por James, ele soube que a noite seria agitada. Mas a última coisa que ele esperava era que a moça em questão fosse surpreender Dereck. Ele já havia lidado com muitas mulheres em toda a sua vida, mas aquela em questão havia feito ele ficar estupefato.

Primeiro de tudo porque Duque precisou de muita força de vontade para se concentrar em qualquer outra coisa que não fosse o físico da dama. E ele não sabia dizer exatamente o que a fazia bela. Tudo nela gritava comum. Seus cabelos castanhos, sua pele branca e cintura fina. Já viu esse biotipo milhões de vezes.

Havia algum elemento específico, no entanto, que fazia a beleza da moça ser peculiar. Seus cabelos estavam completamente soltos, algo incomum quando se tratava de mulheres da alta sociedade que sempre ostentam suas madeixas em penteados elaborados. As mechas castanhas corriam como um rio pelas suas costas, até chegar perto das pontas, onde formavam cachos grandes e volumosos. A única coisa que Duque desejou fazer foi chegar mais perto e passar os dedos entre aqueles fios que pareciam tão sedosos.

A dama ostentava uma postura confiante, olhando para Duque com determinação. Pelo menos era isso que ele decifrava daquele olhar, a máscara dificultava sua análise. Ela usava um vestido amarelo claro, com pequenas flores desenhadas por toda extensão da saia. Duque teve que segurar um sorriso ao perceber o quão contrastante era aquela estampa quase angelical em relação ao ambiente lascivo do Royale.

Dereck não soube muito bem como lidar com aquela dama, ela não se encaixava em nada com aquele lugar. E paradoxalmente, a última coisa que gostaria era que ela fosse embora, pois não havia garantia nenhuma que voltaria. No entanto, era o que seu sócio estava querendo fazer de qualquer maneira. Ethan se prostrou atrás da dama, tentando dizer alguma coisa silenciosamente. Duque conhecia seu amigo muito bem e por conta disso conseguiu ler suas palavras facilmente, aquela era a irmã mais velha de June Clark. Quando o impacto daquela frase foi compreendida por Duque , ele tentou manter as feições sérias, não demonstrando o choque, porém teve a impressão que não disfarçou muito bem. A moça semicerrou os olhos, desconfiada.

O pior havia acontecido. James e June foram descobertos por um dos familiares dela. Ele se apressou, levantando e tentando dar alguma desculpa para que a senhorita Elizabeth fosse retirada imediatamente do clube. E foi neste momento que aquele rosto aparentemente inocente abriu a boca e Duque ficou levemente surpreso.

A voz de Elizabeth era forte, dita em um tom alto, muito diferente da maioria das damas que tentavam adoçar, em alguma medida sua fala. Ela bateu o pé e afirmou enfaticamente que não sairia do clube sem antes achar sua irmã. Duque sentiu uma pequena admiração crescer pela moça, afinal, precisava ter muita coragem para desafiá-lo em seu próprio cassino, e Elizabeth não demonstrou um pingo de medo. Mas ao mesmo tempo aquela atitude também o irritou um bocado, ele não permitiria que ela violasse a privacidade de seus clientes por conflitos pessoais entre ela e sua irmã.

Por esse motivo, ele usou o seu tom mais firme e foi extremamente assertivo em sua fala. Não seria desrespeitado em seu clube, essa era a mensagem que queria mandar. Porém, a reação foi completamente oposta à desejada, Elizabeth levantou ainda mais o tom de voz, dizendo que estava em seu direito. Sua postura estava ereta, seus olhos arregalados e ela jogou a cabeça para trás, tirando seu cabelo dos ombros, mostrando um pescoço longo e esguio. Concentre-se, Duque! Para de analisar a anatomia da irmã da moça que seu sócio está arruinando neste exato momento, isso é completamente inapropriado.

Foi este pensamento que fez a realidade daquele momento cair em seu colo. Aquela louca não era nem um pouco problema dele, era de seu sócio. Por isso acabou cedendo naquele embate e pediu para Ethan chamar James. Os dois apaixonados que lidassem com aquele furacão que havia entrado em seu escritório.

Quando a porta fechou, o silêncio se instaurou no cômodo. Elizabeth parecia zangada, analisando seu escritório, tentando de qualquer maneira evitar uma conversa. Mesmo que ela tivesse um gênio forte, continuava linda, parecendo alguém da realeza com aquele queixo empinado e seu olhar contemplativo. Duque se distraiu, encarando-a e só se deu conta quando o próprio objeto das suas análises disse:

—Tem alguma coisa no meu rosto?

Seu tom era de desafio, mas Dereck simplesmente abriu um sorriso travesso e comentou sobre a máscara. Sua fala era somente uma pequena gozação, uma resposta brincalhona. Não esperava que Elizabeth fosse realmente desatar a máscara e revelar sua identidade como um todo. Mas, Duque agradeceu aos céus a atitude da dama, porque pode ver os olhos dela, até então misteriosos. E que olhos lindos! Um castanho quase se aproximando do ébano, eram tão expressivos, brilhando enquanto encaravam-no diretamente. Ele ficou deslumbrado com a visão de seu rosto inteiro, algo pouquíssimo comum para alguém como ele.

A porta abriu e Duque se sentiu grato pela interrupção, porque, caso contrário, tentaria chegar perto da moça e quem sabe roubar-lhe um beijo, algo que talvez se arrependeria mais tarde. Ethan, James e June entraram no escritório e Elizabeth se virou para encarar a irmã.

Elizabeth não soube o que pensar quando June entrou pela porta daquele escritório. Pela segunda vez naquela noite um choque de realidade a atingiu: sua irmã estava arruinando completamente sua reputação impecável. O cabelo da moça estava levemente desarrumado, mas as roupas não estavam em um desalinho total, o que indicava que Elizabeth conseguiu pelo menos impedir o desastre total.

A sala ficou em completo silêncio. Parecia um momento suspenso, esperando alguma reação de Elizabeth. Algum tipo de gritaria, ou alguma exigência da parte dela para que James se casasse com June. Mas ela não queria fazer nada disso agora. Seu maior desejo era ir para casa e resolver esse assunto entre as duas. Conseguir conversar com June de maneira civilizada. Assim, olhou para sua irmã e afirmou categoricamente:

—Vamos para casa. Temos muita coisa para conversar- Elizabeth começou a se encaminhar em direção à porta, mas parou quando June respondeu no mesmo tom.

—Não, eu vou ficar aqui. Vou para casa quando tiver vontade- o olhar de sua irmã caçula demonstrava uma raiva quase incontrolável.

Elizabeth arregalou os olhos, ela não conhecia essa June. Essa raiva, essa rebeldia. June sempre fora a irmã comportada, obedecia às regras, fazia o adequado. Chegava até irritar Elizabeth como ela seguia algumas regras de etiqueta tão bobas. Aquela situação parecia tão estranha.

—Você está se comportando como uma criança, June- ela avisou

—Porque você insiste em me tratar como uma, Beth. Eu não sou sua filha, sou sua irmã mais nova.

Elizabeth sentiu uma leve pressão no estômago, como uma apunhalada. Nunca havia escutado June falar daquela maneira. As duas sempre foram muito gratos por terem uma a outra. A caçula sempre procurava a mais velha por conselhos.

—Você e Thomas se sentem o tempo todo no direito de controlar minhas vontades e atitudes. Eu posso pensar por mim mesma, sabe? E se eu quiser arriscar a minha reputação, é a minha escolha- June começou a gesticular nervosa.

Elizabeth sentiu os três cavalheiros se mexerem, desconfortáveis com toda aquela discussão privada.

—Em que momento eu tentei controlar as suas vontades? Eu não falei absolutamente nada sobre o senhor Carter, porque afinal você escondeu que ele estava lhe cortejando- ela disse o último com uma dúvida na voz. Não sabia exatamente o que estava acontecendo entre os dois.

—Mas Thomas se manifestou. Disse que James não era um bom pretendente, que nosso pai não ficaria nada contente com o cortejo- June começou a andar de um lado para o outro- E eu duvido que você teria discordado dele, eu conheço a minha irmã mais velha.

—Você não tem como saber eu reagiria- Elizabeth falou mais alto, exaltada. Estava muito confusa, Thomas não havia dito a ela nada sobre uma conversa entre ele e June. As coisas estavam realmente fugindo do controle- E a maneira como você conduziu toda essa situação realmente não me faz aprovar esse relacionamento. Afinal, você era a pessoa que seguia cada pequena regra na nossa casa. Não estou compreendendo seu comportamento.

—Eu cansei de seguir as boas maneiras. E cansei de ter dois cães de guarda toda vez que eu algum pretendente tenta se aproximar de mim.

June se colocou na frente de Elizabeth. A irmã mais velha ficou um tempo observando a sala. Havia quatro desconhecidos dentro daquele recinto, os três donos do Royale e June. Pensou em como havia feito de tudo para que as duas conseguissem se apoiar quando eram crianças. Como havia tentado dar um porto seguro para sua irmã, já que ela não teria nem as lembranças de sua mãe para se segurar. E talvez realmente Elizabeth e Thomas fossem um pouco super protetores com June, mas isso não justificava o comportamento da caçula. Neste momento, Elizabeth tomou uma decisão. Uma decisão deveras arriscada.

—Então está bem- June pareceu um pouco confusa com a concordância de Elizabeth- Se você quer tomar as próprias decisões, então se responsabilize por elas. Continue aqui no cassino, permaneça por aqui até quando quiser. Eu vou para a casa, a decisão é toda sua.

Elizabeth voltou-se para a porta e começou a recolocar a máscara no rosto. Virou-se uma última vez para a irmã:

—Outra coisa: Não vou exigir compromisso nenhum do senhor Carter- ela viu pelo canto do olho Duque e Ethan arregalarem os olhos, surpresos- Se vocês quiserem continuar a se encontrar, vão em frente. Imagino que você não discutiu com o seu precioso senhor Carter quais as implicações dos encontros. Se significa que os dois se casarão, se firmarão noivado. Tanto faz para mim. Tenho certeza que a reputação dele não será afetada em nada, agora a sua- Elizabeth levantou as sobrancelhas- Nós não temos um pingo de sangue nobre, e além de tudo somos mulheres. Realizar os nossos desejos nos custa muito caro. Você deveria saber muito disso, vê todo dia o preço que eu pago por querer trabalhar. Aguente as consequências dos seus atos, querida irmã.

Elizabeth viu no semblante dos quatro rostos como aquelas palavras os havia afetado. June guardava nos olhos uma pequena culpa. Parecia que agora o peso de suas ações caía sobre seus ombros, mas isso não era problema de Elizabeth.

Ela caminhou até a porta e saiu, sem olhar para trás. Olhou em volta do cassino, e no mesmo corredor haviam diversos conhecidos da família Clark. O risco das duas irmãs serem reconhecidas era real. Elizabeth apressou o passo, querendo chegar em casa o mais rápido possível.

Duque tentou respirar sem fazer o menor ruído possível, porque a maneira como o seu escritório estava extremamente silencioso, qualquer pequeno barulho poderia ser ouvido. Elizabeth havia soltado uma bomba e deixado o recinto. James não teria a menor obrigação de se casar com June, se dependesse dela. A iniciativa teria que partir totalmente dele. Dereck não fazia a menor ideia quais eram as intenções de James com aquela dama, e parecia que o seu amigo também não sabia, porque o silêncio se prolongava dolorosamente.

—Você tem a intenção de se casar comigo?- a incerteza na voz de June era nítida. Duque sentiu pena pela garota, ela havia se jogado de cabeça em uma aventura sem pensar muito bem nos detalhes. É exatamente isso que a paixão faz com as pessoas.

James olhou para June com os olhos arregalados. Duque conhecia o amigo para saber que ele não tinha uma resposta para aquela pergunta. O conflito de James era evidente em suas feições.

—Não sei se é o momento adequado para discutirmos essa questão, June- ele levantou os braços, deixando as mãos espalmadas. Como se quisesse pacificar um animal selvagem prestes a atacar.

June arregalou os olhos, chocada com a resposta dúbia de James. Duque balançou a cabeça, seu sócio havia feito uma verdadeira besteira falando aquilo. Só traria mais caos para aquela noite bem agradável.

—Eu não acredito que a minha irmã estava certa de vir até aqui tentar me resgatar. Achei que o nosso compromisso estava certo, James- ela começou a se desvencilhar do toque dele. Duque e Ethan trocaram um olhar sem saber o que fazer. Era a segunda vez da noite que os dois presenciam uma discussão

—June, há algumas coisas do meu passado que você precisa saber antes de assumir um compromisso comigo. Talvez eu não seja a pessoa mais adequada.- James tentava desesperadamente retificar a sua última frase, porém a dama não estava mais em condições de ouvir, James disse as palavras erradas e Duque tinha o conhecimento de mulheres o suficiente para saber que moça havia entrado em completo desespero, a culpa batendo na porta, no final das contas. Ela saiu pela porta como um relâmpago e seu amigo correu logo atrás, tentando alcançá-la. A porta se fechou com um clique suave.

Ethan se esparramou no sofá já afrouxando o nó de sua gravata e exclamou:

—Esse foi o melhor Pandemonium de todos, não acha? - seu amigo levantava as sobrancelhas, em sinal de sua ironia. Duque soltou uma pequena risada e chacoalhou a cabeça.