Londres, Inglaterra



—Gregory, não há necessidade de ficar nervoso. Meu pai é a pessoa mais tranquila que eu conheço- Elizabeth disse, tentando chamar a atenção do amigo, que se contorcia e batia o pé nervosamente no chão da carruagem- Duvido que ele vá ficar irritado com você por supostamente ter me cortejado na França e não aqui na Inglaterra como a boa conduta manda.

—Como sabe disso, Beth? Você mesma disse que nunca teve um pretendente sério até esse momento. Não tem a menor comparação com outras situações para saber como será a reação do seu pai- Gregory fixou aqueles olhos azuis sobre ela e Elizabeth sentiu muito mais do que uma apreensão dele para conhecer o pai da sua noiva. Ela via naqueles dois lagos azuis toda a confusão e insegurança que ela própria estava sentindo de assumir aquele compromisso falso, porém não ela demonstrava para não assustá-lo ainda mais. Invés disso, colocava sua melhor postura confiante em seu rosto e fingia que estava tudo ocorrendo como planejado.

—Você se esqueceu que meu pai é o mesmo homem que estendeu um convite para a própria filha trabalhar no seu jornal? Imagina o quão escandaloso isso soa para os ouvidos da alta sociedade? Uma mulher ocupando o papel que um homem deveria exercer? Se isso não te convenceu que meu pai não implicará com essas pequenas obrigações idiotas, não sei o que fará- as palavras dela eram duras, mas ela tentava usar o tom mais doce possível. Sabia que a preocupação dele não era algo leviano, mas estava longe de estar no topo da lista de problemas dela.

Havia voltado fazia dois dias, e quanto mais tempo passava com a sua irmã, mais Elizabeth percebia como a caçula precisava de cuidados. Thomas bem observara, o tempo de repouso fez bem a June, mas alguns pequenos esforços como caminhar até o lavabo para fazer seus cuidados pessoais já cansavam a moça. Provavelmente ela permaneceria naquela situação acamada até o final da sua gestação. Toda essa preocupação consumia os pensamentos de Elizabeth.

Não era somente ela que estava preocupada com June. Quando seu pai chegou em casa e viu sua filha recém chegada da França, ele primeiro abraçou Elizabeth num enlace forte, mas em seguida Elizabeth percebeu que os pensamentos dele voaram para June, porque Phillip exclamou “Graças a Deus você está aqui. Sua irmã não para de pedir a sua presença”. Com toda a confusão, mal tivera tempo de anunciar seu noivado para o pai. Acabou comentando por cima em algum momento aleatório e seu pai reagiu da mesma maneira que June, com um “O quê?” em alto e bom som, completamente surpreso. Ela explicou um pouco por cima toda a história e ele imediatamente pediu que levasse o rapaz para a editora durante a tarde para fazer uma visita, já que Phillip chegava em casa somente de noite, horário pouco apropriado para uma visita como aquela.

Não bastando toda a confusão em sua casa, aquele encontro desagradável com Duque não saía de sua cabeça. Em momentos aleatórios, Elizabeth recordava a expressão surpresa dele ao vê-la parada no saguão de entrada da mansão Clark. Parecia que o cavalheiro havia visto um fantasma. Ela não conseguia deixar de pensar em como as coisas mudaram entre os dois. Há um ano, cada troca de olhar era cheia de desejo e afeto e agora, apertaram as mãos como completos estranhos.

Se Elizabeth fosse verdadeiramente sincera consigo mesma, deveria admitir que o moreno ainda mexia com seus sentimentos. Havia sentido o coração acelerar a cada passo que Duque dava naquelas escadas, ficando progressivamente mais próximo dela. Mas ainda assim, havia tanta mágoa em seu coração que a impedia de simplesmente jogar tudo para o alto e pular nos braços daquele homem tão perfeito e enlouquecedor. Sabia todas as palavras que dissera a ele no momento de sua partida, porém entender que ele realmente seguiu em frente com sua vida doía muito.

— Pela sua expressão, já sei em quem a senhorita está pensando…- Gregory exclamou, chamando a atenção dos pensamentos distantes dela.

O cavalheiro estava com a cabeça inclinada, analisando cada movimento de Elizabeth. Naquele momento, ela percebeu que ele provavelmente estava falando algo e não estava sendo ouvido. Não conseguindo mais desviar do assunto, ela desgrudou as costas do seu assento e abaixou a cabeça para desabafar com seu melhor amigo.

—Eu encontrei com ele quando fui ver como June estava, Greg. Ele estava na mansão Clark justamente no dia em que eu volto à Inglaterra. Quais as chances de isso acontecer?- ela juntou as mãos, nervosa.

—Quando não queremos encontrar uma pessoa, é exatamente ela que o universo nos providencia os encontros mais improváveis. Imagino que tenha sido um encontro doloroso e interessantíssimo de ver. Dois antigos amantes se reencontram compromissados com outras pessoas. Digno de um romance meloso. Eu compraria com toda certeza- Gregory exclamou entretido, o queixo apoiado na mão e um leve sorriso insinuante no rosto.

—Nem me fale. Eu preferiria ir a outro baile de Madame Laffon do que encontrá-lo novamente!

A senhora mencionada por Elizabeth era conhecida em toda Paris por seus eventos serem extremamente entediantes. Não havia uma pessoa que aceitaria esse martírio de bom grado. Com a fala da dama, Gregory que olhava para o lado de fora da carruagem, virou sua cabeça rapidamente e ergueu uma sobrancelha, em um olhar cético. Parecia duvidar que aquela sentença dita por sua amiga fosse verdade.

— A senhorita já comentou desse cavalheiro diversas vezes comigo. Narrou-me toda a história, os altos e baixos. Fica um pouco difícil acreditar que não queria falar com ele novamente. Eu diria o exato oposto. Ainda mais quando a pupila de alguém dilata e fica-se ofegante ao falar de uma certa pessoa.

Elizabeth franziu o cenho e cruzou os braços em sinal de defesa. Não gostava que o amigo estivesse apontando esse fato descaradamente. Quanta ousadia pensar saber o que ela estava sentindo. Duque havia feito muito dano ao seu coração e vê-lo trazia toda aquela mágoa e fúria que sentiu há meses.

—Até parece que o senhor quer que eu me entregue ao Duque. Está se esquecendo nós somos noivos? Nós não deveríamos nem estar tendo essa conversa em primeiro lugar, não sei onde estava com a cabeça ao trazer esse assunto à tona. Elizabeth já estava se virando para se acomodar e ficar quieta o resto da viagem, mas Gregory entendeu a mensagem errada de sua fala.

Ele inclinou o tronco para frente, apoiando os cotovelos nos joelhos e pegou as duas mãos de Elizabeth. Ela sentiu uma certa tensão com aquele gesto intimista. Gregory era extremamente habilidoso em ler seus sentimentos e sempre sabia tocar em seu ponto frágil.

— Elizabeth, você sabe que pode desistir a qualquer momento desse casamento, não é?! Eu não estou lhe forçando a fazer nada. Minha situação é crítica, mas eu não desejo prendê-la infeliz do meu lado. Amo a senhorita demais para fazer tal coisa. Se desejar, pode largar tudo para ficar com seu cigano libertino.

A moça ficou sem reação ao ouvir essa frase do amigo. A única coisa que conseguiu exclamar foi:

—Duque não é um cigano. Libertino com toda a certeza, mas cigano lhe garanto que não. E muito menos meu.

—Na minha imaginação ele é. Nunca conheci o sujeito, estou usando somente as suas descrições como base.

Se Elizabeth não estivesse tão tensa com os últimos acontecimentos, poderia ter rido da graça que seu amigo fez. Só conseguiu, no entanto, dignar-se a responder:

—Não pretendo pedir para ficar com Duque, Gregory. Eu fiz a minha escolha há um ano e ele fez a dele. Nós fomos levados a caminhos diferentes. Não adianta querer algo que não se pode ter. O mundo amoroso não funciona desta maneira.

— O mundo amoroso pode até não funcionar assim, mas o do desejo com certeza é assim. Deseja-se justamente aquilo que não se pode ter, minha querida. Acostume-se com isso.

Elizabeth ficou com aquelas palavras reverberando em sua mente durante todo o resto da viagem até o escritório de seu pai. Só conseguiria se desvencilhar daquele pensamento quando viu o senhor Phillip Clark na sua frente com um sorriso no rosto, animado para conhecer seu futuro genro. Apresentou os dois como a boa conduta manda. Gregory engoliu em seco, tentando esconder o nervosismo e o pai de Elizabeth examinou o jovem de cima a baixo.

—Então quer dizer que o senhor não esperou a minha filha chegar na Inglaterra para cortejá-la, como a boa conduta- Gregory arregalou os olhos para Elizabeth, parecendo tentar dizer que havia avisado a moça de que aquilo ocorreria. A dama sabia que seu pai estava brincando e por isso manteve o semblante sereno.

— Sim, quer dizer, não, senhor. Estou aqui para retificar essa situação e pedir a mão da sua filha em casamento- Elizabeth franziu o cenho, tentando conter a risada da cena atrapalhada que Gregory estava montando. Phillip já não conseguiu conter-se e jogou a cabeça para trás, dando uma gargalhada alta e sonora. O jovem ficou ainda mais confuso, sem saber o que fazer.

—Está tudo certo, meu querido. Eu nunca fui a pessoa que mais conheceu as regras de boa conduta e que sabe segui-las. Não esperava que as minhas filhas fossem ser damas extremamente polidas e cheias de pose. Mas são mulheres muito fortes e que são capazes de tomar conta de si mesmas. Isso é meu maior orgulho- Phillip olhou diretamente para Elizabeth e sorriu com os olhos cheios de lágrimas- Por isso, se a minha filha escolheu você, eu confio na decisão dela e abençoo esta união.

Elizabeth sentiu como se alguém havia dado um soco na boca do seu estômago. Sabia que seu pai seria receptivo, mas não esperava que aquelas palavras fossem afetá-la tanto. Como queria ter escutado aquela exata frase há um ano, só que dirigida a outra pessoa. Ah como doía. Essa volta à Inglaterra estava lhe custando mais do que imaginava.

Naquele instante suspenso, o mensageiro da mansão Clark entrou timidamente no recinto. Todos desviaram seu olhar, preocupados que alguma coisa havia acontecido:

—Desculpe incomodar, senhor Clark. Mas o senhor James me mandou para pedir se alguém de confiança poderia buscar um documento no seu escritório no Royale. Ele próprio iria, mas June está se sentindo um pouco enjoada e ele não quer sair do seu lado. Disse que é um papel muito importante e não quer na mão de qualquer mensageiro. Precisa ser alguém de confiança.

Phillip e Elizabeth se entreolharam. Ela estava prestes a pedir para que o pai fosse em seu lugar, quando o senhor Clark entrou imediatamente no caminho e exclamou:

—Você poderia ir, minha filha? Não posso sair da editora esta tarde e ainda há algumas coisas que gostaria de conversar com seu noivo. Caso me permita, é claro- Phillip olhou para Gregory e parecia se perguntar se o jovem poderia ter um mal súbito a qualquer instante.

Elizabeth olhou para o noivo, que assentiu. Sabia que não poderia negar aquele pedido do pai sem apresentar um bom motivo e dizer que não poderia ir porque tinha receio de encontrar o sócio de James, a qual havia sido apaixonada, não era aceitável. Por isso, ela assentiu e foi em direção ao Royale.

O caminho na carruagem foi excruciante. Ela sentia um frio na barriga e um receio de encontrar com Duque. Mas agora não poderia voltar atrás. Era tarde demais. Ao ver a fachada do Royale, seu coração acelerou e suas mãos começaram a suar. Conhecia bem demais aquele prédio. Lembranças demais estavam envolvidas naquele monte de concreto. Encontrou na porta o mesmo guarda de um ano e meio atrás, só que um romance diferente na mão. Sorriu com a lembrança de sua discussão e ameaças frívolas para com o guarda.

Mas dessa vez ela passou sem dificuldade alguma. Informou seu nome e simplesmente subiu as escadas do Royale. Graças a um criado do cassino, chegou ao escritório de James sem dificuldade. Entrou e começou a buscar o maldito documento de encomenda da mais nova mesa de apostas do estabelecimento. Aparentemente, ele era o único que poderia aprová-la, por ser o responsável pela parte dos jogos em si do Royale.

Elizabeth vasculhava as gavetas freneticamente, tentando achar o maldito papel, quando escutou uma mão batendo na porta e uma voz questionadora, dizendo:

—James? É você?

A moça fechou os olhos e lembrou da frase de Gregory “Quando não queremos encontrar uma pessoa, é exatamente ela que o universo nos providencia os encontros mais improváveis”. Tudo bem que aquele encontro não era tão improvável, mas poderia ter sido evitado. Elizabeth virou a cabeça e encarou Duque de frente. Viu a reação do moreno ao perceber que não seu sócio que estava naquele escritório.

Os dois estavam sozinhos no Royale. Elizabeth não teria como evitar mais o rapaz. Engoliu em seco e segurou as saias nervosamente.