Londres, Inglaterra

Duque mexeu-se desconfortável no sofá de uma das salas da mansão Clark. Desde que a gravidez de June fora diagnosticada como de risco, a dama decidiu regressar à casa de Phillip Clark, para ter um contato maior com o pai e seu irmão, Thomas. Como James não queria sair do lado da esposa até o momento do nascimento do filho, Duque e Ethan eram obrigados a irem até a mansão Clark para fazerem reuniões para discutir questões do Royale.

A situação não era nada agradável para ele, trazia lembranças demais de um momento passado já enterrado em seu coração. Quando entrou na casa e viu aquele saguão novamente, lembrou-se de Elizabeth descendo pelas escadas com um vestido luxuoso e um sorriso largo. Havia certas coisas que ficavam melhores no canto da memória.

—Acredito que o Pandemônio desse ano poderia ter alguma temática. Além de ser um baile mascarado é claro- Ethan sugeriu enquanto segurava seu copo de conhaque. Essas ideias sempre partiam do loiro. Ele adorava pensar em diversas maneiras de atrair novos clientes. James simplesmente se resignava a aceitar as sugestões e Duque era sempre a pessoa a cortar as ideias mais absurdas e verificar se outras eram possíveis no orçamento do cassino. Era a mesma dinâmica de sempre.

James levantou-se do sofá e começou a caminhar pela sala. Sua barba estava por fazer e seus olhos demonstravam um cansaço nunca visto antes. A criança nem havia nascido e seu sócio já estava abatido. Isso era um péssimo sinal. Duque preocupava-se com o bem estar do amigo, mas nada poderia ser feito. A única pessoa que poderia realmente aliviar o peso de toda aquela tensão da esposa dele era Elizabeth.

—E se todos os convidados estivessem vestidos de algum personagem de livros ou alguma criatura mística. Sereias, lobisomens, vampiros. A imaginação é o limite - Ethan explicava sua ideia, animado. Mas ao olhar para seus sócios, sentiu a desconexão dos dois. O loiro passou a mão pelo cabelo e suspirou pesadamente- Eu sinto que deveria fazer algum espetáculo para chamar a atenção. Não sou muito bom cantor, talvez alguma dança.

James voltou seu olhar azul para Ethan e suspirou pesadamente:

—Perdoe-me, Ethan. É que ando extremamente preocupado com o bem estar da minha esposa. Agora ela está melhor, mas temo pela saúde dela. Se soubesse que a gravidez dela seria agitada dessa maneira- James exclamou lamurioso.

Todos ficaram um momento em silêncio, sem saber exatamente o que dizer para um problema daqueles. Nesse momento, Thomas entrou pela porta do escritório e fixou o olhar sobre aquele trio por um segundo. Estava desacostumado a ter tantas pessoas dentro de sua casa, às vezes se assustava quando viu o trio parecendo congelado. Dirigiu-se à escrivaninha no canto da sala, e começou a mexer numa gaveta para buscar algo que Duque não conseguia enxergar:

—Perdoe-me a interrupção, mas preciso pegar selos para enviar uma nova carta à Elizabeth- ele começou a abrir uma gaveta atrás da outra, o cenho franzido. Pelo visto, a família toda carregava um peso absurdo sobre os ombros.

—Alguma resposta dela até agora?- James perguntou esperançoso. Já fazia duas semanas desde que Thomas havia mandado a carta pedindo que Elizabeth voltasse para Londres e não recebera resposta alguma. Todos já estavam estranhando o silêncio da irmã mais velha.

—Nenhuma. Não estou entendendo toda essa situação. Esperava que quando eu mandasse a carta, receberia uma resposta imediatamente com a notícia de que Beth estava vindo para Londres no próximo minuto. Mas nada.

Duque franziu o cenho, confuso. Se havia uma coisa que nunca mudaria era o laço entre Elizabeth e June. Não importava a distância entre elas. Ele sempre teve a certeza de que uma poderia contar com a outra. Havia algo de muito errado acontecendo. O cômodo ficou em silêncio, pensativo.

A campainha da mansão Clark tocou naquele exato instante, tirando todos os cavalheiros de seus pensamentos. Thomas já avançou para a porta exclamando que estava esperando uma resposta de um negócio importante para a editora da família. James sentou-se no sofá e apoiou os cotovelos nos joelhos, numa postura derrotada. Duque e Ethan entreolharam-se sem saber o que fazer.

Ethan estava prestes a tentar retomar o assunto do Pandemônio, quando o barulho de uma agitação na sala chegou aos ouvidos dos três. Duque escutou uma exclamação eufórica de Thomas e uma risada extremamente familiar. Arregalou os olhos, não confiando no que havia escutado há poucos segundos e caminhou até a porta do escritório com o coração pulando em seu peito. Quando chegou no topo da escada, viu na porta Thomas abraçando e girando uma moça alegremente. Assim que Duque teve um vislumbre do rosto da tal moça, ele sentiu o ar sair dos seus pulmões. Era Elizabeth ali parada na porta.

Sua postura ficou dura e não conseguiu dar sequer um passo. Não tivera tempo para preparar-se para vê-la novamente. Ficou completamente sem reação. Escutou Ethan assobiando baixinho ao seu lado e Duque resistiu com todas as suas forças a vontade de acotovelar a costela do loiro.

Se tivesse tido algum aviso da parte dela, teria tentado evitar a mansão Clark no período previsto para a sua chegada. Seria muito mais fácil para ambos que o encontro deles tardasse a acontecer. Mas aparentemente o destino tinha outros planos e justamente no dia que ele estava em Mayfair, a moça chegava da França.

Antes que Duque pudesse repreender Ethan pela provocação, o amigo já desceu as escadas rapidamente e apressou-se para dar um abraço em Elizabeth. Ela correspondeu com um sorriso gigante no rosto e seus olhos brilharam ao encarar o loiro. Duque sentiu uma pontada no estômago de inveja. Como queria que aquele sorriso fosse dirigido para ele.

—Como é bom revê-la, Elizabeth. Você está deslumbrante, devo dizer- Ethan segurou as mãos dela e afastou-se ligeiramente para examiná-la. Duque desceu as escadas com os punhos cerrados- Não sabia que champanhe francês fazia tão bem para a pele.

—Agradeço o elogio, Ethan. Vejo que você não mudou em absolutamente nada. Continua o mesmo libertino brincalhão de sempre- Elizabeth comentou sorrindo e o loiro deu uma gargalhada espirituosa. Quando ela virou o olhar para Duque, ele pode sentir a suas feições mudando, mesmo que o sorriso continuasse no rosto.

Elizabeth usava um vestido verde claro num modelo elaborado que ele imaginava ser da moda francesa mais recente. Seus cabelos estavam presos em um penteado simples que deixava boa parte das madeixas soltas, quebrando até um pouco o decoro inglês. Sua pele estava corada e seu corpo havia ganhado forma nesse um ano. Sua cintura estava mais fina e o busto mais cheio. Duque se perguntou o quanto daquela Elizabeth antiga ainda havia nessa versão jornalista francesa. Não havia como saber.

—É um prazer em revê-lo, Duque- Elizabeth estendeu a mão educadamente, seu sorriso visivelmente menor ao que dirigiu para Ethan. O moreno olhou aquela mão como se a moça havia acabado de fazer um gesto obsceno. Quanta impessoalidade! Parecia que ela estava tratando com um desconhecido.

Duque respondeu ao gesto com um simples aceno de cabeça e disse seco:

—Espero que tenha gostado de sua estadia na França, senhorita Clark.

A dama abaixou a mão e examinou Duque de cima a baixo. Ele não sabia exatamente o que ela estava procurando, mas manteve-se imóvel. Não queria dar sinal algum de que estava desconfortável com essa revista. Ethan, que estava exatamente entre os dois, soltou outro assobio baixo e prendia os lábios para segurar o riso. Como Duque queria poder estrangular o amigo naquele momento.

—Foi um ano muito agradável, devo dizer. Mas há coisas mais importantes para fazer- ela cortou o assunto rapidamente- Onde está minha irmã?- Elizabeth dirigiu sua pergunta para Thomas e o irmão indicou o caminho. Os dois subiram apressadamente e Duque só conseguiu relaxar a postura quando viraram desapareceram do seu campo de visão.

—Esse deve ter sido o reencontro mais embaraçoso que eu pude testemunhar- Ethan comentou diretamente com James. Ele tinha um sorriso enorme estampado. Obviamente que o loiro estaria se divertindo às custas de Duque. Típico dele. James olhou para o moreno com uma certa piedade e ele se sentiu pior ainda. Seus dois amigos haviam pensado exatamente a mesma coisa desse momento. Constrangedor.

Sentiu a mão de James no seu ombro seguido de um leve aperto. A tentativa de consolo dele:

—Vou subir também para resolver outras coisas. Acho que podemos deixar a reunião para outro dia. Imagino que Duque não queira reencontrar Elizabeth quando ela descer do quarto de June- o amigo subiu as escadas apressadamente, deixando Duque sozinho com um Ethan se contorcendo para não fazer outro comentário espirituoso. Mas que dia!

***

Elizabeth subiu a escada da mansão Clark completamente irritada. Quanta audácia de Duque de simplesmente ignorar sua mão estendida. Sua decisão em firmar um noivado com Gregory nunca pareceu tão certa quanto agora. Estava tentando manter o nível mínimo de educação com ele, e recebia em retorno aquela rudeza toda de Duque. Sentia seus cabelos quase ficando em pé de tanta indignação.

Thomas também não ajudou. Enquanto os dois caminhavam, ele lançava olhares furtivos em direção à ela. Elizabeth não sabia quanto de sua história com Duque o irmão sabia, mas ele estava claramente curioso com aquela interação fria entre os dois na entrada da casa.

Mas logo toda essa irritação com Duque sumiu quando viu sua irmã sentada em sua cama parecendo ligeiramente abatida. Seu cabelo estava preso em uma longa trança e ela ainda estava de camisola. Sua barriga já estava um pouco crescida, despontando no tecido Quando a caçula viu Elizabeth, seu olhar um pouco abatido encheu-se de alegria e June estendeu os braços, pedindo um abraço caloroso. A mais velha sentou-se ao seu lado na cama e enterrou a cabeça no ombro da irmã. Essa era uma das coisas que mais sentiu falta durante a sua estadia na França: o conforto do abraço de June.

—Ninguém me avisou que você chegaria hoje. Caso contrário, eu teria me arrumado um pouco mais. Feito um penteado mais elaborado. Afinal, não é todo dia que recebemos uma visita de uma estrangeira aqui na mansão Clark- June encolheu um dos ombros e olhou para cima numa tentativa de fazer uma pose pomposa.

Elizabeth riu com aquela frase da irmã. Analisou-a por um instante e percebeu como June parecia cansada, mas ao mesmo tempo alegre. A caçula estava sempre muito animada e dificilmente algo tiraria essa alegria de viver. A preocupação e o cansaço eram claros em seu rosto com olheiras fundas, mas Elizabeth se sentiu um pouco mais tranquila ao ver a caçula.

—Quando recebi a carta de Thommy, corri imediatamente para arrumar as malas. Resolvi a situações mais urgentes e vim para cá. Acabei me esquecendo de responder a carta. Mas o importante é: Como você está, querida?- Elizabeth perguntou preocupada, segurando firmemente nas duas mãos de June.

A resposta da irmã foi um suspiro cansado:

—Desde o dia em que aquele maldito médico diagnosticou que eu estava correndo risco de perder meu bebê, não pude sair da cama. Está sendo um verdadeiro inferno- June revirou os olhos- A única coisa que tenho permissão para fazer é ler- lançou um olhar raivoso para a pilha de livros ao seu lado.

—Ela diz isso agora, porque ficou nesses tempos repousando. Mas quando chamamos o médico, June estava desmaiando frequentemente e a sensação de mal estar nunca a deixava. Começamos a ficar verdadeiramente preocupado com a saúde dela e do bebê- Thomas intrometeu-se na conversa com uma postura reprovadora em relação às reclamações da irmã.

—Sim, sim. Eu precisava desse tempo de descanso, mas ficar enfurnada nessa casa está me enlouquecendo aos poucos agora- June exclamou ajeitando seus lençóis- Graças a Deus meu marido fica comigo boa parte do tempo, caso contrário eu já teria implodido esta casa.

Elizabeth sentiu um leve choque quando escutou June dizendo “meu marido” com tanta naturalidade. Fora embora da Inglaterra logo depois do casamento de June, não acompanhou muito a trajetória dela com James e ainda não havia se acostumado com sua irmã caçula usar a palavra “marido”. Sentiu uma leve tristeza por ter perdido essas pequenas sutilezas do cotidiano. Continuou a conversa, tentando esquecer essa sensação de perda:

—O importante é que você está bem e eu estou aqui para ficar até o final da sua gravidez. Trouxe minhas malas para cá e estarei acompanhando tudo de perto. Mesmo que seja para ficar aqui lendo ao seu lado- June exibia um sorriso de felicidade até Elizabeth comentar das duas ficarem no quarto. Nesse momento June fez um bico e soltou um resmungo contrariado.

Ela sacudiu a cabeça e sorriu, impressionada. June tinha uma maneira muito particular de enfrentar seus problemas. Ela agora entendia porque Thomas havia escrito aquela carta, pedindo pela ajuda da irmã. June estava frágil, mas não queria ficar em repouso. Devia estar infernizando todos daquela casa. Sentiu pena do pai, que já havia passado pela gravidez de sua esposa três vezes, e agora precisava lidar com a filha. Falando nisso:

—Onde está papai? Na editora?- Elizabeth perguntou curiosa. Não havia visto o pai e aquele pequeno encontro com Duque na entrada havia distraído para pensar direito.

Thomas e June trocaram um olhar contrariado e Elizabeth franziu o cenho sem entender e o irmão respondeu:

—Está na editora. Mas já vamos avisando que os únicos assuntos que ele sabe falar ultimamente é que sua filha mais nova está grávida e sua filha mais velha está na França trabalhando como jornalista. É verdadeiramente irritante, parece um papagaio.

—Já se prepare para a temporada social. Com meu casamento com James, seremos convidadas para um número absurdamente maior de bailes. Papai vai querer te arrastar para todas as rodas de conversa possíveis. Ele não poderia estar mais orgulhoso. É muito terno, mas já cansou a mim e a Thommy- June exclamou.

Elizabeth suspirou pesadamente e exclamou pesadamente:

—Suponho que agora eu precise começar a frequentar esses bailes- pensou em seu noivado com Gregory. O pai do rapaz era duque, provavelmente irá anunciar o compromisso publicamente e exigirá certa presença dos dois em certos eventos.

June inclinou a cabeça intrigada. A irmã nunca havia sentido necessidade de frequentar um baile. Isso era novidade.

—Por que exatamente essa necessidade de comparecer a um baile, senhorita Elizabeth Clark?

—Bem- Elizabeth começou sem saber muito bem como contar a notícia para seus irmãos- Acredito que eu vá precisar frequentar a temporada este ano para anunciar meu noivado com o filho de um duque- ela queria fechar os olhos naquele mesmo instante para evitar ver a reação dos irmãos.

Thomas e June ficaram um momento completamente parados, sem fazer um movimento qualquer. Por essa Elizabeth tinha certeza que os dois não esperavam. Ela poderia voltar com qualquer coisa da França, até um camelo, mas um noivo, quase improvável. Mas era o que estava acontecendo.

—O QUÊ?- June soltou um berro, completamente chocada. Thomas arregalou os olhos e deu um salto para trás com o grito da irmã. June começou a se contorcer na cama, louca por mais detalhes- Como assim anunciar o seu noivado com o filho de um duque? Explique-se direito, Elizabeth Clark.

Ela explicou como conheceu Gregory, como ficaram amigos até o pedido de casamento. Deixou de lado o detalhe do noivo ter uma preferência por homens. Não queria que o segredo do amigo fosse exposto para ninguém, mesmo que isso significasse mentir para a sua melhor amiga. June e Thomas escutaram tudo com muita atenção. A caçula já se empolgou, exclamando:

—Então precisamos marcar uma visita à costureira urgentemente. Você precisa de vestidos novos para as festas e provavelmente seu baile de noivado. Nós vamos nos divertir tanto!

June começou a tagarelar sobre todos os acessórios que ela precisava e Elizabeth deixou a mente vagar naquele momento. Meu Deus, aquela temporada social londrina seria insuportavelmente longa.