Paris, França



“O tempo estava passando deveras rápido”, pensou Elizabeth enquanto olhava em volta do cabaret Aux Belles Poules, um dos estabelecimentos mais famosos de Paris. Parecia que era ontem que ela estava chegando à França com seu coração partido por deixar Duque do outro lado do continente e agora já fazia um ano que ela estava na Europa trabalhando como correspondente internacional.

Em Londres, quando fazia uma de suas visitas surpresas ao Royale sempre sentia uma certa sensação de culpa, como se todos os olhares estivessem sob sua pele, julgando e apontando o dedo. Quem diria que ela por vontade própria seria uma cliente frequente do chamado submundo parisiense. Muita bebida, jogos e cancã. Ela e Gregory sempre passeavam pelos clubes com uma naturalidade que às vezes se esquecia da pessoa que fora há pouco tempo.

O mais surpreendente de tudo era que sua carreira como jornalista só realmente deslanchou quando começou a frequentar esses clubes de libertinos. Elizabeth descobriu que as melhores fontes para suas matérias estavam escondidas nesses lugares, prontas para passar algum tipo de informação valiosa, só era necessário o tratamento correto. Conseguira diversos furos jornalísticos devido à sua circulação nesses clubes.

A música alta que começou a soar acordou Elizabeth de seus pensamentos. A plateia majoritariamente masculina começou a aplaudir enfaticamente quando as dançarinas de cancã entraram no palco com suas saias esvoaçantes. Clark assistiu à apresentação com muito entusiasmo. Mesmo que já tivesse visto aquele número algumas vezes, sempre olhava encantada. Sempre pensava que quando voltasse para casa, não teria mais como ver aquele lindo espetáculo.

Uma garçonete passou voando a seu lado e Elizabeth levou um ligeiro susto com o movimento repentino. As funcionárias daquele local tinham uma caracterização a usar, com seus vestidos elaborados e brilhantes. Tudo para passar aos clientes uma experiência luxuosa e opulenta. Com sua convivência constante, a moça percebeu que a atração principal podia mudar de Londres para Paris, mas a melhor maneira de atrair a nobreza, seja ela de onde for, é através da exibição.

— Meu Deus! A casa está lotada hoje. Não posso dar um passo sem esbarrar em algum cavalheiro completamente embriagado- Gregory exclamou com duas taças de champanhe na mão. Ele olhava para os lados claramente desconfortável.

—Devo dizer que sim. Você levou dez minutos para buscar champanhe. Já estava me preparando para buscá-lo dos braços de alguma dançarina de cancã- Elizabeth disse bem humorada já se esticando para pegar a taça da mão do amigo.

Desde aquela noite em que Gregory havia ido à casa dela e soubera de toda a sua história com Duque, a relação entre os dois havia se estreitado ainda mais. Ela sentia que podia confiar seus maiores segredos para o “quase francês” sem hesitação, assim como o contrário era verdadeiro.

Devido à essa convivência excessiva, Elizabeth sabia facilmente que havia algo importunando o amigo. E não era somente aquela multidão de pessoas. Já estivera em clubes lotados e Gregory não havia se incomodado tanto quanto hoje. Não, havia algo a mais.

—O que aconteceu?- Elizabeth perguntou sem rodeios. Não havia motivo para introduções e firulas com ele.

Gregory dirigiu seu olhar azul profunda para ela. Havia uma dor que ela nunca viu antes. Uma mágoa antiga que parecia guardada há anos e ele segurava bem, mas naquele momento estava emergindo na superfície. Ele mexeu-se desconfortável com o olhar revelador de Elizabeth.

—Vamos para um lugar privado. Preciso conversar sobre um assunto delicado- Gregory segurou em sua mão e Elizabeth não pode deixar de notar como ela estava gelada. Um nervosismo habitava nele.

Os dois circularam pelo clube até chegarem a uma sacada mais afastada de toda a agitação. Elizabeth olhou para cima e viu como o céu estava estrelado. Aquele momento a fez lembrar de outra noite estrelada um ano atrás quando despedia-se de um certo alguém. Sacudiu a cabeça afastando o pensamento e dirigiu o olhar para Gregory que encarava suas mãos pensativo.

—O que você precisava me dizer? - Elizabeth franziu o cenho e encarou o cavalheiro. Não fazia a menor ideia do que poderia ser esse assunto misterioso. Sua mente divagou para diversos lugares, mas não conseguiu chegar à conclusão nenhuma.

—Eu recebi uma carta do meu pai- a moça ergueu as sobrancelhas. Gregory já havia mencionado diversas vezes que seu relacionamento com o pai não era dos melhores. A correspondência entre eles era feita raramente, quando havia algum tipo de problema. Receber uma carta do pai nunca era uma boa notícia- Ele quer que eu me case até o próximo ano, caso contrário eu perco meu posto como herdeiro.

Elizabeth abriu a boca em choque. Não compreendeu esse tipo de pressão do pai de Gregory. Mulheres solteiras tinham um certo prazo de validade antes de tornarem-se solteironas, sentiu isso na pele. Agora homens tinham a liberdade total de casar-se ao bel prazer. Pelo amor de Deus, havia cavalheiros que casavam-se aos sessenta anos. Gregory ainda tinha 28 anos, novo para os padrões masculinos.

—Não entendo. Por que o seu pai teria o interesse de fazer uma ameaça nesse nível? Eu sei que a relação entre vocês não é das melhores, mas há limites para tanta frieza- Elizabeth franziu o cenho, tentando achar uma razão plausível para o ato, porém sua mente continuou vazia.

Gregory inspirou e expirou pesadamente. Parecia relutante em dividir o que estava pensando. Olhou de um lado para o outro e mexeu as mãos, nervoso. Elizabeth deu um passo mais próximo dele e segurou suas mãos trêmulas e disse com firmeza:

—Seja o que for, Gregory, você pode me contar. Está tudo bem- ela tentou manter sua voz a mais tranquila possível, mesmo que estivesse morrendo de curiosidade.

—Você se lembra que eu comentei que meu pai me mandou para passar algumas temporadas aqui em Paris?- a moça acenou com a cabeça, não querendo interromper a fala do amigo- Mas eu nunca disse que havia um motivo muito claro por trás dessa decisão.

Gregory olhou diretamente para Elizabeth. Ela começou sentir uma sensação de formigamento na espinha em antecipação com a fala dele. O tempo parecia que estava parado, em expectativa pela declaração do cavalheiro.

—Meu pai me mandou para Paris porque me pegou numa posição comprometedora com outro rapaz- Gregory segurou com mais força as mãos dela, parecia tentar segurá-la naquela posição.

Elizabeth ficou um momento calada, tentando absorver a notícia de que ele havia acabado de soltar em cima dela. A moça nem fazia ideia de que existiam cavalheiros que preferiam a companhia de outros homens. Se havia uma coisa que as damas de sua classe não eram ensinadas era sobre a arte de fazer amor. Quando vivia na Inglaterra, todas aquelas emoções que sentia quando beijava Duque eram um mistério total. Conforme passou a conviver em clubes de libertinagem, entendera um pouco mais sobre luxúria e sexo, mas ainda assim, não o suficiente para não ficar chocada com o segredo de Gregory. Soltou uma perguta ingênua:

—Perdoe-me mas deixe-me ver se eu entendi corretamente- ela soltou hesitantemente. Não sabia como agir naquele momento. Nenhum dos seus amados livros dava uma resposta de como abordar esse assunto. Sentia-se desnorteada- Você não sente atração por mulheres?

Gregory inclinou a cabeça e seu olhar demonstrava uma agradável surpresa. Elizabeth presumiu que ele estava esperando uma reação muito mais intempestiva e de negação, do que a curiosidade e o questionamento dela. Afastou-se ligeiramente e começou a caminhar pela sacada.

—Não me entenda mal, Beth. Eu vejo mulheres como criaturas absolutamente fascinantes. Elas são belas, misteriosas e extremamente charmosas- Gregory encostou-se no mural e encarava as estrelas, pensativo. Parecia escolher as suas palavras com muito cuidado- Mas quando encontro um cavalheiro, o meu corpo reage de uma maneira diferente. Não tem como negar a minha atração pelo sexo masculino.

Elizabeth inclinou a cabeça e sua boca curvou-se num sorriso discreto. Sua mente girava em um turbilhão com milhares de perguntas, mas mesmo assim, sentia em seu coração que o que sentia pelo amigo não mudaria em nada. Não importava quem ele escolhia para dividir sua cama, ela o via da mesma maneira. Ele continuava sendo o Gregory que a havia acolhido em seus primeiros dias em Paris, que havia escutado seus lamentos com toda a paciência do mundo e ajudado a curar as feridas dela.

Caminhou calmamente até Gregory e encostou sua cabeça no ombro do amigo. Sentiu o perfume dele invadir suas narinas. Aquele aroma já era familiar para ela, trazia uma certa tranquilidade. Sentiu a postura dele relaxar com aquele gesto:

—Eu não me importo com isso. Continuo tendo o mesmo carinho por você que antes.

Gregory respirou pesadamente e respondeu com uma tristeza absoluta em sua voz:

—Gostaria que todos pensassem como você. Mas meu pai insiste em querer me “consertar”, tornar-me o filho homem que ele sempre desejou. Acredito que nunca entenderá que eu não consigo muda quem eu sou.

Elizabeth levantou a cabeça repentinamente. Várias peças começaram a se encaixar na sua cabeça. Segurou com força no mural da sacada e perguntou algo que já sabia a resposta:

—É por isso o ultimato para você se casar até o ano que vem? Ele quer garantir que ninguém descubra o segredo do filho dele?

Gregory acenou com a cabeça e engoliu em seco. Parecia prestes a chorar. Elizabeth sentiu seu coração se partir com aquela cena. O amigo parecia tão pequeno, sua postura encolhida e seus olhos cansados.

Nesse momento, Elizabeth começou a se mexer inquieta e resmungou que aquilo era um absurdo. Andava de um lado para o outro, tentando chegar a uma solução para o problema do amigo. Deveria haver algo que poderia ser feito para que Gregory não perdesse sua fortuna. Ele tinha direito às propriedades e riquezas do pai.

—Não adianta tentar achar uma solução para o meu problema, Beth- Gregory exclamou já desesperançoso- Eu preciso me casar por conveniência. Com uma dama que não tenha escutado nenhum boato a meu respeito, ou que saiba de toda a situação e não se importe em ter um casamento de fachada.

Com essa fala, uma luz acendeu-se na cabeça de Elizabeth. Seus olhos se arregalaram e ela virou-se para o cavalheiro praticamente cuspindo as próximas palavras:

—E se nós ficássemos noivos?- ela exclamou com certeza. Sabia que essa era a melhor alternativa para os problemas dele.

Gregory virou a cabeça imediatamente e começou a afastar-se dela:

—Não, Elizabeth. Você está ficando louca? Eu nunca poderia pedir algo do tipo. É mais do que qualquer amiga poderia fazer. Posso arranjar outra noiva, se esse for o caso.

Elizabeth colocou-se na frente dele e começou a explicar seus motivos:

—Você sabe muito bem que o casamento com outra mulher terá seus vários conflitos. Ela estranharia que você não cumpre com suas funções de marido e talvez até comentaria com outras damas. Mas você sabe muito bem que seu segredo estará a salvo comigo.

Gregory franziu o cenho, parecendo ainda chocado com a sugestão de Elizabeth:

—E a sua felicidade, Elizabeth? Você não gostaria de casar-se por afeto? Uma vez que nos casássemos, não teria como desfazer o matrimônio. Meu pai não permitiria. E se Duque decidir se declarar e pedi-la em casamento?- Gregory soltava as perguntas sem dar a chance de resposta de Elizabeth, seus pensamentos estavam a milhão.

Elizabeth estendeu as mãos no ar e explicou calmamente seus motivos:

—Duque foi o único homem por quem me apaixonei na minha vida toda. Conheci diversos cavalheiros, mas nenhum deles provocou nenhuma emoção. Até aqui em Paris tive diversas propostas mas nenhuma me agradou. Não consigo me imaginar casada com ninguém mais que não seja ele- Gregory abriu a boca, prestes a completar sua fala, mas Elizabeth foi mais rápida- Mas como minha própria irmã me informou, ele está de romance com outra mulher e pelo jeito a situação não mudou até agora. Caso contrário minha irmã teria me mandado uma carta imediatamente contando o ocorrido. Não há razão para esperar por alguém que já está com outra pessoa. E não vejo alguém melhor para casar-me do que você. Mesmo que seja de mentira.

Gregory encarou diretamente os olhos de Elizabeth. Procurando algum tipo de incerteza, algum sinal que indicasse que ela não desejava inteiramente assumir esse compromisso. No entanto, não encontrou nada.

—Você entende o peso das suas palavras, não é mesmo Beth?- Elizabeth percebeu nesse momento que ele estava pendendo a concordar com esse acordo. Seu coração estava certo de que deveria casar-se com Gregory. Havia esperado por meses receber a carta, a carta que June afirmaria que Duque havia mandado a tal cantora de ópera passear e estava pronto para esperar Elizabeth voltar. Mas nenhuma das correspondências da caçula para a mais velha dizia isso. Estava cansada de esperar por algo que nunca ocorria.

—Gregory, eu tenho plena consciência do que é um casamento. Não se preocupe com isso. Sei muito bem do que estou renunciando. Mas acredito que não perderei muito renunciando aos outros pretendentes que desejariam casar-se comigo. Eu quero fazer isso por você.

Gregory passou os braços pelos ombros de Elizabeth e deu um abraço apertado nela. Elizabeth sentiu tanta segurança naquele enlaço. Encostou sua cabeça no peito dele e escutou as batidas do seu coração. Não queria sair dali. Sabia que enfrentaria muita reclamação de sua família quando anunciasse o noivado. Elizabeth voltar para a Inglaterra com um noivo em seu encalço era totalmente fora de seu feitio.

—Então, acredito que tenho uma noiva para apresentar para meu pai- Gregory falou aquelas palavras contra o cabelo de Elizabeth. Um misto de emoções tomou conta do coração dela naquele momento.

Quando Elizabeth chegou em sua casa, o mordomo havia tido a delicadeza de separar a correspondência em pequenas pilhas. Ela imaginou que cada pequeno monte era para uma finalidade. Por um acaso, a primeira carta que pegou foi de Thomas. Fazia um bom tempo que Elizabeth não recebia notícias de seu irmão. Apressou-se para abrir o envelope. No entanto, ficou tensa ao ler as palavras escritas naquele papel.



Cara Beth,

Sei que andamos nos falando com pouca frequência, mas perdoe-me por não perguntar nada a seu respeito. Trago notícias um pouco preocupantes. Nossa querida June está carregando seu primeiro filho. Por mais feliz que esse acontecimento seja, o médico já diagnosticou que a gravidez será difícil, ela provavelmente puxou à nossa mãe nesse sentido. June precisa ficar muito tempo de repouso para se preparar para o parto. Ela está pedindo sua presença aqui na Inglaterra o mais rápido possível. Peço que acate o pedido dela encarecidamente. A caçula anda infernizando a todos pedindo por você.



Aguardo seu retorno,

Thommy

Suspirou fundo e mandou seus criados prepararem suas malas o mais rápido possível. Escreveu um bilhete apressado para Gregory contando todo o ocorrido. Parecia que voltaria para Grã-Bretanha mais cedo do que pensava.