5 meses depois

Londres, Inglaterra

O lado feminino do Royale estava particularmente calmo naquela sexta-feira, pensou Duque enquanto descia e olhava em volta da sala. Não que o cassino estivesse vazio, pelo contrário. As mesas estavam lotadas de jogadoras e os funcionários do local transitavam apressadamente, levando os prêmios para as sortudas daquela noite. Havia, no entanto, algo de diferente no ambiente, não sabia exatamente o que era. Talvez fosse seu próprio estado de espírito mais calmo que estivesse interferindo na sua percepção. Aquele caos que havia se instaurado dentro de sua mente havia passado já faz um tempo e ele pode voltar a ser o Duque de sempre

Desde aquele dia no clube de pugilismo, sua decisão em manter Elizabeth no passado continuava firme. Duque se aproximava cada dia mais de Serena, os dois passavam cada momento livre que tinham juntos. Mas mesmo com toda essa convivência, ele não tinha a menor pretensão de ter algum envolvimento amoroso com ela. Desde a partida de Beth, uma porta se fechou em seu coração e Serena tinha plena consciência disso. O relacionamento dos dois era algo muito mais carnal.

Com seu tempo sendo dedicado à cantora, ele estava vendo bem pouco seus sócios. James estava em uma lua de mel prolongada, orbitando ao redor de sua amada esposa. Ethan, por outro lado, ao ver a atitude dos amigos com relação à ala feminina, optou por afastar-se um pouco. Alegara que aquele comportamento poderia ser contagioso, arrumou as malas e decidiu viajar para a Escócia sozinho.

Prometeu que estaria de volta antes da época de maior capitação do Royale, a qual seria daqui um mês. Um pouco antes da temporada social londrina começar. Pouco protesto foi feito pelos outros dois sócios por estarem ocupados com… outros assuntos, digamos assim. Quando se deram conta, o loiro já estava fora da cidade. Um comportamento até um pouco anormal para ele, mas pouca reflexão sobre o assunto foi feita por Duque.

As pessoas vinham para Londres com uma relativa antecedência, a fim de resolver todos os preparativos. Fazer visitas às costureiras e aos alfaiates, preparar suas mansões para receber a mais alta nobreza inglesa. Era neste momento que os cavalheiros entediados vinham até o Royale buscar certas diversões noturnas. Sempre havia uma certa antecipação por essa época, já que o cassino sempre preparava alguns eventos especiais para atrair a clientela.

Nestes últimos dias, Duque estava justamente sobrecarregado com os preparativos destas festas. Controlar o orçamento necessário era de fato estressante. Por isso, quando Serena sugeriu dar uma volta pela ala feminina do Royale, Duque aceitou de bom grado. Faria bem sair do escritório por algumas horas.

Uma certa agitação na mesa de jogos mais próxima acordou Duque se seu devaneio:

— 21! E a vitória é para a senhorita de roxo!- o crupiê exclamou animado como sempre e Serena virou seu rosto em direção a Duque com um sorriso no rosto. A espanhola estava com sorte naquela noite, terceiro jogo em seguida que ganhava.

— Se eu soubesse que ganharia tão fácil, teria vindo aqui apostar meu dinheiro muito antes- seu olhar era eufórico. Duque reconhecia muito bem aquele sorriso e olhos frenéticos, já havia visto no rosto de milhares jogadores. Todos eles encantados pela ação da sorte a seu favor.

—Sorte de principiante, minha cara. O problema realmente é saber exatamente quando parar antes de perder todos os lucros ganhos. Esse é o ponto em que muitos tropeçam- Duque notou que as damas próximas estavam prestando muita atenção ao seu discurso, mas mais ainda à sua interação com uma dama em especial. Ele sempre era muito discreto com seus casos e sua falta de cuidado gerava curiosidade.

Serena prestou muita atenção ao seu discurso de alerta, pegou as fichas que havia ganho naquela noite e caminhou até o cavalheiro. Seu olhar queria dizer algo bem específico e com aquele tempo de convivência, Duque entendia muito bem a mensagem.

—Pois então irei me retirar do jogo, antes que essa minha “sorte de principiante” acabe. Irei retirar meus lucros e encontro o senhor no seu escritório em cinco minutos?- Serena deu um leve sorriso de canto e Duque deu risada com a insinuação dela. Concordou simplesmente com a cabeça.

Virou-se para dar a volta e pegar o caminho mais rápido para seu escritório, mas acabou dando de cara com James e June. Os dois olhavam fixamente para o moreno, porém a moça era quem tinha o olhar mais chocado. Ele percebeu naquele instante que era a primeira vez que June o via com qualquer outra mulher que não fosse sua irmã. Duque sentiu um pesar no coração, percebeu que a notícia de seu caso com Serena acabaria chegando aos ouvidos de Elizabeth pela sua irmã.

Tentou a qualquer custo não parecer desconfortável e deixar transparecer seus pensamentos de preocupação com a dama lá na França. Abriu um sorriso tenso e cumprimentou os dois com um aceno de cabeça. James retribui o aceno, já June ainda estava congelada, encarando Duque.

—Vejo que o senhor está aproveitando a noite, meu caro. Estava ficando um pouco preocupado com você enfurnado naquele seu escritório resolvendo problema atrás de problema- James continuou a conversa parecendo completamente alheio com aquele pequeno impasse que havia se instaurado.

—Ah sim, Serena me convenceu de descer por um tempo. Assistir as damas jogarem- o tom dele era cuidadoso. Escolheu as palavras com um certo cuidado. Mas não com o cuidado suficiente, porque usou o primeiro nome da cantora, denotando intimidade. June arqueou a sobrancelha com a fala do moreno e se mexeu indignada. Duque ficou realmente temeroso que fosse levar uns belos tapas daquela mulher pequena e magra. Estava em um campo minado.

—Claro! Aproveite o resto da noite, meu caro. Vá encontrar sua cantora. Eu e June ficaremos por aqui, caso haja algum conflito para resolvermos- James realmente não tinha a menor noção do que estava dizendo. June virou a cabeça instantaneamente com o comentário dele. Duque ficou verdadeiramente preocupado com a segurança de seu amigo.

—Agradeço pela oferta, amigo. Vou me retirar para meu escritório- Duque passou por June e escutou a bufada alta que a moça deu. Sentiu-se irritado pela expressão tão deliberada dela de incômodo. June esperava que Duque ficasse esperando para sempre por Elizabeth. A moça estava vivendo altas aventuras em Paris e ele deveria sentar-se e viver de maneira celibatária até a volta dela.

Suas passadas ficaram mais rápidas. Uma mistura de raiva, culpa e vergonha tomaram conta de seu coração. Não sabia exatamente como se portar, sentia a falta de Elizabeth o tempo todo, mas se recusava a deixar sua vida de lado por um talvez.

Naquela noite, entregou-se à luxúria e tentou deixar de lado a imagem mental da mais velha dos Clark recebendo uma carta de June falando sobre a cena que havia visto naquela noite.

Queridíssima Beth,

Ponderei muito se deveria lhe contar o que estou prestes lhe dizer. As vezes não saber de algo pode poupar um bocado de sofrimento, mas ao mesmo tempo não saber e criar certas expectativas pode machucar mais ainda. Então, optei por lhe escrever essa carta. Como uma tentativa de lhe fazer um bem, mesmo que machuque.

Algumas noites atrás, estava no lado feminino do Royale e vi Duque acompanhado com uma dama. Eles estavam extremamente próximos e acredito que estejam tendo um caso. Ela é uma cantora de ópera que está tirando um período de folga na Grã Bretanha. Pelo o que James me contou , os dois já tiveram um caso há alguns anos e agora retomaram o contato.

Sei muito bem que Duque não tem a menor obrigação de esperá-la regressar, mas o que não sei é se você tem alguma esperança de voltar e ter Duque à sua espera. Mesmo que digamos algo para o nosso coração não quer dizer que ele escute. Sei muito bem disso. Compreenderia completamente caso ainda houvesse essa chama acesa no cantinho da sua mente.

Espero com todo meu coração que não tenha feito mais mal do que bem ao contar essa notícia desagradável, mas acredito que você descobriria eventualmente.

Sinto saudades suas todos os dias. Nossas conversas me fazem tanta falta. Você nem pode imaginar! Sei que você fez a coisa certa em viajar para Paris. Era seu sonho afinal! Mas peço que volte logo. Pelo menos para fazer uma visita!

Com amor,

June

Elizabeth segurou a carta de June com toda a força possível em suas duas mãos. Se não fosse a caligrafia de sua irmã naquele papel contando aquela notícia horrorosa, ela seria completamente capaz de amassar a carta e jogar na lareira mais próxima. Para queimar e assim ela conseguisse esquecer o que havia lido.

Duque tinha um caso com outra mulher. Depois de seis meses da sua partida, ele já estava circulando com um novo rabo de saia. Quão conveniente! Ela se declarava naquele bilhete de despedida idiota e ingênuo e tudo que recebia em retorno era isso. Que homem mais cretino! Ela andava pelo seu quarto de um lado para o outro, enfurecida. Não se surpreenderia caso abrisse um buraco naquele maldito tapete.

Sabia que no fundo, não havia nada que justificasse realmente sua raiva com Duque. A não ser claro seus sentimentos para com ele. Mas o cavalheiro não estava fazendo nada de errado. Não haviam firmado nenhum tipo de compromisso e ela havia dito deliberadamente que não esperasse por ela. Mas então por que Elizabeth sentia seu estômago doer e tinha a clara sensação de que colaria tudo para fora em questão de segundos? É claro que seus sentimentos trairiam sua razão.

Só de imaginar a cena. Os braços de Duque envolvendo outra mulher, seus lábios sobre os de outra, a tal cantora passando os dedos pelos fios sedosos de seu cabelo. E ela nem queria deixar sua imaginação chegar perto do que os dois poderiam estar realmente fazendo enclausurados no escritório. Aquela possibilidade estava fora de cogitação.

Seus olhos se fecharam por um segundo tentando conter a cachoeira de lágrimas que estava prestes a desabar. Que tipo de mulher era ela? Não via Duque fazia mais de seis meses e estava lacrimejando por causa dele. Se Gregory a visse naquele momento, ficaria completamente horrorizado.

Como se ele houvesse escutado seus pensamentos, a campainha da casa em que Elizabeth estava hospedada tocou. Sabia que era ele. Haviam marcado de se encontrar naquela noite. Na verdade eles nem chegaram a combinar havia alguma coisa, porém depois de cinco meses de convivência, estava totalmente implícito que ele passaria em sua casa para realizarem quais fossem os planos malucos dele daquele momento.

—Você não irá acreditar na última fofoca que eu escutei- Gregory chegou passando pela porta e bradando em alto bom som. A intimidade entre os dois havia crescido vertiginosamente, eles conviviam o tempo inteiro.

Quando o cavalheiro viu as feições de Elizabeth, soube imediatamente que havia algo de errado com ela. Aproximou-se e ergueu seu queixo para que a moça pudesse olhá-lo nos olhos:

—O que houve, Eliza? Está tudo bem com você?- seu olhar era preocupado. Ela sentiu o coração um pouco menos dolorido com toda a cautela que Gregory estava demonstrando.

Abriu seu sorriso mais triste e respondeu:

—Ah Gregory! Problemas do coração é claro. O que mais seria?- abriu os braços numa postura desolada.

O homem acariciou seus cabelos delicadamente e usou sua voz mais suave para perguntar:

—Você quer me contar o que aconteceu?

E num passe de mágica, ela desabafou tudo. Gregory com um simples olhar e um pequeno gesto conseguiu ultrapassar suas defesas. Ela contou como conheceu Duque, como cada pequeno detalhe havia feito com que ela se apaixonasse cada vez mais pelo cavalheiro, e também como havia deixado tudo aquilo para trás por um sonho. E como agora se dava conta de que havia perdido aquela paixão.

Gregory escutou toda a sua fala com muita atenção. Segurou sua mão durante todo o tempo e acenava com a cabeça, indicando concordância, mas não queria interrompê-la em seu desabafo. Ela não havia percebido até aquele momento como estava desesperadamente necessitada daquela conversa. Simplesmente falar, tudo que estava sentindo. Deixar todas aquelas emoções passarem pelo seu peito, suas cordas vocais até saírem para o mundo e deixarem de serem algo somente dela.

Quando Elizabeth terminou a história, sentiu que um peso havia saído de suas costas. Gregory balançou a cabeça e parecia analisar cada minúcia daquela história. Ficou um minuto de silêncio, encarando seus pés. Ela não sabia exatamente o que pensar daquela postura do amigo. Optou pela espera.

—Bom, só posso concluir que Duque é um tremendo de um imbecil- Gregory disse simplesmente, balançando a cabeça e olhando diretamente para Elizabeth. Ela não conseguiu segurar o riso daquela simples declaração. Tão singela e espontânea- Se eu estivesse no lugar dele, teria pego o próximo navio para a França e deixado tudo para trás. Ficar na Inglaterra e ainda reacender um caso antigo. Ah por favor! Poupe-me.

—Eu entendo a decisão dele, Gregory. Meu coração é que não consegue aceitar que não há nada entre nós. Ao ler a carta de June, parecia que mundo havia caído. Não importa quantas vezes eu diga a mim mesma que Duque iria seguir em frente com a sua vida eventualmente. Dói da mesma maneira.

—Eu sei, minha querida. Não se preocupe, porque eu sei a cura perfeita para um coração partido- Gregory havia passado um braço ao redor de seus ombros e olhava Elizabeth nos olhos com carinho. Ela esperou que ele dissesse a tal cura- Champanhe e uma boa noite de farra!

Elizabeth já havia começado a balançar a cabeça em sinal de negação. Não teria coragem de ir até um cassino novamente, muitas memórias eram evocadas. O intuito da noite era fazer com que ela esquecesse Duque, não se afogasse em suas mágoas. Ao verbalizar seus protestos, Gregory franziu o cenho e usou um tom que Elizabeth usaria com uma criança ingênua, que não faz ideia do que está falando:

—Quem disse nós vamos para um cassino? A senhorita está em Paris, é mais do que sua obrigação ir a um cabaret! Minha querida, hoje a noite promete aventuras!- ele ergueu Elizabeth de seu assento e ela foi puxada em direção ao seu quarto. Gregory escolheu um vestido vermelho chamativo de seu armário, mandou a camareira arrumar seu cabelo em um penteado chamativo e perfumá-la com as melhores essências. Aparentemente a noite seria repleta de emoções.