Paris, França

Assim que Elizabeth pisou no salão de baile da mansão do senhor Bertrand (um dos vários conhecidos de seu pai), pensou que nada mudava em comparação com as festas dadas na Inglaterra. Mulheres ostentando seus vestidos de muitos dígitos e os homens discutindo política no seu tom mais pomposo. Ótimo! Poderia fazer exatamente a mesma coisa de antigamente: escolher um canto e acompanhar o baile de maneira silenciosa, como uma mera observadora.

Ledo engano! No momento que a senhora Bertrand a avistou do outro lado do salão, ela foi arrastada para diversos círculos de conversa. A nobre não parecia se importar muito que Elizabeth era uma moça solteira e ainda por cima trabalhava. Clark era apresentada como uma jornalista do The Globe. Todos chacoalhavam a cabeça e faziam algum som de aprovação. Nenhum tipo de olhar reprovador, pelo menos não tão descarado quanto na Grã-Bretanha.

Ela até havia sido convidada para dançar duas vezes! Por duas pessoas diferentes! Nas duas ocasiões, a moça ficou completamente estupefata que não conseguiu negar o convite. Ficou encarando o cavalheiro em questão até ele tomar um atitude e levá-la para o centro do salão. Não estava acostumada com esse tipo de acontecimento. Geralmente passava despercebida pela ala masculina.

Toda essa agitação deixava Elizabeth deveras atordoada. Quando tentava sair discretamente de uma conversa, há poucos metros era incluída em outra.Já não tinha mais paciência para se apresentar como filha de Phillip Clark. Jogou a desculpa que iria até a mesa de bebidas pegar uma limonada para si. Caminhou por aquela multidão (tudo bem, talvez não fosse uma multidão, mas naquele momento parecia) sem olhar muito para os lados. Tão pequeno foi seu cuidado que acabou dando um belíssimo encontrão em um cavalheiro passando também distraído naquele momento.

— Ah, desculpe-me, senhor- estava tão cansada daquela noite que falou mecanicamente o pedido de desculpas e acabou saindo em seu idioma materno. Algo pouco aceitável no universo francês.

Havia uma certa rivalidade amigável com os ingleses e se alguém fosse visitar a França, que soubesse falar pelo menos o mínimo do idioma. Arregalou os olhos e tentou consertar o erro o mais rápido possível. Mas antes que conseguisse formular a frase em francês, o homem em questão já havia respondido num perfeito sotaque britânico:

— Sem problemas, senhorita. Foi inteiramente minha culpa, não dei a devida atenção ao meu trajeto. Estava perdido em pensamentos.

Elizabeth olhou mais atentamente para o cavalheiro. Seus cabelos eram castanhos, quase negros, sua pele era alva e seus olhos eram azuis claros. Somente um pouco mais alto que ela. Seu físico era esguio e seus trejeitos doces. No entanto, a moça não deixava de notar um certo atrevimento escondido atrás daquela candura.

— Perdão, mas… o senhor é britânico? Fala inglês com perfeição - Elizabeth perguntou esperançosa.

O cavalheiro fez uma careta adorável e respondeu categórico:

— De nascença sou britânico. Mas meu coração é francês- o homem empinou o queixo e Elizabeth não soube exatamente o quão brincadeira era aquela frase. Por via das dúvidas, abriu seu melhor sorriso. Havia algo nele que a fazia se sentir extremamente confortável, mesmo não conhecendo-o muito bem.

— Bom, é um prazer conhecê-lo. Meu nome é Elizabeth Clark- estendeu a mão para dar um aperto de mão e ele aceitou, apertando-a com entusiasmo. Percebeu que ao ouvir seu sobrenome, o homem arregalou as sobrancelhas e pareceu surpreso.

— Senhorita Clark, correspondente internacional do The Globe. Devo admitir que fiquei deveras impressionado quando escutei que o senhor Clark havia enviado uma mulher, e ainda mais sua filha, como jornalista. Causou um certo frisson por aqui, preciso dizer.

Elizabeth inclinou a cabeça, interessada no assunto:

—Ninguém comentou desta questão até agora. Comecei a achar que a França era outra dimensão, em que as mulheres tinham uma liberdade infinitamente maior.

O moreno arregalou os olhos e correu para corrigir sua afirmação:

—Não me leve a mal. Aqui realmente as mulheres são mais liberais, mas uma mulher da aristocracia trabalhando é uma novidade. Imagino que a sua popularidade esta noite tenha algo a ver com essa curiosidade.

O motivo de tantas conversas animadas começou a se encaixar em sua mente. Podia ser bem agradável quando queria, mas não a esse ponto. No entanto o que chamou mais atenção da frase do cavalheiro foi a parte de ser uma mulher aristocrata, Elizabeth fechou ligeiramente a cara quando o cavalheiro disse aquilo. Na sua concepção, não era exatamente um elogio.

—Acredite, a última coisa que quero ser conhecida é como uma lady. Muito cheia de firulas para o meu jeito prático e impaciente- ela fez um pequeno biquinho e franziu o cenho.

O homem abriu um sorriso aliviado:

—Pois temos algo em comum, minha cara. A nobreza inglesa me cansa aos montes. Agradeci aos céus quando meu pai resolveu me mandar para cá.

—Desculpe-me, mas qual o seu nome?- estava conversando já fazia um tempo com ele, e não fazia ideia de onde aquele homem vinha.

—Perdão, senhorita. Me chamo Gregory Wood- Elizabeth franziu o cenho, tentando puxar algo da memória. Aquele nome parecia familiar, não sabia de onde.

—É um prazer conhecê-lo, senhor Wood- Elizabeth fez uma pequena reverência, fazendo graça para seu mais novo amigo.

—A senhorita me concederia uma dança, senhorita Clark. Ou sua aversão à nobreza é tão grande que não consegue nem sequer pisar numa pista de dança do baile?- seu tom era brincalhão.

Aquela mão estendida do senhor Wood e seu olhar de expectativa evocou seus certas memórias indesejadas. Principalmente de um convite apressado e inesperado de um moreno de cabelos longos. Por um momento, seu coração se encheu de pesar, mas não deixou aquele sentimento entrar no seu caminho. Acenou com a cabeça, pegou no braço de Gregory e caminhou até o centro do salão.

E assim uma singela amizade, totalmente inesperada, se formou. Elizabeth dançou com Gregory naquele dia e os dois seguiram com aquela conversa leve e divertida. Pela primeira vez desde que chegou na França, conseguiu sentir seu coração verdadeiramente leve. Nem perto de todas as emoções que Duque causava, mas por algumas horas conseguiu esquecer o que havia deixado para trás.

***

Londres, Inglaterra

Duque fechou a porta de seu escritório e olhou para a mulher parada bem no meio da sala. Já fazia pelo menos dois anos que não a via. Desde a última vez em que ela fez uma temporada de apresentações na Inglaterra. Não sabia exatamente como agir diante daquela presença, então simplesmente a encarou. Analisou suas feições marcantes e suas vestimentas opulentas.

—Vai ficar parado me olhando com essa cara de bobo, Duque? É assim que recebe uma amiga de tantos anos?- ela ajeitou seus cabelos castanhos e semicerrou seus olhos verdes, tentando produzir um efeito sedutor. Duque se questionou quantas vezes havia sido afetado por esse pequeno gesto, e agora parecia estar simplesmente anestesiado, não sentindo absolutamente nada.

—O que está fazendo aqui, Serena?- seu tom de voz era duro.

A moça caminhou até mais perto dele, fez um biquinho nos lábios grandes e avermelhados e fingiu ajeitar o colarinho da camisa de Duque. As roupas dele estavam tão amassadas que não adiantaria a tentativa de Serena.

—Minha companhia resolveu terminar a temporada de apresentações aqui na Inglaterra. Depois ficarei um tempo parada, pensei em visitar um dos meus amigos mais queridos. Mas pelo visto a recepção não foi muito calorosa.

Serena era uma cantora de ópera de muito renome. Ela e Duque haviam tido um caso de anos, mas que havia acabado pelas suas constantes viagens. Serena era uma alma livre, deixava-se levar para onde quisesse. Nunca conseguia fixar suas raízes em um lugar só. Por isso os dois tinham um pequeno acordo: quando era conveniente, eles estavam juntos, e quando não, cada um seguia com sua vida. E assim as coisas se passaram por muitos anos.

Duque nunca sofreu exatamente pelas partidas de Serena, como havia acontecido com a viagem de Elizabeth. Mas sempre aproveitou a companhia da cantora, ela era sedutora e muito agradável.

—Achei que nunca mais ia vê-la. Só estou surpreso com a sua aparição, somente isso- Duque desviou o olhar, sabia que estava mentindo descaradamente. Sua reação a Serena era por causa de Elizabeth. De alguma forma, tinha receio que ela ficasse sabendo daquela visita. Uma besteira já que a própria havia deixado claro que não tinha a menor expectativa de que ele esperasse por ela.

—Ah meu caro, eu sei muito bem que o senhor está tendo essa reação porque há outra mulher em seu coração- Duque arregalou os olhos com o comentário da espanhola- Um passarinho me contou que você andou se envolvendo com a irmã da esposa de seu sócio.

Serena analisou muito bem a reação do cavalheiro e foi nesse momento que teve a confirmação. Duque se remexeu, desconfortável. Nem o nome da dama precisava ser trazido à tona para que ele tivesse uma reação.

Duque não soube dizer àquela afirmação, não poderia mentir. Não seria justo com Serena dizer que seu coração estava livre. Porque não estava. Preferiu ficar em silêncio. Ela continuou a falar:

—Mas por mim não há problema nenhum. Nós nunca devemos nada um ao outro, não é agora que começaremos. Por isso, deixo meu endereço aqui. Caso se canse de lamentar-se pela partida de um rabo de saia qualquer, vá até minha casa. Sempre gostei das nossas aventuras, fazemos uma boa dupla- Serena sorriu, exibindo seus dentes brancos e perfeitos.

Deixou seu cartão na mesa do escritório dele e saiu graciosamente pela porta. Duque soltou a respiração, tenso. Colocou as duas mãos no rosto e sentiu a bebedeira passando e todos aqueles sentimentos confusos aflorando. Precisava sair daquele lugar, evocava muitas memórias.

Quando deu por si, estava no clube de pugilismo mais próximo do Royale. Precisava desesperadamente de uma atividade que fizesse com que ele parasse de refletir, algo completamente físico, simplesmente pensar em seu próximo passo, em seu próximo soco. Deixar o prazer do exercício invadir seu corpo.

Cada soco que dava era uma maneira de exorcizar aquele espírito que havia se instalado na sua cabeça desde a partida de Elizabeth. Tentava, a todo custo, guardar as memórias num canto de sua mente, que só pudesse acessar num momento que não doesse tanto lembrar. Seus cabelos caiam nos olhos, mas ele não dava a menor importância, continuava em sua febre louca.

Foi naquele momento em específico que Duque tomou uma decisão. Não poderia esperar por Elizabeth, aquilo estava corroendo aos poucos seu coração e consumindo completamente sua energia. Precisava deixar aquele assunto de lado, não havia outra maneira. Pelo seu bem, precisava deixar Elizabeth ir. Porque fisicamente ela já não estava com ele há mais de um mês, mas ela continuava viva nos seus pensamentos. Isso precisava acabar.