Rancho Neverland, Califórnia - 08:30 hrs

Narração por Michael

— Papai… Papaaaai…

Ouvi uma voz me chamando no escuro. Pensei que era noite, meus olhos ainda ardiam, meu corpo ainda pendia a relaxar no edredom, mas aquela voz, aquela doce voz me trazia alguma animosidade. Sussurrava baixinho como se quisesse me acordar, mas tivesse o cuidado de não me assustar. Mantive os olhos fechados, estava com preguiça, porém ela não desistiu.

— Toin!

Ela lançou a pelúcia na minha cabeça. Não doeu, mas fez questão de colocar uma onomatopeia na brincadeira. Eu gargalhei, não conseguia mais disfarçar, ela havia ganhado.

A minha princesinha.

— Okay, mocinha, okay, estou acordado!

Quando abri os olhos, me deparei com o quarto claro pela luz do sol, a janela aberta, a brisa invadindo o ambiente com sua corrente de ar agradável, os pássaros a piar do lado de fora e o barulho do trem indo a todo vapor para a estação principal não muito longe daqui. Todavia, o principal… para quem os meus olhos alcançaram em primeiro lugar… era ela, a minha menininha.

Kate. Katherine.

Okay, eu confesso que não sou muito criativo com nomes, mas antes de ter a minha filha Paris, havia a Kate. É o nome da minha mãe, a mulher que mais amo no mundo, então nada mais justo que homenageá-la no nome da minha pequenina. A minha primeira princesa.

Eu já tinha 30 anos, muitos amigos, muito dinheiro e muita popularidade, porém era uma outra coisa que me fazia sentir o homem mais realizado do mundo.

— Bom dia, meu amor. O que nós vamos fazer hoje, hum?

— Humm… vamos no carrossel! Depois vamos alimentar os patinhos. Ah, podemos ir de trem, papai?

Eu não pude deixar de soltar uma risada perante a agitação da minha filha.

— Vamos fazer o seguinte. Primeiro, vamos tomar um café da manhã bem gostoso, tudo bem? Depois, podemos separar alguns pãezinhos pra alimentar os patinhos, eles precisam tomar café da manhã também.

— Hum… é verdade!

— É, não é? Depois, vamos dar uma volta na lagoa, nos barquinhos, antes de brincar nos brinquedos. Lembre de fazer a digestão, Kate, senão…

— Eu posso ficar com dor de barriga. Eu sei, eu sei, papai! Vamos agora?

— Vamos, deixa só o papai tomar um banho e trocar de roupa, okay? Hoje, o dia todo é só nosso, nós vamos nos divertir muito!

Disse, já estava animado para começar aquele dia. Kate bateu palmas freneticamente antes de sair do meu quarto. Ela era uma menina agitada e muito travessa, então logo corri para acompanhá-la com o olhar, pelos corredores, e me certificar de que ela não se machucaria.

— Não corra, ouviu?! Papai já vai descer!

Avisei. Um funcionário veio ver do que se tratava tudo aquilo, então fiz um sinal para que ele ficasse de olho em Kate. Quando me certifiquei de que ela ia ficar bem, fui me aprontar.

Hoje o dia está tão lindo. A primavera prontamente iniciou seu período com as mais belas flores a desabrochar, todo o jardim ficou colorido de uma semana para outra. As coisas mais belas realmente estão nas obras de Deus.

Escolhi uma camisa vermelha com braçadeira branca, eu queria cores vibrantes e alegres para aquele dia maravilhoso, mas precisei me contentar com as minhas prediletas calças pretas, Kate havia manchado completamente as minhas últimas calças claras com mel e sorvete. Essa menina… será que eu era tão levado assim na infância?

Coloquei meu chapéu e saí.

Quando cheguei na cozinha, vi a babá servindo minha filha. Logo corri na direção delas.

— Eu faço isso, eu faço!

Disse, animado. Eu adorava ser pai… eu não sabia quando estaria pronto, mas Deus escolheu o dia para mim. Com aquela notícia… com aquela surpresa… eu fiquei com medo, com medo de não ser bom o bastante, com medo da minha carreira mais atrapalhar do que ajudar na criação da minha menina, mas todos esses medos vieram abaixo quando eu a vi correndo, saltitando, sorrindo… feliz.

— Papai, faz o aviãozinho!

Ela adorava o aviãozinho. Embora já fosse grandinha para isso, eu não me importava de fazer mais e mais vezes, eu queria preservá-la assim, minha pequenina. Acho que todo pai passa por isso um dia… se nega a ver o filho crescer. Bom, ao menos eu quero aproveitar cada segundo.

— Se o aeroporto não abrir, como é que o aviãozinho vai pousar, hein?

Brinquei com minha filha, deixei ela sujar o vestidinho, deixei ela ser criança. Kate sorria, animada. Tinha cabelos escuros, a pele corada e grandes olhos pretinhos e brilhantes. Sim, eram os meus olhos! Eu sempre dizia isso com muito orgulho quando mostrava as fotos dela para os meus pais e irmãos, e eles sempre diziam a mesma coisa: "nós já sabemos, Michael". O que eu posso fazer? Sou um pai de primeira viagem, tudo nesse novo mundo me fascina!

— Vamos logo antes que os patinhos migrem pro sul.

— Não, não quero que eles migrem pro sul!

— Se eles ganharem um monte de pãezinhos, talvez fiquem mais um pouquinho.

Kate parecia ponderar. Já estava bem alimentada, agora só precisava trocar aquele vestidinho para irmos. Tomei o resto do meu café e me levantei, eu mesmo iria trocar a minha princesa.

— Papai, vamos separar os pãezinhos?

— Hurum, mas vamos trocar essa roupa primeiro.

Levei a Kate para o quarto dela. Ela própria escolheu um vestidinho azul e eu dei a ideia de complementar com um conjuntinho lilás, me lembrava das lavandas desabrochadas no meu jardim. Prendi delicadamente seus cabelos do jeito que aprendi com a babá, em seguida segurei sua mão e fomos preparar uns pãezinhos.

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Já era fim de tarde quando Kate me chamou mais uma vez para ir ao laguinho.

Depois da nossa manhã divertida, nós almoçamos e eu a deixei com o professor particular, queria que ela aprendesse no conforto do lar, ela ainda não estava pronta para o mundo, as pessoas ainda não estavam prontas para ela. Carregar o meu nome sempre foi difícil para mim, para ela não seria diferente.

Eu estava no meu escritório quando a babá pediu licença e adentrou com a Kate. Logo deixei meu trabalho de lado e fui ver do que se tratava.

— A aula terminou mais cedo?

— Papai… eu quero ir pro laguinho. Podemos alimentar os patinhos de novo?

A babá nada disse. Havia alguma coisa diferente naquele pedido, mas eu não sabia o que era, então apenas aquiesci e fui pegar meu chapéu.

— Vamos!

Assumi por aqui. Levei a Kate comigo e dei algumas horas de descanso para a babá. Caminhamos pelos jardins de Neverland, o lago não era tão longe assim da mansão, então não precisamos tomar o trem. A coloquei em um dos barquinhos em formato de cisne e seguimos adiante.

Aquela tarde estava tão fria e agradável. Coloquei minha princesa no colo, a deixei jogar os pãezinhos no lago e, aos poucos, alguns patinhos vieram nos acompanhar. Entrelacei os braços em seu corpo e beijei o topo de sua cabeça.

— Papai te ama muito, Kate…

— Eu também te amo, papai.

Ela murmurou em resposta. Ouvir aquilo aqueceu o meu coração, ao mesmo tempo que me trouxe um sentimento de melancolia. Segurei as lágrimas e impedi aquele momento de acabar mal.

— Papai…

Mas então… aquela pergunta apareceu.

— … um dia eu vou poder sair da Terra do Nunca?

Fiquei em silêncio. Olhei para minha pequena, mas ela não me fitava, do contrário, fitava o horizonte com o mesmo olhar sonhador que eu fazia quando pensamentos desconexos pairavam pela minha mente.

— Você não gosta daqui, Kate?

— Gosto sim! Só… eu queria ver o que tem do outro lado do portão.

— Ah… é só isso…

Suspirei.

— Há mais árvores… há mais pessoas…

— Mas eu não quero saber assim, papai, eu quero ver. Por que eu não posso sair?

Eu não podia lhe responder isso, era demais para mim. Eu quero protegê-la, ela não compreenderia… porém, não tem culpa de querer entender tudo aquilo.

— Eu… eu não sei, Kate…

Murmurei, em busca de palavras.

— Neverland é o nosso porto seguro, entende? Meu e seu. Aqui, ninguém pode nos machucar. Mas lá fora, podem…

Eu já sabia que aquela resposta não a satisfaria, ela estava na fase dos "porquês", ela iria me perguntar até não sobrar mais nenhuma dúvida.

Porém… estranhamente… ela aceitou.

— Tudo bem.

E não falamos mais nisso.