Esteja Onde Estiver

Anahi: Capítulo 8


Os dias que se seguiram foram bem agitados. Houve várias reuniões com o elenco para organizar o início das gravações. Christopher e eu começamos nossa relação com cautela. Muitas vezes não sabíamos como agir um com o outro, ou como falar. Mas ao decorrer da semana, ficamos mais relaxados e descontraídos, quase como amigos. No fim de semana, parte do elenco teria que viajar para o início das gravações externas, e eu estava muito animada com isso.

"Guanajuato?" - Rodri perguntou, me vendo arrumar a mala para viajar no dia seguinte.

"Sim, Rodri. Já te expliquei que é sobre a Independência do México, verdade? Então Pedro quer gravar onde tudo aconteceu"

"E Christopher também irá?"

"Pois, claro Rodri! Ele é o autor" - disse, fechando a mala, colocando-a no canto do quarto.

"Por isso você não tira este sorriso do rosto há dias" - disse, com deboche.

"Ah, não posso acreditar! A mesma coisa a semana toda!?" - o acusei - "Estou cansada de dizer a mesma coisa: estou feliz porque estou voltando a trabalhar, só isso"

"Sim, claro... Vai voltar a viajar com esse cara, e não sei o quê..."

"Não seja ridículo, por favor! Quando você me conheceu, eu passava mais tempo viajando que em casa. E, você está sempre viajando e eu nunca digo nada"

"Mas agora você é casada"

"Ora, você também" - disse indignada.

"Mas eu viajo para trabalhar e colocar dinheiro em casa"

"Por favor" - ri, sem humor - "Eu tenho dinheiro suficiente para manter meus gastos, nunca te pedi nada. E quer saber?! Já não quero mais perder tempo discutindo"

"Tem razão... Para que discutir, se precisamos fazer nossa despedida" - disse, me abraçando por trás.

"Rodri, não! Preciso dormir"

"Você não vai viajar sem se despedir de mim"

Ele me apertou, ainda por trás, prendendo meus braços. Tentei me soltar, mas acabei levando nós dois caindo sobre a cama. Ele riu de maneira sarcástica, o que aumentou minha raiva. Tentei empurra-lo, mas ele me puxou, me colocando deitada sobre os travesseiros, ficando por cima de mim. Segurou meus braços ao lado do meu corpo, apertando-os contra o colchão, e abaixou a cabeça até meu pescoço, onde ficou dando beijos sedentos, me causando náuseas.

Eu não ia deixar que ele abusasse de mim aquela noite, eu não podia. Eu estava muito feliz e ansiosa para a viagem do dia seguinte, para deixar que ele estragasse esta felicidade. Com uma coragem que tirei não sei de onde, ergui meu joelho para o meio de suas pernas com toda a força que pude. Ele se afastou do meu pescoço, gemendo de dor. E foi neste momento que o empurrei pelo peito com o pé da mesma perna que lhe deu a joelhada. Ele tombou para trás, caindo da cama. Aproveitei para me levantar.

"Esta foi a última vez que você tentou fazer isto" - disse, enquanto pegava minha mala - "Nunca mais vai me machucar" - saí do quarto, levando a mala comigo.

Odiei-me por ter pensado em Rodri quando impedi o beijo aquele dia no apartamento do Christopher. Ele não merecia minha consideração. E talvez, aquele beijo fosse o nosso último. Porque, eu sabia que o que me levou a deseja-lo aquela noite, foi o amor que ainda sentia por ele, mas o que o levou foi a confusão, com todas aquelas lembranças sobrevoando sobre nós dois.

Fui para o quarto de visitas, que já estava quase se tornando meu. Passei horas pensando na minha vida. E decidi que não fazia sentindo algum continuar com o Rodri, ainda que ele não fizesse o que faz comigo. Eu não o amava, e nunca o amei. Perdi tempo demais tentando. E como naquele momento eu estava recomeçando minha carreira, decidi que tentaria ser feliz... Sozinha.

Ainda que Christopher estivesse de volta, ele não me amava. Então, não iria perder mais tempo com ele também. Daquele momento em diante, eu viveria para mim, e amaria a mim mesma. Eu só precisava convencer-me que esta era a melhor decisão.

Acordei cedo, após as poucas horas de sono que tive. Mas depois de tomar banho e me lembrar de o que me esperava pela frente naquele dia, eu me senti mais disposta. Tomei café e me despedi de Conchita. Precisei ouvir todas as recomendações dela, senão não a deixaria tranquila em casa.

Eu ainda não conhecia Guanajuato, e logo que cheguei à cidade me encantei em ver a história toda conservada nos monumentos históricos e casas. Lamentei por não dar tempo de conhecer tudo, já que ficaremos na cidade apenas três dias.

Eu estava me instalando no quarto do hotel no centro da cidade, quando escutei batidas na porta. Fui atender, e era ele dando aquele sorriso para mim, o meu sorriso favorito. Às vezes penso se ele faz isso de propósito.

"Já está acomodada?" - ele perguntou.

"Mm-hm" - disse, ajeitando meus cabelos com os dedos, na frente do espelho.

"Estava pensando em darmos uma volta pela cidade, e depois parar em algum lugar para almoçar, antes de irmos para o lugar onde iremos gravar"

"É longe?" - mordi meu lábio inferior.

"Tcs" - ele estralou a língua em uma careta - "Um pouco afastado da cidade, mas não muito longe. Já estão todos lá, montando cenário, ajeitando tudo, inclusive Pedro. Mas eu já avisei que iríamos após o almoço"

"E como chegaremos lá?"

"Eu aluguei um carro, não se preocupe" - disse, piscando um olho.

Peguei minha bolsa e saímos. Pegando a rua do hotel, nós seguimos em frente caminhando e observando, comentando sobre as casas, algumas pessoas de costumes da região que passavam ou estavam na calçada vendendo alguma coisa. Entramos em algumas lojinhas de artesanato, e até comprei um para Conchita. Quando continuamos nosso passeio, um pouco mais a frente, chegamos à igreja da cidade. Linda, e muito grande. O chamei para entrarmos um pouquinho. Eu tinha algumas coisas para agradecer e conversar com Ele lá de cima.

Ao entrarmos, Christopher me abraçou pelos ombros, e assim fomos caminhando até o altar. Quando chegamos, ele parou ao lado do primeiro banco, fez o sinal da cruz e ficou me esperando, enquanto eu segui até um pouco mais acima, e parei diante da imagem da Virgem de Guadalupe, fazendo o sinal da cruz. Ajoelhei-me, juntei minhas mãos na frente do meu queixo e fechei os olhos. Agradeci a Ela pela oportunidade deste trabalho, e de poder estar recomeçando minha vida com algo que eu amo tanto.

"Virgenzinha..." - disse, em pensamento - "Por que o trouxe de volta?" - me referindo ao Christopher - "Por que quis trazer todos os meus fantasmas para me assombrar, e abrir minhas feridas?" - já pude sentir meus olhos empapados pelas lágrimas - "Eu o amo, sempre o amei... A Senhora sabe, sempre soube. Por que o tirou de mim, e agora o trás de volta? Ilumine-me, Virgenzinha... E me abençoe muito nesta nova etapa da minha vida. Eu confio na Senhora e sei que o que faz, é para o meu bem, de alguma forma, ainda que às vezes talvez eu não compreenda. Só não me machuque outra vez. Dê-me forças para suportar a presença dele tão perto de mim" - apertei forte os meus olhos, e lágrimas grossas foram liberadas - "Amém" - sussurrei, fazendo o sinal da cruz antes de levantar.

Aproximei-me dele, enxugando as lágrimas. Ele sorriu, tomando meu lugar, passando seus dedos sobre minhas bochechas secando as lágrimas. Ensaiei um sorriso, enquanto ele me deu um beijo no alto dos cabelos.

"Está bem?" - perguntou, acariciando minha bochecha com o dedo polegar.

"Mm-hm" - assenti.

"Vamos almoçar?"

Almoçamos em um restaurante próximo a igreja, e logo depois voltamos caminhando para o hotel, onde pegamos o carro e seguimos para o local de gravação. Saímos da cidade e pegamos uma estrada de terra. Agradeci pelo carro possuir tração nas quatro rodas. Depois de quase meia hora de estrada, eu já estava ficando nauseada de tanto ver boi, vaca, montanha e árvores dos dois lados da estrada e sentir um forte cheiro de esterco. Apoiei meu cotovelo na porta e fiquei mexendo nos meus cabelos, entediada.

"Tenho uma surpresa para você" - ele disse, com um sorriso travesso nos lábios, enquanto dirigia.

Eu o teria questionado sobre esta surpresa, se não estivesse distraída e até mesmo ocupada demais o observando. Ele estava absurdamente lindo hoje. Estava com uma blusa social sport branca com os primeiros botões abertos, exibindo os pouquinhos pelos clarinhos que têm sobre o peito, e óculos ray ban estilo aviador.

Lembrei-me que há muitos anos atrás, eu estaria com uma mão sobre sua coxa, ou na sua nuca lhe fazendo carinhos com a ponta das unhas. No passado quando éramos namorados, e até mesmo amigos. É estranho o tipo de relação que temos agora, porque eu nem mesmo sei o nome, ou como é. Só sei que não é como antes, e é algo que nunca imaginei que chegaríamos a ser; quase dois estranhos, desconfortáveis com a presença um do outro, sem assunto, ou sem conseguir manter um.

Ao estacionar o carro, ele deu a volta e abriu a porta para mim. Abraçou-me pelos ombros, e me guiou. E só então me dei conta ao olhar para frente e ver a casa.

Assim como eu havia imaginado há uns dez anos atrás. Estávamos namorando, e um dia disse a ele em meio a nossa conversa que se um dia a gente se casasse, nossa casa seria em estilo gregoriano, e teria uns três andares. Ela seria toda de tijolinhos com as janelas e fachadas históricas da Inglaterra na cor branca. Teria a área da lareira grande e aconchegante, para o inverno. E o primeiro andar, teria uma varanda contornando toda a casa. Uma vez vi num filme e achei linda. "Eu pensei que você quisesse morar numa casa de praia, em Acapulco", ele disse zombando. "E quero", disse, cruzando os braços "Para os finais de semana quando quisermos pegar uma praia, e levar nossos filhos nas férias", ele riu da minha convicção. Eu não sabia se um dia eu iria realmente querer morar em uma casa assim, naquele momento eu havia lhe falado brincando. Mas, nos meus sonhos mais piegas, era assim. E que mulher não se imagina em um conto de fadas de vez enquanto, mesmo sabendo que não existe?

Ficamos parados por alguns minutos diante da casa, enquanto eu me lembrava de todas as vezes que eu falei com ele da nossa casa. Ele ainda me abraçava pelos ombros.

"E então?" - ele perguntou, me trazendo de volta ao presente - "Gostou da surpresa?" - eu precisei de alguns segundos para devolver umidade a minha boca, e conseguir falar.

"Quem a fez? Quero dizer, foi você que mandou, ou, não sei...?!" - não sabia o que falar - "Como ainda se lembra?"

"Eu teria mandado construí-la se você pedisse" - levantei meu rosto para olha-lo, e aquela pitada de humor estava ali em seus olhos e sorriso. Voltei a olhar a casa, balançando a cabeça para os lados, fazendo uma careta - "Pedro a encontrou e achou ideal para gravarmos. Nós a alugamos por uma temporada" - eu assenti surpresa com a coincidência. Não era idêntica, mas havia muita semelhança.

"Quando eu lhe dizia que queria morar em uma casa como essa, não imaginei que você levasse a sério, quero dizer... Eu também acreditava em fadas e no Peter Pan"

"Você acabou de me dar um motivo para ter acreditado" - disse, coçando a costeleta. Eu ri - "Você ainda não respondeu se gostou" - o olhei novamente, e meu sorriso preferido estava ali. Sorri, sem poder evitar.

"É a casa dos meus sonhos, como não gostar se me dei conta que ela existe?" - ele sorriu todo lindo e seguimos adiante.

Encontramos Pedro lá dentro dando algumas instruções. Quando nos viu entrar, se aproximou, nos cumprimentando. Ele foi até uma mesa e pegou algumas folhas e me entregou. Disse que antes de gravar o que eu já havia decorado, eu gravaria duas cenas para promover a minissérie. Explicou-me que eram pequenas e fáceis de decorar.

"Enquanto você estuda, eu vou a uma área aqui perto para gravar uma cena de ataque do exército mexicano contra o espanhol. Quando eu voltar, gravamos a sua. Será gravada aos fundos da casa" - eu assenti - "Vamos Christopher, vou precisar de você" - ele assentiu e me olhou.

Talvez eu tenha entendido errado, mas senti certa resistência dele em me deixar sozinha ali. Sorri confiante, dizendo que os via mais tarde e desejando bom trabalho. Ele sorriu, e aparentemente relutante, seguiu com Pedro para fora da casa.

Sentei-me em um sofá que vi próximo de mim e comecei a ler o texto. Minutos depois, Rafael Novoa, o ator que será Valentino, meu par romântico na estória se aproximou me cumprimentando. Eu o conheci durante as reuniões ao decorrer da semana, mas antes só o conhecia pela televisão. Ele é colombiano, mas já fez vários trabalhos na Televisa, e agora fará essa minissérie. Ele se sentou ao meu lado e terminamos de passar o texto juntos. Um tempo depois, Pedro e Christopher retornaram. Neste momento, eu ria gostosamente de algo que Rafael me contava.

"Anahí, preciso falar com você" - Christopher disse com voz firme, se aproximando.

Levantei-me, ainda rindo, dizendo ao Rafael que já voltava. Christopher andou na frente e eu o segui, até a sala de jantar.

"O que foi?" - perguntei, ainda rindo me lembrando de Rafael.

"Conseguiu passar o texto?"

"Mm-hm... Como o Pedro havia dito, está fácil de decorar" - me virei para voltar à sala.

"Espera" - me virei, o olhando - "Não tem nenhuma dúvida que queira tirar comigo?"

"Está tudo bem, Christopher, não se preocupe" - sorri, me virando.

"Não quer uma água ou alguma outra coisa antes de gravar?"

"O que você tem?" - perguntei rindo - "Estou bem" - sai rindo, balançando a cabeça para os lados.

Aproximei-me de Pedro e Rafael, me sentando onde eu estava antes. Ao olhar para Christopher, ele ainda estava lá na sala de jantar, me olhando com uma expressão estranha, incomodada, quase de dor. Franzi o cenho, achando realmente estranho. Mas não pude seguir pensando nisso, pois Pedro nos chamou para gravar a cena. Arrumamos-nos com as roupas dos personagens, correspondente à época da independência do México.

Fomos lá para a parte de trás da casa. Quando eu estudei as cenas, eu achei tranquilas de fazer, e até mesmo bonitas. Mas só me dei conta de como realmente era, quando Pedro disse 'ação' e eu e Rafael começamos a gravar.

Na primeira cena Maria Alicia e Valentino juram amor eterno, e que lutarão para viver esse amor.

"Eu te amo, Valentino", disse Maria Alicia "O que faremos para viver nosso amor?", ela pergunta desconsolada abraçada ao peito do amado. "O viveremos, minha vida, o viveremos", ele diz acariciando-lhe os cabelos "Só precisamos mantê-lo em segredo, até que tudo se acalme", ele aconselha. Pedro nos pediu que repetisse mais duas vezes para assegurar.

Já na segunda cena, Valentino se encontra com Maria Alicia para se despedir, pois partiria para a guerra para lutar pelo seu país, o México. Desconsolada, ela pede que ele não vá que deixe que os outros soldados façam esse trabalho, pois não suportaria perdê-lo. Mas ele lhe diz adeus, deixando-a com um grande vazio no peito e uma terrível dor no coração. Não foi difícil para mim chorar nesta cena. Mesmo que na primeira vez, eu tenha errado o texto e tenhamos repetido, e da outra vez o Rafael que tenha esquecido sua fala. E mesmo que Pedro tenha pedido para fazermos a cena mais duas vezes. Em todas eu chorei com igual vigor, com igual intensidade. E tenho certeza, choraria em quantas vezes mais eu tivesse que repetir esta cena. Porque, eu sabia melhor que ninguém, da dor que Maria Alicia estava sentindo. Eu a compreendia, porque vivi algo muito semelhante, eu passei pela mesma perda. Por isso, eu emprestei minha dor para esta cena, por isto compartilhei com minha personagem minha emoção.

Momentos depois, a equipe de imagem chamou Rafael e eu para fazermos as fotos promocionais. Experimentei vários vestidos e no início eu estava adorando tudo aquilo. Mas chegou certo momento que comecei a me sentir cansada. Tiramos muitas fotos, tanto dentro da casa, nos diversos cômodos em estilo gregoriano, como na área externa; na varanda, jardim, em um lago que fica a uns 100m da casa, numa carruagem, enfim. Senti a presença de Christopher me observando em vários momentos, e isso me desconcentrava um pouco.

Rafael é um homem muito bem humorado, e gosta muito de brincar. Durante as fotos, eu ri muito com suas brincadeiras. Quando não era por algum comentário que fazia, era porque ele me apertava, ou me fazia cócegas, ou me mordia. Em uma das sessões, eu estava vestida com um vestido estilo colonial azul turquesa, meus cabelos presos pela metade no alto da cabeça, caindo em cachos pelas minhas costas. Estávamos fazendo uma pose para uma foto perto da carruagem, ele estava me abraçando por trás, mas de repente mordeu minha bochecha, me causando um gritinho seguido de uma gostosa gargalhada enquanto lhe dava tapinhas. Ao voltar minha mirada para frente, notei a presença de Christopher bem lá na frente me observando de longe com os braços cruzados sobre o peito. Sua expressão era dura, séria. Mordi o lábio, sentindo um arrepio.

Quando terminamos as fotos, o dia já estava chegando ao fim, mas não a rotina de trabalho. Eu ainda tinha cenas para gravar. Já passava das 23hrs quando Pedro finalizou aquele dia de trabalho. E foi com ele que voltei para o hotel.

Após tomar um banho relaxante, me livrei da metade do cansaço do meu corpo. Pedi alguma coisa leve para comer no quarto, e depois me deitei para dormir. Mas não consegui. Lembrei-me das duas cenas que gravei para promover a novela. Assim como Christopher e eu tínhamos medo da imprensa ficar sabendo de nós dois e estragar nossa relação, Maria Alicia e Valentino também tiveram, pois seus países eram rivais. E assim como Christopher me disse adeus e foi embora me deixando um grande vazio, com Maria Alicia passou o mesmo. Duas histórias tão diferentes, e ao mesmo tempo parecidas. Fiquei pensando nisso, e em como Christopher estava estranho todo o dia, de cara fechada, como se estivesse incomodado com algo. De repente, ouvi batidas na porta. Encolhi-me no escuro do quarto, imaginando quem poderia ser aquela hora.

"Annie..." - ouvi a voz dele - "Está acordada?"

Sentei-me na cama, franzino o cenho me perguntando o que será que ele queria comigo àquela hora. Levantei-me, e ao acender a luz, fui até o espelho e dei uma leve ajeitada nos meus cabelos antes de atender a porta. Ao abri-la, o vi parado ali, bem na minha frente. Sua mão estava apoiada no batente da porta, e sua testa descansava em seu braço.

"Christopher?" - o chamei baixinho.

Ele levantou o rosto e me olhou nos olhos. Estava sério, e sua mandíbula tremia. Ele seguia sem dizer nada, apenas me olhava intensamente. E aquela mirada tão profunda, estava me deixando sem ar. Seus olhos passaram para meus lábios, um instante antes de voltar aos meus olhos. E assim ficou oscilando, entre meus olhos e meus lábios. Minha respiração já falhava, e meu peito subia e descia descompassado, em busca de ar. O dele... Também. Mordi meu lábio inferior, olhando-o nos olhos, e de repente, ele se virou para ir embora.

"Christopher?" - ele parou, se virando - "Está tudo bem?"

"Sim, quero dizer, eu só vim te parabenizar pelo primeiro dia de gravação" - ele apertou os olhos ao falar.

Apoiei minhas mãos no batente da porta, e descansei meu rosto sobre elas. Com um sorriso curioso nos lábios, fiquei o observando por alguns segundos, parado ali, no meio do corredor. Aquele era o Christopher que eu conhecia há anos atrás, que não conseguia ocultar quando passava algo com ele. Se fosse apenas para me parabenizar, ele o teria feito, simplesmente. Não teria afetado cada célula do meu corpo com aquele olhar, e depois se virado para ir embora. Mas eu não forçaria, o deixaria a vontade para dizer o que tenha para dizer, no seu tempo.

"Obrigada, então" - sorri.

"Boa noite" - ele disse, antes de se virar outra vez.

Fiquei ali, parada sorrindo enquanto o via sumir do corredor e entrar no seu quarto. Era bom vê-lo antes de dormir, mesmo que seja nestas circunstâncias.

Na manhã seguinte, durante o café da manhã no restaurante do hotel, Pedro me deu um endereço e mandou-me comparecer nele logo após terminarmos de comer para eu gravar a música da minissérie. Fiquei super contente e animada. Só uma coisa me entristecia: Christopher não poderia me acompanhar. Ele teria que ir com Pedro para o local de gravação.

"Pedro, você não vai precisar de mim lá" - ele disse, solvendo um pouco de café - "Eu acompanho a Annie, e qualquer coisa você me liga" - Pedro parecia pensar no assunto - "Sem contar que ela não conhece nada aqui, bem capaz de se perder"

"Eu sei me vi-" - eu ia dizer, mas ele me interrompeu.

"Shh" - disse, piscando um olho e dando meu sorriso favorito. Apertei os lábios num sorriso.

Ele tinha razão em duas coisas. Pedro não precisaria do autor lá presente todo o tempo. Na verdade, Christopher está aqui nesta viagem apenas por vontade própria, enfim, não sei realmente porque ele veio, já que não havia necessidade dele aqui. Talvez por perfeccionismo de querer vir a estória do jeitinho que ele escreveu.

E ele também tinha razão quando disse que eu me perderia. Porque isso geralmente acontece em lugares que não conheço. Sempre me perco, e entro em desespero. Já aconteceu até durante a época da RBD, quando saíamos de um evento, e eu me distraí dando atenção aos fãs, e quando olhei para os lados, já não havia mais nenhum dos meus amigos, nem ninguém da equipe. Eu tinha ficado para trás, sozinha. Entrei em total desespero, e sentia que seria engolida ou amassada por aquela multidão de fãs a qualquer momento. Até que o motorista do Christopher apareceu, me falando que Christopher o mandou atrás de mim me buscar, ou na melhor das hipóteses, me salvar.

Pedro se levantou, concordando em que Christopher me acompanhasse no estúdio para gravar a música. E ainda que eu não tenha demonstrado como queria por dentro eu explodia de uma felicidade boba.

Ao chegar ao estúdio, me dei conta que não seria difícil chegar até ali, eu poderia ir sozinha que não me perderia. E eu disse isso a ele, apenas para provoca-lo, porque, ele ter ido comigo foi o melhor que poderia acontecer. Aquele seria um momento muito especial para mim; eu gravaria uma música, voltaria a cantar, a fazer o que tanto amo. E ele estaria ali comigo, me vendo, me ouvindo, compartilhando isto comigo.

Sentamos-nos em um sofá e o produtor musical me explicou direitinho as notas da música, como eu cantaria, como seria, enfim. Passei algumas partes com ele, para reforçar, e em seguida ele saiu deixando Christopher e eu sozinhos. A letra da música já não me afetava mais, porque agora, eu o tinha ali comigo, ainda que não fosse como eu desejava.

"Está tudo bem?" - ele perguntou, ao ficarmos sozinhos - "Quero dizer, a música..." - ele se atrapalhou nas palavras, talvez, tentando falar no melhor jeito possível. Sorri para tranquiliza-lo, e assim, ajudá-lo a controlar a quantidade de vezes que piscava os olhos e sacudia os ombros para trás...

"Já superei" - ele assentiu pensativo.

Ele pegou as folhas da minha mão, dizendo que ia me ajudar a ensaiar. Eu dei uma gostosa gargalhada, enquanto tentava pegar as folhas de volta. Porque, ao contrário de me ajudar, ele me atrapalharia, como já estava fazendo ao começar a música com humor, me causando tanto riso. Mas, minutos depois, já estávamos cantando de maneira correta, seguindo a letra que estava em minhas mãos.

"Formamos um bom dueto" - ele disse, se virando para mim ao terminarmos a música.

Virei meu rosto para olha-lo, e me dei conta que nossas faces estavam bem próximas. Senti sua respiração tocar minha pele, e engoli em seco, olhando-o nos olhos.

"Mm-hm" - assenti, e lamentei por sermos bons apenas nisto. Ou que não fôssemos bons apenas no que eu gostaria de ser com ele: um casal.

Precisei lutar contra a vontade da minha mão, de lhe acariciar a barba na bochecha, no queixo e no pescoço. E só consegui, porque o produtor veio me chamar para gravar a música. Afastei-me rapidamente, desconcertada com a situação, me levantando e saindo dali, sentindo meu rosto queimar.

Entrei no estúdio de gravação, e ele ficou do outro lado do vidro, me observando. De olhos abertos, o via ali na minha frente, me passando toda a segurança que eu precisava, e ao fecha-los, também era ele que eu via, então sorria, sem poder evitar.

Depois de me deixar lá no local de gravação, eu não o vi mais todo o dia. No fim da tarde quando tive um momento de descanso enquanto outras cenas seriam gravadas, fiquei sabendo que ele havia voltado para a cidade. Fiz uma careta, ao pensar que ele nem se despediu de mim, ainda que eu tivesse consciência que ele não tinha obrigação de fazer isto. Talvez tenha ido se encontrar com alguém, viver a vida dele não somente em função do trabalho. Pensar nisto, que ele poderia estar com uma mulher, me incomodou. E não me culpei por isto. Quero dizer, eu o amava e não me agradava nem um pouco imaginar vê-lo com outra. Nunca me agradou.

"Me dá medo até imaginar o que está pensando para estar com esta carinha emburrada"

Levantei a mirada e vi Rafael parado na minha frente, sorrindo. Eu estava sentada na varanda com um braço dobrado e a outra mão apoiando meu queixo. Sorri para ele, ajeitando meus cabelos.

"Não é nada demais... Apenas pensando" - respondi. Ele levantou uma sobrancelha, como se não acreditasse em mim.

"Saudade de casa, do marido...?" - ensaiei um sorriso, evitando responder - "Eu entendo... Também passo pelo mesmo" - o olhei, e ele fez uma careta.

Ele pegou sua carteira e dela tirou uma foto linda da sua família. Mulher e dois filhos lindos. Senti uma pontinha de inveja, lembrando o quanto já desejei ter uma família assim. E ele falava da sua com tanto amor e carinho, que ao mesmo tempo em que eu achava lindo ouvir isso, eu também ficava triste em pensar que não teria a minha tão cedo, ou nunca. Ficamos ali conversando enquanto não éramos chamados para gravar, e ele me fez esquecer Christopher e o que ele estaria fazendo, por um tempo.

Já passava das 21hrs quando Pedro disse que minhas cenas já haviam terminado para aquele dia. Troquei-me e fiquei lá fora da casa, andando de um lado para o outro sem ter o que fazer. Não tinha como eu voltar para o hotel. Tinha que esperar Pedro, e ele não terminaria tão cedo...

De repente, uma mão conhecida apareceu na frente do meu rosto segurando dois ingressos, enquanto uma voz rouca que eu tanto amava sussurrava atrás de mim próxima ao meu ouvido, me fazendo sentir seu hálito quente tocar a pele do meu pescoço.

"Não aceito um 'não' como resposta" - me virei, sorrindo.

"O que é isto?" - disse feliz por vê-lo, esquecendo que estava chateada por ele ter sumido o dia todo.

"Duas entradas para o show do Kalimba, que terá esta noite no Auditório da cidade"

"Mmm..." - fiz uma careta cansada - "Hoje?"

"Mm-hm! Hoje, daqui a pouco!" - disse, apertando meu nariz franzido. Ri, tentando me livrar da sua mão - "Já terminou de gravar, que eu sei" - disse, dando meu sorriso - "Então vamos para o hotel, você se arruma... Rapidinho..." - ele enfatizou o 'rapidinho' - "e nós vamos ao show" - disse, piscando um olho.