Esteja Onde Estiver

Anahi: Capítulo 7


Rodri estava sentado na poltrona que tem no canto do quarto, apoiando uma perna sobre a outra. Estava vestindo uma camiseta branca de algodão e uma cueca samba canção preta, o que me fez pensar que ele chegara há um tempo. Logo mais, a minha frente, vi um buquê de rosas no chão, fazendo meu coração acelerar temendo o que estaria por vir.

"Eu pensei que chegaria só pela manhã" - entrei e fechei a porta - "Por que.. por quê-" - tentei perguntar, olhando para as flores no chão.

"Estava chegando em casa mais cedo para te fazer uma surpresa, quando Lucas me ligou falando que estava passando em frente a uma boate e te viu entrar. Eu disse que deixasse de ser tricoteiro, pois eu sabia e eu mesmo a apoiei para sair" - ele dizia o que eu já sabia, mas não aliviava as fortes batidas no meu peito - "E mesmo que ele tenha dito que era a mais nova concorrente, não me importei, afinal, é bom saber o que o concorrência está fazendo para eu fazer melhor"

"Rodri, eu não estou entendendo aonde quer chegar... O que essas flores fazem no chão? Por que está falando com esse tom arrogante?"

"Lucas estacionou e foi até a frente da boate cumprimentar alguns amigos. Ele o viu, Anahí. Viu quando ele entrou"

Meu coração acelerou ainda mais. Agora eu já compreendia o que estava acontecendo, já me dava conta de que minha noite não terminaria como eu havia imaginado. Eu precisava manter a calma para que quando eu falasse, mostrasse segurança nas minhas palavras. Do contrário, Rodri tiraria suas próprias conclusões, ou melhor dizendo, ele teria certeza das conclusões que provavelmente já havia tirado.

"Do que está falando, Rodri?" - perguntei com ar indiferente.

"Christopher refresca sua memória?"

"Ah, sim. Eu o encontrei lá. Precisava castigar as flores por algo insignificante como isso? E quando digo 'isso' me refiro ao seu ciúme patético"

"Vai negar que não sabia que ele estava de volta?!" - se aproximou, segurando meus braços.

"Me solta" - tentei me soltar - "Não vou negar nada. Eu soube semana passada. Mas não achei tão importante para ficar contando"

"Para ficar contando?" - riu, sem humor - "Sou seu marido"

"E ele é meu ex namorado. O que ele tem a ver com nossa vida?"

Ele ia dizer algo, mas se calou. Tive vontade de gritar na cara dele o que ele não teve coragem de falar; que eu ainda sentia algo pelo Christopher, que sempre senti e sentirei, e que ele sempre soube que Christopher sentia o mesmo por mim e sempre temeu a volta dele justamente por isso. Só não lhe gritaria que eu já não significo nada para Christopher há muitos anos. Porque isto, doeria mais em mim do que nele, e o efeito seria ao revez.

Rodri me puxou com muita força para junto de si, colando nossos lábios. Tentei empurra-lo, me soltar, mas foi inútil, ele queria me castigar.

Ao me jogar na cama, desisti de lutar e me dei conta que agora não restava nada que me fizesse tentar lutar por esta relação, porque a distância e a ausência me davam coragem para lutar pelo meu casamento, mesmo sob estas condições. Mas agora ele estava de volta, e isso me deixou impotente, ainda mais fraca. Talvez, eu não o tenha nunca mais, mas enquanto ele estiver tão perto eu não poderei nem tentar ser feliz com outra pessoa.

Ao ficar sozinha na cama, não esperei passar nenhum minuto. Antes mesmo de ouvir a ducha no banheiro ser ligada por Rodri, eu me levantei cobrindo-me com o lençol enquanto tentava cessar meu choro. Fui até o closet e peguei uma roupa limpa. Abaixei-me, joguei as bolsas que estavam na frente para fora, espalhando-as pelo caminho e peguei a caixa preta. Soltei um soluço acompanhado da dor que senti ao tocar na caixa. Puxei o lençol envolta do pé antes de me levantar, peguei a caixa e minha roupa e saí do quarto.

Fui direto para o quarto de visitas e girei a chave várias vezes, como se isto me afastasse ainda mais de Rodri. Coloquei minha roupa e a caixa sobre a cama, larguei o lençol no chão e fui para o banheiro. Tentei esquecer tudo o que vivi nos últimos momentos, resgatando os momentos de horas atrás. Mas isso me doía ainda mais, porque me fez lembrar que o melhor das brigas com Christopher, era a reconciliação. Por mais intensos que fossem nossos momentos de amor, as marcas deixadas eram de paixão mútua no ato do nosso amor. Não eram causadas pela minha tentativa de me libertar, de escapar de algo que eu não podia nem queria fazer. Dei-me conta que mãos tão grandes me deram tanto carinho, enquanto mãos bem menores me causam tanto dano. E ainda pior, admiti que eu nunca mais teria Christopher de volta para me amar como me amava.

Quando terminei de me vestir, o dia já estava querendo chegar. Fui até a janela e vi lá de longe o sol despontando no horizonte; tão lindo, tão renovado. Fechei os olhos e respirei fundo, tentando resgatar esta renovação, para que enchesse meu coração de esperanças. Esperanças para um novo amanhã.

Sentei-me na cama e despejei todo o conteúdo da caixa ali na minha frente. Peguei uma foto nossa da época da banda e me deitei. Puxei toda nossa história para bem juntinho de mim, abracei a foto e fechei os olhos. Mais que nunca, eu precisava sentir ele ali comigo enquanto eu dormia.

Acordei com batidas na porta. Olhei para o relógio na mesinha de cabeceira, e marcava meio dia. As batidas continuaram, seguidas da voz de Rodri, me pedindo perdão e que eu abrisse para conversarmos. Ignorei e voltei a dormir. Mais tarde, despertei novamente com batidas na porta. Desta vez, logo ouvi a voz de Conchita com aquele tom preocupado dela. Olhei para o relógio, e este marcava 14h30min.

"Menina, ele não está. Foi almoçar na casa dos pais. Abra, você precisa comer algo"

Conchita já sabia que quando eu dormia ali, era por motivo de briga entre Rodri e eu. Eu não fazia questão alguma de expulsar ele do nosso quarto para que eu dormisse lá. Pelo contrário, eu queria estar longe daquilo que me lembrava ele e os maus momentos que passei. E eu sabia que se ela estava dizendo que ele não estava, então era verdade. Conchita não mentiria para mim em favor do Rodri. Ela mentiria para ele se fosse para me ajudar. Ela seria grossa e impetulante com Rodri se fosse para me defender. E o risco de ser despedida não a temia, porque ela sabia que sempre teria a mim para defendê-la também. Rodri sabia de tudo isto, e também sabia que quanto a isso não podia fazer nada.

Todo o resto do domingo me serviu para pensar no que eu queria para mim, e repensar se tudo o que eu fiz até aquele momento foi o certo. Recebi conselhos de Conchita, e mais à noite quando Clau chegou para conversarmos e eu contar tudo o que aconteceu nos últimos dias, ela também me aconselhou. Daquele jeito dela, nada sensível, nada delicado, mas que me ajudou muito. Então, me deitei aquela noite, outra vez no quarto de visitas, decidida a duas coisas. A primeira: continuar ignorando as batidas de Rodri na porta e seus pedidos de perdão até ele cansar e ir dormir. E a segunda: amanhã ir falar com Pedro e dar minha resposta.

Depois de malhar, me arrumei e fui ao escritório do Pedro conversar com ele. Quando saí de lá, fui pegar Ana Pau no colégio, como havíamos combinado ontem quando liguei para ela. A levei ao shopping para almoçarmos antes de fazer o que ela realmente queria. Passamos por várias lojas até ela enfim encontrar o que queria. Ela acabou de completar onze anos, mas a considero bastante precoce para sua idade. Seu corpinho também já está bastante desenvolvido, se comparado ao meu com esta idade.

Há algumas semanas que ela vinha me pedindo que lhe comprasse um sutiã que está na moda entre suas amiguinhas do colégio. Neni não queria comprar por considerar exagero para uma menina daquela idade, e mesmo recorrendo à minha mãe, ela não conseguiu. Então, o jeito foi pedir a mim. Minha irmã disse para não comprar, mas tive que usar a desculpa de que eu já havia prometido lhe comprar antes de saber que não era para lhe dar. Só assim Ana Pau conseguiu o que queria, e eu contribuí para que ela ficasse ainda mais mimada. No meio da tarde, ela já havia conseguido seu sutiã, uma calça e uma blusa.

Quando estávamos indo embora, aproveitei para conversar com ela sobre Christopher.

"O que quero que entenda, é que às vezes os adultos falam coisas que não são certas na hora da raiva" - disse, enquanto dirigia.

"Então ele não é idiota, nem nenhuma das mil coisas que todos diziam?" - me perguntou levantando uma sobrancelha.

"Não, princesa" - sorri - "Ele é uma boa pessoa. Um grande amigo"

"Tia, você ainda é apaixonada por ele!" - ela afirmou surpresa.

"Claro que não" - ri, nervosamente - "Quando estiver maiorzinha vai entender que depois que termina com alguém, pode ser amigo dela" - disse a ela, mas tentando convencer a mim mesma disso.

"Olhe ali... não é ele?" - ela apontou para a calçada.

Olhei e era mesmo ele. Estava saindo do carro. Reduzi a velocidade e buzinei para lhe chamar a atenção. Ele olhou e eu acenei então ele sorriu e fez sinal para que eu estacionasse meu carro. Enquanto estacionava, vi pelo retrovisor ele se aproximando. Quando saí do carro, o cumprimentei e Ana Pau fez o mesmo. Desta vez, ela foi tão doce e educada, que até eu que havia tido aquela conversa com ela minutos atrás, levantei uma sobrancelha achando estranho. Ela me olhou e piscou um olho. Tive uma leve impressão, então, sobre o comportamento dela. Quando o olhei, ele parecia confuso, então sorri enquanto colocava meus óculos no alto da cabeça. Ele me convidou para irmos tomar café. Eu aceitei e fomos ao café que eu costumo ir, ali mesmo naquela rua, próximo de onde estávamos.

Sentamos-nos de frente um para o outro, e Ana Pau se sentou ao meu lado.

"O que vão querer?" - ele perguntou.

"Eu quero um cappuccino com creme, e você Ana Pau? Um milk shake, bolo de chocolate?"

"Tia, por favor! Engordei só de te ouvir falar" - ela revirou os olhos - "Se eu quiser que a roupa que comprei hoje continue servindo sábado para a festa da Renatinha, tenho que ficar longe de doces" - balançou a cabeça para os lados - "Posso te esperar ali no pc?" - apontou para o cantinho onde ficava os computadores.

Quando ela saiu, ele ficou rindo um tempinho, achando graça do jeito precoce e pré adolescente dela. Depois que nossos pedidos chegaram, solvi um pouco do meu cappuccino, e notei que ele me olhava sério. O olhei com uma expressão surpresa, esperando que ele me dissesse o que havia de errado.

"Por que não me contou?" - fiquei ainda mais confusa - "Acabei de vir do escritório do Pedro e ele me contou"

"Ah! Bem, não sabia que eu devia comunicar minha resposta ao autor também, achei que fosse só para o produtor" - ele apertou os lábios e assentiu com uma expressão incomodada.

"Então, sou só um autor para você?"

"Você já foi várias coisas na minha vida..." - colega de trabalho, amigo, namorado, amante, ex namorado, meu grande amor, quis dizer isso à ele - "Hoje você é o autor de um projeto que estou envolvida. Ou não?"

"Ou não o quê? Que eu sou só um autor, ou que você está realmente envolvida?"

"Os dois" - dei de ombros, solvendo mais do cappuccino.

"Você está realmente envolvida no projeto" - meu coração disparou, sem que eu pudesse evitar - "Pedro me disse que já marcou o dia que você vai gravar o piloto"

"Sim... Quinta feira à tarde vou gravar uma cena. Quero só ver se eu não me encaixar no personagem... Vocês estão muito confiantes, e talvez estejam errados"

"Nós estamos certos, fique tranquila"

Por alguns dias, eu não tive disposição de perdoar e conversar com Rodri. Por isso, não o comuniquei da minha decisão de aceitar o trabalho, nem que eu estava a um passo de assinar o contrato. Também não voltei a dormir no nosso quarto. Eu disse a ele que precisava de tempo para pensar sobre tudo o que estava acontecendo com nós dois. E não evitei lembrar a ele que ele sempre me prometia não errar outra vez comigo, mas não cumpria.

Estive muito ansiosa para que chegasse a quinta feira e eu gravasse o piloto. Ainda que fosse só um piloto, eu já me sentia animada de voltar a gravar, decorar um texto, ser filmada, estar em um estúdio.

A cena foi gravada na casa do Pedro, mas antes de gravarmos, me reuni com ele e Christopher para que me explicassem com mais detalhes sobre a estória e a cena que eu gravaria.

Será uma minissérie de época que se passará em meados da Independência do México, em que contará a história de um amor proibido entre Maria Alicia e Valentino, uma espanhola da realeza e um soldado mexicano. A estória se desenvolverá durante as guerras entre México e Espanha, quando um homem fica dividido entre o amor da sua vida e o amor à sua terra.

Eles me explicaram a cena que eu iria gravar para o piloto. Seria uma cena entre minha personagem e o soldado mexicano, em que ele se despede dela para ir lutar na guerra e ela pede que ele não vá, sugerindo que fujam para viver seu amor. O ator que contracenou comigo não era o oficial, também estava ali para gravar um piloto.

No fim da tarde, quando terminei de gravar, Pedro e Christopher me olhavam com um mistério na face.

"E então?" - quis saber.

"Você foi bem... Verdade, Christopher?" - perguntou inexpressivo.

"Sim, sim... foi bem" - respondeu, coçando a costeleta com o dedo indicador.

Franzi o cenho e mordi o lábio inferior. Sair-me bem não é um bom sinal. Com uma careta me despedi deles e disse que aguardaria a resposta. Mas no fundo, eu já sabia que este papel não seria meu. E não me culparia, afinal, havia anos que eu estava longe dos estúdios, é normal que eu esteja um pouco enferrujada. Ainda que eu estivesse certa que eu tenha dado o melhor de mim naquela cena, e que enquanto gravava, me senti confiante naquilo que estava fazendo. Sentia como se nunca tivesse parado de fazer aquilo, e aquela adrenalina que percorria meu corpo desde o momento em que Pedro disse 'ação', me fez ter a certeza de que este é o trabalho que eu sempre amei fazer, além de cantar.

Enquanto eu dirigia até minha casa, fiquei decepcionada ao recordar a cara dos dois, porque eu já estava animada para este projeto, e principalmente, para voltar a atuar, a fazer o que amo. E lá no fundo, uma vozinha gritava que acima de qualquer coisa, estar neste trabalho era importante para mim, pois teria Christopher perto de mim todos os dias.

Tentei convencer a mim mesma que não ficasse triste, porque talvez, tudo isto esteja acontecendo para me fazer voltar a trabalhar, e esta proposta tenha sido apenas o impulso que eu precisava.

Quando ele me ligou aquela noite me chamando para ir ao seu apartamento, eu fiquei aliviada por Rodri ter viajado, do contrário seria difícil convencê-lo que eu iria apenas por motivos de trabalho. Enquanto eu me arrumava, eu tentava convencer a mim mesma que aquele sorriso que eu via nos meus lábios pelo espelho e eu estar me preocupando tanto com o que vestir, não tinha nada a ver com o fato de estar indo me encontrar com ele.

Estava terminando a maquiagem, quando me dei conta de que Conchita estava na porta do meu quarto me observando com uma expressão serena e olhos atentos. Sorri e me virei indo até ela, lhe dando um abraço e um beijo na bochecha. Eu não conseguia esconder minha alegria e ansiedade.

"Como estou?"

"Linda!" - ela disse, subindo um pouco o decote da minha blusa. Sorri - "Está feliz, menina" - eu assenti, abraçando-a, descansando meu rosto em seu colo - "Aonde vai?" - não respondi incapaz de dizer em voz alta o motivo da minha alegria - "Menina..." - ela suspirou - "Se o ama, então porque segue com o Sr Rodrigo? Ele voltou, então vá buscar sua felicidade, vá tentar ser feliz outra vez"

"Não posso, Conchis" - disse balançando a cabeça para os lados - "É complicado... Quero dizer, eu disse à ele que era feliz com o Rodri. E, ele já não me ama mais... Já não me ama mais a muito tempo"

"Ele te disse isto?" - neguei com a cabeça - "Menina..." - suspirou, enquanto acariciava minhas costas.

Quando ele abriu a porta do seu apartamento, sorriu em me ver. Aquele sorriso lindo, do jeito que eu amo, quando seus olhos estão sorrindo junto. Retribuí o sorriso e o abracei. Incapaz de me afastar tão brevemente, permiti-me ficar ali junto dele mais um pouco enquanto ele permitisse. Ao me acomodar no sofá, o olhei e ele me olhava com o sorriso suspeito, sentado ao meu lado. Ri, o perguntando por que me olhava daquele jeito. Ele coçou a costeleta com o dedo indicador e pediu que eu pegasse a pasta que estava sobre a mesa de centro.

O olhei desconfiada, antes de pegar a pasta. Ao abri-la, meu coração começou a bater descompassado enquanto lia o que dizia a primeira folha. Com o logotipo da Televisa no canto esquerdo no ato da folha, ali estava o contrato para fazer a minissérie. O olhei por um breve instante antes de voltar minha atenção às folhas, e pude ver que seu sorriso lindo estava ali outra vez, observando minha excitação. Cobri meu sorriso com a mão, enquanto tentava absorver aquela surpresa.

Sem que eu pudesse me conter, o abracei pelo pescoço, e ao sentir seus braços me apertando pela cintura, o apertei também, com uma necessidade enorme de transmitir o que eu estava sentindo.

"É verdade?" - sussurrei próximo ao seu ouvido - "O papel é meu?"

"Eu disse que seria" - disse, enquanto acariciava meu pescoço com o nariz.

Ao afastarmos, ele pegou a pasta que eu havia deixado ao meu lado quando o abracei. Tirou vários papéis e sugeriu que me explicasse mais sobre a minissérie e o meu personagem. Neste instante, o interfone tocou e ele se levantou para atender. Por alguns segundos, me perguntei, chateada e decepcionada, quem seria o que interromperia meu momento com ele. Mas ele voltou em seguida, pegando sua carteira em cima da mesa.

"Espero que não tenha jantado ainda" - me disse sorrindo - "Porque pedi comida japonesa para nós dois"

Meu coração acelerou, enquanto o via caminhar até a porta. Escondi meu sorriso com a mão, enquanto balançava minha cabeça para os lados me chamando mentalmente de boba. Mas tive que admitir que, por mais boba que eu fosse por ter lamentado uma possível interrupção do momento entre ele e eu, ainda assim, eu era uma boba feliz, porque além de esta ser uma breve interrupção, seria por um detalhe lindo dele, ao pensar em um jantar para nós dois.

Olhando-o receber nossa comida, me perguntei há quanto tempo não ficávamos sozinhos assim, há quanto tempo não jantávamos apenas nós dois, e tão reservadamente. Com uma careta triste, me dei conta que já não me recordava mais. Depois de tantas tempestades, muitos momentos importantes e especiais entre nós dois se apagaram, e eu lamento muito por isto. Gostaria de poder preservar todos os nossos momentos lindos juntos, e poder apagar os que me ferem tanto até hoje ao me lembrar. Talvez, desta forma eu pudesse ser feliz ao menos nas minhas recordações, onde ele ainda me amava como eu o amo até hoje.

"Ajuda-me a tirar essa mesinha daqui?" - ele me despertou dos meus pensamentos.

"Onde vamos comer?" - perguntei franzindo o cenho.

"Se não tiver problema para você, aqui no tapete. Sem a mesinha ficará mais espaço para trabalhar e comer"

"Para mim não há problema" - pisquei um olho, e me levantei.

"Lembra... Era assim que comíamos nos quartos dos hotéis, na época da banda"

"Mm-hm" - assenti, sorrindo com os lábios apertados.

Quando estávamos na banda, muitas vezes não descíamos para comer no restaurante do hotel. Nós dois pedíamos comida no quarto de um de nós dois, sentávamos no chão do quarto ou da sala, e comíamos assim, enquanto conversávamos. Mas, na maioria das vezes, ele quase não comia, ainda que tivesse reclamado que estava com muita fome e a comida estava demorando a chegar. Enquanto eu comia, ele ficava conversando e brincando com a comida do seu prato, ou então comia, mas bem devagar como ele costumava comer, o que irritava todos que estava perto. Horas mais tarde, ele sempre vinha manhoso para mim, reclamando que estava com fome, e com uma falsa irritação eu o mandava comer a comida fria que ele não quis ou fez hora para comer antes.

Após colocarmos a mesinha no canto da sala, eu tirei minhas sandálias e me sentei de frente para ele no tapete. Ele tirou a comida da sacola e enquanto eu a arrumava na nossa frente, ele se levantou saindo da sala, e voltou em seguida com uma garrafa de vinho e duas taças.

"O que acha de comermos primeiro, e depois pensamos em trabalho?" - piscou um olho de um jeito tão lindo que fez meu coração acelerar.

"O que está esperando para encher minha taça?" - peguei uma taça e balancei no ar, devolvendo a piscadela.

Ele riu, assentindo, enquanto abria a garrafa. Enquanto jantávamos, ele me contou vários momentos engraçados que passou na Suécia nos últimos anos, me fazendo rir muito. Talvez, os vizinhos também estivessem ouvindo minhas gargalhadas, porque, eu não conseguia controlar os impulsos que eu sentia de liberar a alegria e satisfação de estar ali com ele, e do quanto eu me divertia com o que ele falava. Estar assim, rir assim, era algo que eu já não fazia há muito tempo. Eu me recostei no sofá e abracei minhas pernas junto ao corpo com um braço, enquanto minha outra mão segurava a taça de vinho. Mas toda vez que ele me fazia rir, eu jogava o corpo pra frente.

Ele me pediu que falasse um pouco de mim, mas com certo incômodo, disse que não tinha muita coisa para falar. Com uma careta triste, lhe disse que nos últimos cinco anos eu não cantei nem atuei, e que eu sentia falta. Antes que ele entrasse mais a fundo neste assunto, e eu acabasse falando o que não queria, o contornei dizendo que por isso eu estava tão animada para essa minissérie, ainda que no início eu tenha feito jogo duro.

Depois de jantar, afastamos as coisas e continuamos ali sentados sobre o tapete, conversando. Seguimos falando sobre a minissérie. Ele me explicou direitinho a estória, mas sem entrar em muitos detalhes sobre o desfecho do meu personagem, como todo autor.

"O Pedro já havia me falado que você já não estava cantando mais" - disse, abandonando sua taça ao seu lado - "E eu te conhecia melhor que ninguém para saber o quanto você amava cantar. Nos shows, quando eu pegava sua mão, ou quando te olhava nos olhos, podia sentir o que você sentia. Por isso não entendo porque parou de cantar. Não acredito que tenha mudado tanto, ou que eu tenha me equivocado"

"Não se equivocou..." - também abandonei minha taça, e fiquei brincando com os pelinhos do tapete, evitando olha-lo nos olhos - "E... Não precisa entender" - disse com uma careta.

"Claro que sim, preciso. Você não gostaria de voltar a cantar?"

"Hoje, sim" - o olhei sorrindo.

Ele sorriu, assentindo. Levantou-se, dizendo que sabia que me conhecia e que tinha uma surpresa para mim. Voltou com outra pasta na mão e me entregou antes de se sentar no chão novamente. O olhei desconfiada, outra vez. Então abri e li o que dizia a folha. Tomada pela surpresa e felicidade, pulei em cima dele, abraçando-o. Com o impulso, levei a nós dois ao chão. Ele caiu deitado e eu por cima dele. Então, sem conseguir nos conter, começamos a rir descontroladamente. E cada vez que eu abria os olhos, e via aquele sorriso lindo ali tão pertinho, eu sorria ainda mais. Quando paramos, nossas respirações estavam falhadas, e tentávamos recupera-la. Juntei minhas duas mãos sobre seu peito e descansei meu queixo sobre elas, enquanto o observava.

"Eu vou mesmo cantar o tema da minissérie?" - ele ergueu um pouco a cabeça para me olhar e sorriu - "Quero dizer, eu pensei que já estava tudo certo..."

"Não estava, estávamos esperando a resposta mais importante desse projeto" - disse e piscou um olho - "Vem, levanta, vamos dançar" - disse se levantando comigo.

"Dançar?" - perguntei franzindo o cenho.

"É... dançar... dois pra cá, dois pra lá..." - disse, dando os passinhos e estralando os dedos. Eu ri - "Vamos comemorar"

"Não acho uma boa ideia" - disse, balançando a cabeça para os lados, me recordando da última vez que dançamos - "Não vai dar certo" - disse, fazendo uma careta.

Ele foi até o som e colocou um CD. Uma música animada começou a tocar, e logo me dei conta de que era a música 'Momentos', do Reik. Ele se virou para mim, e me chamou com o dedo. Ri, enquanto pensava que talvez, nós tenhamos bebido muito vinho, e a bebida já começava a fazer efeito. Ele começou a se aproximar de mim, estralando os dedos e mexendo os ombros ao ritmo da música, me fazendo rir ainda mais. Ao se acercar, pegou minhas mãos e me puxou levemente para mais junto dele. Nos primeiros momentos, eu não conseguia parar de rir. No refrão, ele me abraçou pelos ombros, e eu o abracei pelas costas, descansando meu rosto em seu peito.

"Você me falou de amigos, família, trabalho... Mas não me falou-" - ele me interrompeu.

"De mulher?"

"Mm-hm" - assenti.

"Não tenho o que falar sobre isto"

"Você não-?"

"Não" - ele se adiantou em responder.

E eu me perguntei "Não o quê?". Quero dizer, eu ia perguntar se ele não se apaixonou por alguém lá, mas não sei de ele sabia que era isto. Mordi meu lábio inferior apertando mais o abraço, desejando que tivesse sido isto, ainda que seja egoísmo da minha parte.

"Não" - ele repetiu - "Não amei ninguém" - sussurrou próximo ao meu ouvido - "Suas palavras tiveram poder na última vez que nos vimos, Anahi" - ouvi sua risada sussurrada - "Minha saúde esteve ótima todos estes anos" - meu coração acelerou. Fechei os olhos, apertando-os, me lembrando da última vez que nos vimos há cinco anos, quando lhe disse que não lhe desejava felicidade, apenas saúde.

Uma nova música começou a tocar. Desta vez, uma mais lenta, 'No Desaparecerá', também do Reik. Ele começou a acariciar meus cabelos com uma mão e o nariz. Desejei nunca mais sair dali daqueles braços.

"Ayer no me preocupaba nada, y en sus brazos descansaba, como iba imaginar. Se fue sin decirme una palabra. Para que sirvió decirle tantas veces que la amaba. Se fue con ella el aire y la luz, mis ganas de amar. Y es que ya no puedo más.."

Ali, abraçada a ele, ouvia o que a música dizia, e me transportei ao passado. Quando o amei com desespero pela última vez, e descansei tranquila em seus braços acreditando que ali eu estava segura e que dali por diante, tudo seria diferente e seríamos felizes juntos outra vez. Meu coração doeu ao me recordar que neste mesmo dia, ele me machucou como nunca imaginei que fosse possível, destruindo minhas ilusões.

Lembrei que meu amor por ele era tão grande, que não demorou muito para que a magoa perdesse para a esperança dele ir atrás de mim e dizer que me amava como eu o amava. Apertei os olhos, quando as imagens do dia do meu casamento invadiram minha mente, me fazendo recordar que naquele dia, ele partiu sem dizer uma palavra, levando minha vida junto com ele, me deixando um grande vazio.

"Porque siempre me pierdo con tu recuerdo. Sabe más frío solo intentar olvidar tu amor, no sentir dolor, obligarme a perder tu calor. Porque muero por dentro finjo y me miento, desaparezco por ti. Y el dolor no desaparecerá"

Tantos anos tentando ser feliz, me convencendo que se ele não disse nada, foi porque não sentia o mesmo por mim. Tantos anos, e tantas recordações me destruindo por dentro, me culpando por tê-lo perdido, por não conseguir recuperá-lo. Tantas noites, no início do meu casamento, que deixei Rodri dormindo no nosso quarto e me refugiei no banheiro do quarto de visitas para chorar. E por mais que eu me ordenasse a não lembrar que o calor do seu corpo me fazia tão bem e me preenchia por completo de um sentimento pleno de que ele era o amor da minha vida, eu me destruía ainda mais por admitir que isto era a verdade e eu nunca poderia esquecer.

"Annie...?" - ele se afastou um pouco de mim, suficiente para segurar meu rosto com as duas mãos e me olhar nos olhos. Neste momento dei-me conta de que chorava - "O que você tem?" - perguntou, enxugando minhas lágrimas com o dedo polegar.

"Nada... É só que..." - fechei meus olhos, e novas lágrimas caíram antes de eu continuar a falar - "que há certas recordações que jamais se apagam. E às vezes, são as nossas maiores feridas" - ele me puxou outra vez para junto de si, e me deu um beijo no alto dos meus cabelos.

"Porque eh perdido esta batalla donde solo yo luchaba, fui un ciego y nada más. Tal vez con el tiempo las heridas que dejaste en mi vida y que marcaste en mi alma.."

Eu pensei que pudesse esquecê-lo com o passar dos anos. Pensei que o tempo fosse curar todas as feridas, e meu coração voltaria a respirar e receber um novo amor. Mas que equivocada eu estava. Nunca pude esquecer. As feridas sempre estiveram ali, causando uma dor maior quando era uma data em especial ou algo que me fizesse lembrar ele.

Afastei-me, enxugando novas lágrimas e o olhei. Doía-me olha-lo. Neste momento me doía. Neste momento em que todas as minhas feridas estavam abertas e expostas, me causando um choque de realidade, onde minha vida se resumia a não ser mais amada pelo meu grande amor, sustentar um casamento que nunca quis verdadeiramente estar, e não ser feliz.

"Annie, eu não sei o que lembrou que te fez chorar-" - o interrompi.

"Sabe, você sabe, sim" - ele assentiu, abaixando a cabeça - "Eu disse que dançar não seria uma boa ideia"

"Só tente afastar essas lembranças da sua mente. Já faz tanto tempo, não vale a pena"

"Para mim não é fácil, como foi para você, Christopher"

"Não é questão de ser ou não fácil... Quero dizer, você é feliz com o Rodrigo, para que recordar um passado ruim, entende?" - apertei os lábios para não gritar-lhe que nunca fui feliz, desde que ele foi embora.

"Eu disse que isso não daria certo..." - me virei e me sentei no sofá para calçar as sandálias. Ele desligou o som e se aproximou de mim.

"Annie... não precisa ir embora... Fica...?!" - ele segurou meu queixo, fazendo-me olha-lo - "Fica?"

Fechei meus olhos, tentando normalizar as batidas do meu coração. Senti seus dedos enxugando minhas lágrimas, para em seguida sentir seus lábios fazendo o mesmo. Levei minha mão ao seu ombro e apertei forte sua blusa, lutando contra o desejo de beija-lo.

"Eu preciso ir embora" - me virei e voltei a calçar a sandália.

Não podia continuar ali, me machucando tanto com todas aquelas recordações tão vivas, abrindo tantas feridas.

"Eu sinto muito" - ele segurou meu braço quando me levantei - "Se te faz se sentir melhor, foi difícil para mim também"

Ele passou sua mão do meu braço para meu rosto. Devagar, aproximou nossas faces e encostou seu nariz ao meu. Fechou os olhos e respirou fundo. Eu senti, dei-me conta que um beijo ia acontecer. Talvez, não por iniciativa dele, mas eu me sentia muito fraca para resisti-lo tão perto de mim.

"Não posso" - me afastei - "Não vou trair o Rodri" - ele assentiu - "Ainda que seja só um beijo. Uma vez eu prometi nunca mais trair, porque eu paguei muito caro quando o fiz" - ele me olhou inexpressivo, então, talvez ele tenha entendido que eu me referia a ele - "E, bem... creio que bebemos muito vinho"