Esteja Onde Estiver

Anahi: Capítulo 5


Eu sentia que minha vida nunca mais seria a mesma, que tudo mudaria depois desse encontro. Voltei para casa aterrorizada com as lembranças de momentos atrás quando o tinha à minha frente. Por Deus! Ainda não podia acreditar que depois de todos esses anos tentando curar a ferida da minha alma, agora o tinha outra vez na minha vida me fazendo lembrar o quanto essa ferida doía pelo meu amor perdido.

Por isso aqueles últimos dois dias foram tão estranhos me trazendo tantas lembranças, já era fácil compreender porque eu escolhi justamente aquela bolsa que escondia a caixa com a nossa história; era um aviso de que algo estava por acontecer, de que ele estava por perto.

Ao chegar em casa, minha cabeça já estava estourando de dor. Logo mais Rodrigo chegaria de viagem e eu lamentei, pois não ajudaria a preparar o jantar que eu havia planejado. Conchita disse para que eu não me preocupasse que ela cuidaria de tudo. Deu-me um remédio e disse que eu só devia subir, tomar um banho e descansar. E foi isso que eu fiz, ainda que ficar recordando o que passei aquela tarde e na possibilidade de aceitar o convite e trabalhar com ele, tenha me deixado mais indisposta.

"Mm.. Rodri, temos que conversar" - disse, enquanto jantávamos à mesa.

"Pode falar, querida"

"Depois do jantar"

"Pode falar agora" - disse, sorrindo. Assenti, não muito certa de lhe contar.

"Bem, ontem Pedro me ligou" - ele franziu o cenho - "Pedro Damian, se lembra?" - ele assentiu - "Então, e me fez um convite de trabalho" - eu quase não havia tocado na comida, mas ao iniciar esse assunto, abandonei os talheres sobre o prato por completo. Rodri parou de mastigar por um instante e me mirou.

"Mm-hm" - assentiu para que eu prosseguisse. Eu sabia que ele esperava pela mesma resposta das outras vezes; que eu havia recusado o convite.

"Sinto falta de trabalhar, de atuar. Então disse que ia pensar"

"Você sabe muito bem que não tem o que pensar"

"Não, Rodri. Eu não sei" - pude ouvir a voz da Clau bem no fundo me falando "Onde está a velha Annie? Ande, mande-o à merda". Mas tentei ignorar - por enquanto - e manter a calma.

"Então devo te lembrar que um dia você falou que quando se casasse, se dedicaria à sua família"

"Que família?" - perguntei em um leve tom de irritação - "Você? Se ao menos tivéssemos filhos... Mas não temos. E você passa a maior parte do tempo trabalhando, viajando, ou muito cansado para sairmos para nos divertir"

"Você não vai aceitar esse trabalho" - ele disse após abandonar os talheres sobre seu parto, em sinal de ordem e assunto concluído.

"É uma pena ter perdido a fome. Eu falei que era melhor conversarmos depois do jantar" - me levantei - "E a decisão é minha de aceitar ou não" - saí, deixando-o sozinho.

Fiquei contente em enfrenta-lo depois de tanto tempo. Senti uma adrenalina pelo corpo que a muito não sentia. Eu não tinha nada o que pensar, afinal, minha decisão já estava tomada. Eu não aceitaria o convite do Pedro. Mas eu precisava me impor perante o meu marido machista. Só não esperava pelas consequências que vieram mais tarde quando me deitei para dormir.

Deitei-me de costas para ele. Alguns minutos depois, o senti se aproximando e se enroscando ao meu corpo, enquanto distribuía beijos pelo meu pescoço e ombros. Ignorei o quanto pude, e isso o irritou. Ele me virou para que eu ficasse de frente para ele numa só puxada que me fez gemer pela dor que senti no meu braço no local onde ele apertou seus dedos.

"Me solta" - tentei o empurrar pelo peito. Ele prendeu meu corpo ao colchão, apoiando os joelhos em cada lado do meu corpo - "Me solta, Rodrigo"

"Você é minha mulher" - prendeu meus braços, segurando-os pelo pulso.

"Mas eu não quero" - sacudi as pernas.

Ele castigou meus lábios ao me calar, apertando-os fortes com os seus. E quanto mais eu tentava me afastar e cerra-los para que ele não me beijasse, sentia uma pressão ainda mais forte em meus braços. Aproveitando que eu concentrava minha atenção em desviar meus lábios dos dele, ele prendeu minhas mãos no alto da minha cabeça com apenas uma mão, enquanto a outra mão livre subiu minha camisola, liberando-a pela cabeça. Ao me soltar, aproveitei e tentei escapar, mas ele me pegou e me jogou sobre o colchão tirando a última peça de roupa que ainda havia em meu corpo, com brutalidade.

Xinguei, me sacudi na tentativa de escapar, enquanto ele explorava meu corpo de um jeito possessivo, ignorando todos os meus protestos. Mas quando ele consumou o ato, desisti de lutar e mergulhei nas lágrimas, tanto que caiam pelo canto dos meus olhos, quanto as lágrimas da minha alma.

"Annie?" - ouvi um sussurro. Abri meus olhos lentamente - "Vamos para a cama?" - seus olhos estavam vermelhos. Eu permaneci como estava sem me mover - "Você precisa me perdoar" - eu estava tão cansada e triste, que não havia espaço para sentir vontade de vomitar na cara dele.

Depois que aquele pesadelo acabou ele tombou para o lado enfim me libertando. Virei de costas e fiquei chorando por mais alguns minutos, quando ele entrara no banheiro. Antes que o som da ducha acabasse, eu me levantei, peguei uma roupa limpa e fui tomar banho no banheiro do outro quarto. Depois desci e fiquei na sala de vídeo deitada no sofá, chorando até o sono me vencer. Lembrei-me de como era fazer amor de verdade e sentir que era amada. E foi com Christopher que sonhava quando a voz de Rodri me despertou.

"Eu não queria... Não queria, não daquele jeito" - ele estava abaixado na minha altura, e segurava meu braço. Mas desta vez com suavidade - "Não sei o que me deu" - saber que seus olhos vermelhos eram resultado do seu choro de arrependimento, não me fazia sentir-me melhor.

"Você nunca sabe"

"O que é isso?" - perguntou, acariciando meu ombro. Olhei para onde ele se referia e vi uma mancha vermelha, que provavelmente ficaria roxa mais tarde. O olhei com sarcasmo - "Fui eu?" - não respondi, mas minha máscara de sarcasmo permanecia - "Outra vez" - disse, mais afirmando que perguntando. O olhei nos olhos.

"A dor que sinto por dentro é maior que a física, Rodri" - ele olhou novamente para o hematoma e assentiu, enquanto passava os dedos levemente ali - "Você consegue imaginar o que sinto quando você age assim? Tem ideia do que é para uma mulher ser tratada assim pelo marido? E sabe, meu corpo já está ficando cansado, minha mente está ficando esgotada" - ele negou com a cabeça, acariciando meu rosto.

"Não fala assim... Não me faça sentir-me pior" - fechei os olhos e suspirei - "Sei que nada justifica o que fiz, mas você precisa acreditar em mim quando falo que te amo muito e sua rejeição na cama me desespera ao imaginar que você já não me ama mais. Não é desculpa ferrada quando falo que tenho medo de te perder. Você é o meu sol, Annie" - me sentei no sofá e o mirei por alguns segundos ali abaixado à minha frente.

"Um sol que você o esconde por detrás das nuvens cinzentas. Porque assim me sinto; um sol em dias nublados" - ele se sentou ao meu lado e ficou calado - "Não posso dormir na mesma cama que você esta noite" - ele assentiu.

"Eu entendo. Só peço que me perdoe e não duvide que eu te amo" - tombei minha cabeça no braço dele e suspirei. Eu sabia que - do seu jeito estranho - ele me amava.

"Vou tentar..." - confessei. Ele beijou o alto dos meus cabelos.

"Você é muito especial, Annie. Eu não te mereço... Mas sou muito egoísta"

Os dois dias seguintes foram tranquilos entre nós dois. Ele até chegou mais cedo do trabalho para passarmos mais tempo juntos e foi mais amoroso, me mimando. Na manhã seguinte àquela noite, ele levou uma bandeja com meu café da manhã ao quarto onde eu dormi. Ao lado da xícara de café, havia um cartão com mais pedidos de desculpas. Antes que eu começasse a tomar meu café, ouvi um latido para logo em seguida, Pérola entrar no quarto correndo e pular na cama.

"Ei, bebê. Já comeu? Quer comer com a mamãe, quer? Eu te amo, gordinha linda" - falava apertando-a.

"Gostaria que fosse comigo pelo menos um pouco do que você é com ela" - Rodri disse. Sem jeito, deixei Pérola ao meu lado e bebi um pouco de café.

Sexta-feira ele almoçou em casa, pois à tarde teria que viajar novamente. Eu estava no quarto ajudando-o a arrumar a mala quando Clau chegou.

"Que bom te ver" - disse, abraçando-a.

"Saí mais cedo do trabalho e resolvi dar uma passadinha pra saber como você está saber as novidades"

"Tenho muitas, na verdade. Mas não dá pra falar agora..." - quando ela abriu a boca para protestar, avistou Rodri chegando.

"Olha só quem deu o ar da graça..." - ele disse.

"Se eu soubesse que ia ver essa sua cara feia, teria ligado"

"Eu já disse que qualquer dia eu vou proibir você de entrar na minha casa?"

"Já... um milhão de vezes..."

"Tudo isso? Pensei que tivesse sido menos..."

"Af... foi uma hipérbole" - disse revirando os olhos em tom entediado.

"Tudo bem... chega de troca de carinhos" - intervi, antes que piorasse.

"Eu não vou demorar mesmo" - disse, dando de ombros - "Depois conversamos melhor, amiga" - encarando Rodri. Ele se divertiu por ter conseguido irrita-la - "Mas aproveito para dizer logo que não poderei ir hoje à noite à apresentação da Ana Paula" - fez careta ao falar - "Minha sogra resolveu fazer um jantar de última hora sei lá por que"

"Se era só isso, poderia ter ligado mesmo" - Rodri provocou. Ela mostrou o dedo do meio pra ele.

"Okay, já chega! Vamos lá para cozinha tomar um café, Clau. E Rodri, confere se está tudo certinho para a viagem"

"O oxigênio da cidade estará limpo por quantos dias?"

"Clau, chega... não provoca mais"

Fomos para a cozinha e tomamos café com biscoitos de leite que a Conchita preparou para gente. Conversamos nós três assuntos diversos, já que não dava para conversar confidencialmente com a Clau. Quando ela estava indo embora, encontramos Rodri descendo com sua mala. Clau o ignorou.

"Me leva até o portão?!" - Clau pediu.

"Está indo embora? Faço questão de te acompanhar até lá fora, também" - ela fez uma careta de deboche para ele.

"Não esqueceu nossa balada amanhã, verdade?" - ela me perguntou quando chegamos lá fora.

"Que balada?" - Rodri perguntou, erguendo uma sobrancelha. Ele me abraçava pelos ombros.

"Não está confirmado ainda" - disse fazendo uma careta - "Clau me chamou para sairmos para dançar só nós duas amanhã"

"Como nos velhos tempos..." - ela completou - "E está confirmado, sim. A que horas passo aqui?" - confrontando uma provável negação do Rodri.

"Vai, amor. Vai se divertir um pouco. Afinal, eu estou te devendo isso esta semana" - beijou o alto dos meus cabelos.

"Só esta semana?" - Clau debochou. A repreendi com o olhar - "Esta bem, já vou. Nos vemos amanhã" - se despediu de mim e se virou.

"Não vai se despedir de mim, também?" - Rodri alfinetou.

"Vai se foder" - Rodri riu ao meu lado. Clau andou até seu carro, e ao abrir a porta, olhou para trás - "Rodrigo..." - O chamou e mostrou o dedo do meio, antes de entrar e dar partida no carro. Escondi meu sorriso com os dedos.

"Por que eu ainda deixo essa mulher vir aqui?"

Nós dois entramos e Rodri pegou as coisas dele para viajar. O acompanhei até o carro numa despedida rápida com um beijo nos lábios. Assim que entrei em casa, a campainha tocou. Era a Neni.

"Sua sobrinha está histérica porque não acha a tiara que acompanha a fantasia. Não ficou aqui, não?"

"Não sei" - dei de ombros - "Na verdade nem me lembro de ter visto uma tiara quando fui pegar a fantasia"

"Já procuramos por toda a parte. E por Deus, Annie... Juro que Ana Paula ainda vai me enlouquecer"

"Calma" - eu tentava não ri, porque não foi difícil imaginar Ana Pau gritando pela casa 'exigindo' que a tiara aparecesse senão ela ia morrer - "Vamos encontrar"

"Menina, telefone" - Conchita apareceu me dando o aparelho.

"Obrigada, Conchis. Talvez tenha caído no meu carro" - sugeri, antes de atender o telefone - "Alô. Christopher?"

"Christopher?" - Neni me olhou surpreendida.

"Shh...! Ei, Christopher" - tentei parecer o mais natural possível, para que nem ele e nem minha irmã que estava a minha frente super interessada, percebessem que meu coração estava acelerado por ouvir a voz dele.

"Desde quando ele está de volta?"

"Shh!" - pedi silêncio outra vez - "Tudo, e você"

"Deixa eu falar com ele" - tentou pegar o telefone da minha mão. Afastei o telefone do olvido e tampei o bocal.

"As chaves do meu carro estão ali na mesa, vai procurar a tiara"

"Safada!" - ela sussurrou - "Chama ele para a apresentação da Ana Pau" - ela gritou, quando recoloquei o aparelho no olvido.

"vai!" - gritei, e ela saiu rindo - "Ah... é uma apresentação do colégio, e tal..." - respondi, quando ele perguntou sobre a apresentação que Neni falou.

No fim, ele nem falou para que ligou, mas disse que pegou o número do meu telefone com Pedro, e prometeu que se desse apareceria no endereço que lhe dei. A tiara de fato estava no carro, e ao voltar, Neni quis saber de tudo, então lhe fiz um resumo rápido dos últimos acontecimentos.

À noite, quando cheguei ao auditório do colégio da Ana Pau, minha família já estava lá; meus pais, minha irmã e meu cunhado. Sentei-me ao lado da minha mãe, onde havia dois lugares vagos. Após cumprimentar todos, peguei minha câmera na bolsa e já deixei preparada para a apresentação.

Seguindo uma ordem crescente das séries, a 4° série estava fazendo sua apresentação sobre o sistema solar, e a próxima seria da 5° série com a turma da Ana Pau falando algo relacionado ao oceano, pelo pouco que entendi quando ela me contou.

Eu estava prestando atenção na apresentação, quando percebi que a Neni balançava os braços e fazia sinal para alguém lá atrás, provavelmente uma mãe de alguma amiguinha de Ana Pau. Balancei a cabeça para os lados sorrindo, enquanto pensava o que a deixara assim pagando micos sem se importar ou perceber: a maternidade ou a idade. Antes que eu pensasse na resposta, minha atenção voltou-se ao palco novamente, onde acontecia um lindo eclipse. E o fato da lua estar sendo representada por um garotinho lindinho e bochechudo, contribuiu para que eu apreciasse ainda mais.

"Estou atrasado?"

Surpreendi-me, tendo um sobressalto ao ouvi aquela voz sussurrada ao meu lado, tão perto do meu olvido.

Ao virar meu rosto, me deparei com o sorriso que eu sempre achara o mais lindo, dando o meu sorriso favorito para mim. Retribuí o sorriso, enquanto me concentrava para respirar e manter as batidas do meu coração normais.

"Não, a turma dela será a próxima"

Ele voltou sua mirada para as pessoas ao meu lado e os cumprimentou com um aceno de cabeça. Quando olhei para minha mãe, ela tinha no rosto um misto de surpresa e confusão pela presença dele ali. Ao olhar para Neni, me dei conta para quem ela acenava minutos atrás. Não era para alguma mãe, e sim para que ele viesse se sentar conosco.

"Não esperava que você viesse realmente" - confessei.

"Eu prometi que viria, se desse" - disse, sorrindo.

"Não está tentando me comprar, verdade?" - perguntei, levantando uma sobrancelha, me referindo ao seu projeto.

"Por quê? Você é comprada?" - me perguntou, com humor no olhar.

Apertei os lábios sorrindo e balancei a cabeça para os lados. Ele assentiu sorrindo, coçando a barba.

Olhei para frente e tentei voltar minha atenção à apresentação da 4° série, mas era difícil me concentrar sentindo a presença dele ali ao meu lado, tão perto de mim. Por vezes, o ar me traia, soprando o perfume dele para mim. Sentir aquele cheiro outra vez, depois de todos aqueles anos que passei sem sentir, fazia minha mente rodar e parar sempre no desejo de me acercar mais a ele, de senti-lo ainda mais perto.

Meu braço estava apoiado no braço da poltrona. Eu abria e fechava a mão, tentando relaxar. Quando eu começava a normalizar minha respiração, e focar minha atenção ao que o 'Planeta Terra' dizia lá no palco, senti sua mão tocar a minha. Sua mão, como muitos anos atrás, era grande, quente e úmida. Ele cruzou nossos dedos e levou minha mão para junto dele, repousando-a em sua perna. Com o coração aos saltos, o olhei surpreendida, mas ele apenas assistia a apresentação mostrando-se bastante interessado. Continuei o olhando, esperando uma explicação para aquilo. Ele nem mesmo me olhou. Apertou forte minha mão e seguiu olhando para frente. Decidi aproveitar aquele momento - que talvez não voltaria a acontecer - relaxar e assistir o restante da apresentação.

"Agora é a 5° série, é a vez da Ana" - minha mãe disse animada, enquanto aplaudia o fim da apresentação da 4° série.

Eu reparei quando a 4° série finalizou sua apresentação. Só não quis lembrar de soltar minha mão da dele para aplaudir. Mas ao ouvir a voz da minha mãe, me assustei, e soltei nossas mãos e comecei a aplaudir também, antes que alguém visse. Ainda que eu desconfiasse que Neni estava com sua atenção mais voltada à nós dois que no palco.

Liguei minha câmera e me preparei para a entrada de Ana Pau. Quando sua turma entrou, os pais e familiares das crianças da 5° série aplaudiram e gritaram, e vários flash's foram disparados. A apresentação foi um musical, onde Ana Pau era uma sereia, a principal da história cantando e encantando ao falar sobre as espécies marinhas.

Tirei várias fotos, e como sempre fiquei toda boba vendo minha sobrinha toda linda. Concentrei-me de verdade na apresentação, e pude relaxar, mesmo que às vezes eu me lembrasse de que ele estava ali do meu lado.

Depois da apresentação da 8º série, todos começaram a deixar o auditório. E aos poucos o lugar estava quase vazio. Nós ficamos ali esperando que todos saíssem para que fosse mais fácil encontrar Ana Pau.

"Ali vem ela" - meu pai apontou.

"Princesa, que linda esteve" - minha mãe já a agarrou, antes mesmo que ela se aproximasse.

Todos nós a cumprimentamos e parabenizamos pela apresentação linda que ela fez. Ela estava empolgadíssima contando tudo e querendo ver ao mesmo tempo as fotos nas três câmeras. Ainda estava vestida com a fantasia de sereia. Disse que queria ir embora assim para aproveitar mais, já que não a usaria outra vez. Mas eu sabia muito bem que o motivo principal ela o bojo do sutiã da fantasia.

"Olha quem veio te ver, Ana Pau. Lembra-se do Christopher?" - perguntei.

"Claro que lembro" - disse, revirando os olhos - "É o idiota que te fez sofrer"

"Ana Paula" - Neni a repreendeu.

O clima ficou estranho entre todos nós. Ninguém sabia como formular uma frase para fugir daquele assunto. Olhei para ele, tentando pedir desculpas com o olhar.

"O que foi?" - olhou para Neni perguntando - "Não fui eu que disse isso. Todos dizem"

"Ana Paula, chega!" - meu cunhado interviu.

"Pai, vai me dizer que estou mentindo? Cresci com todos vocês, a tia Clau e tantas outras pessoas falando que ele é um idiota, um covarde, um filho da... mãe"

"Lembra-se da festa que você ia amanhã na casa da Juju?" - Neni perguntou - "Não vai mais"

"Ah, mãe..." - ela reclamou - "Vai me castigar por dizer a verdade?"

"Não, mas por falar quando devia ficar calada"

"Tia Annie, me ajuda...?! Fala para ela deixar?"

"Neni, deixa ela ir. Quero dizer, nada disso é segredo mesmo, verdade?!" - disse com a voz falhada, evitando olha-lo.

"Annie, dessa vez ela não vai conseguir com sua ajuda" - Neni disse firme.

"Vó, manda ela deixar" - abraçou minha mãe, buscando reforços - "Se eu não for nesta festa, vou morrer.. ouviu mãe? Morrer! Vó, diz pra ela!" - choramingou.

Minutos depois, o clima ficou tranquilo outra vez, após Ana Pau conseguir convencer os pais de deixarem-na ir na tal festa. Ao me lembrar de que ao chegar em casa, eu não teria nada para fazer, nem ninguém para conversar, e ao admitir a mim mesma que queria prolongar o momento de me despedir dele, convidei todos para irmos para minha casa.

Chegando lá, Conchita preparou alguns aperitivos e bebidas. Ficamos na sala conversando animadamente. No inicio senti que ele ficou um pouco desconfortável diante da minha família ou por estar na minha casa, ou talvez pelos dois. Mas aos poucos, ficou mais relaxado. Meus pais o encheu de perguntas sobre a Suécia; o que ele esteve fazendo por lá, se gostou, por que voltou, os costumes suecos, dentre outros. Por vezes Ana Pau revirava os olhos, por reprimir um comentário sobre ele. Quando já não aguentava mais o tédio das conversas de adulto, me pediu para usar meu Notebook e se refugiou no meu quarto. Outra hora eu ia conversar com ela a respeito do Christopher. Ela não podia seguir assim, tratando-o desta forma. Por mais que seja lindo dela querer me defender ou proteger, não está certo.

Quando ela saiu, foi justamente sobre isso que falamos com ele. Meus pais principalmente pediram-lhe desculpas por terem sido tão inegligentes ao falar do assunto perto da Ana Pau. Mas na verdade não imaginávamos que ela esteve sempre tão atenta aos assuntos dos mais velhos. Ele entendeu e nos assegurou que não se importava, entendia que além dela ser criança, a culpa era dele mesmo e que não tinha intenção de se livrar.

Já era tarde quando minha família se despediu. Meu pai disse que precisava dormir, pois no dia seguinte acordaria cedo para ir pescar com os amigos. E minha irmã tinha o spa para administrar, que não lhe dava descanso nem nos finais de semana.

Após se despedir da minha família, ele ficou na sala enquanto eu os acompanhei até lá fora. Quando voltei, não o vi mais lá e estranhei. Fui até a cozinha e só encontrei Conchita de frente para a pia. Voltei para a sala e ele ainda não havia aparecido. Fui até o corredor onde há o banheiro social, mas este estava vazio. Quando retornei à sala, Chonchita estava chegando e me olhou com um olhar interrogativo.

"O que está procurando, menina?"

"Conchis, você viu para onde foi meu amigo? Eu o deixei aqui quando fui lá fora me despedir"

"Quando eu vim recolher as coisas, o vi. Ele estava ali de frente para os porta-retratos observando as fotos, e ficou por um bom tempo. E quando eu digo bom tempo, é porque foi mesmo. Eu levei as coisas para a cozinha e voltei para buscar o que faltava, e ele ainda estava ali, no mesmo lugar. Desta vez, segurava o porta-retratos com a foto do dia do seu casamento. Olhava com um olhar distante... distante..." - sorri pelo jeito como Conchita contava.

"E depois?"

"Fiquei aqui, fazendo hora. Sabe-se lá, verdade... Talvez quisesse roubar algo" - eu ri - "Não é porque é seu amigo que não roubaria. Muita gente rica tem aquela doença, que rouba as coisas só por roubar"

"Não, Conchis" - disse rindo - "Ele não é assim" - ela deu de ombros - "Mas obrigada por se preocupar. Este é o Christopher, lembra? Te contei a história" - em sua face, apareceu uma expressão surpresa.

"É ele?" - eu assenti - "E o que faz aqui? Madre mia!" - disse, com a mão no coração.

"Ele voltou para o país. Está aqui como amigo. Tranquila" - sorri para tranquiliza-la, mas por dentro me doía ter que admitir isto.

"Agora entendo porque olhava as fotos, e em especial, a do seu casamento. Não o julgo, você estava linda e ele só lamentava o que perdeu"

"Conchis..." - a repreendi, sorrindo. Ela deu de ombros com o nariz empinado - "Então..., você viu para onde ele foi?"

"Bem, depois de olhar as fotos, ele saiu para a área da piscina"

Em seguida, Conchita se despediu para ir dormir, não antes de me pedir juízo e para que eu não me esquecesse onde eu estava e com quem. Por mais que eu quisesse esquecer, era impossível. Ao passar pela porta, o vi lá nos fundos, de costas.

Ao lado da academia, há uma mureta baixa, na altura da cintura. Dali se tem a vista panorâmica de toda a cidade. Rodri e eu moramos numa casa no alto de um morro residencial. Quando estávamos procurando uma casa para comprar, vimos várias, mas nenhuma me interessava. Ali mesmo no morro, olhamos algumas, mas quando vi esta, quando fomos até a área da piscina, quando chegamos até ali onde se tem toda aquela visão, me dei conta de que eu estive procurando aquela casa todo o tempo. Ela é a que fica no ponto mais alto.

Uma vez, Christopher me levou em um lugar que se tinha uma vista parecida, algo raro na cidade. Aquele dia foi tão especial, que estar aqui em cima, vendo a cidade e sentindo a brisa fresca, sempre me fez senti-lo mais perto de mim, de alguma forma boba, para mim.

Aproximei-me dele, e parei ao seu lado. Ele continuou como estava, olhando para frente, como se estivesse com o olhar perdido. Olhei para frente também. E ficamos assim por alguns minutos, em silêncio. Lá embaixo, os carros se moviam nas avenidas bem devagar, olhando aqui de cima. Tudo estava tão silencioso vendo de longe, e aqui em cima também, tudo estava quieto, exceto pelos grilos.

"Eu estava te procurando"

"Precisava de ar" - eu assenti.

Era estranho estar ali com ele, depois de tantos anos. Estávamos sozinhos, com tempo para falar, mas falar o que e como? Já não é mais como era anos atrás, e isso torna tudo mais difícil. Eu queria dizer muitas coisas. Naquele dia que nos reencontramos eu não disse tudo. Eu só disse o que me sufocava há cinco anos. Tem muito mais a ser dito, afinal, são cinco anos de ausência e silêncio, mas são muito mais de história e sentimento. E talvez, ainda que eu esteja me enganando outra vez, mas talvez, ele também tenha muito mais a dizer que não disse aquele dia, nem no passado.

"Você tem uma bela casa" - ele disse se virando. Apoiou-se na mureta, e cruzou os braços e as pernas.

"Foi difícil achar, mas valeu a pena a procura"

"Você deve sentir medo de ficar numa casa tão grande com o Rodrigo viajando"

"Já estou acostumada"

"Então, ele viaja sempre?"

Eu não sabia que assunto ter com ele. Ainda que eu soubesse qual eu gostaria de ter. Ainda que eu soubesse o que eu gostaria de estar ouvindo dele naquele momento. Ainda que eu tivesse certeza dos meus pensamentos em relação ao que eu queria estar dizendo e falando a ele. Mas, por mais que eu não soubesse que assunto ter com ele, e qual assunto eu gostaria de ter e não podia nem conseguia, acima de tudo, eu sabia, eu tinha certeza absoluta que o último assunto que eu gostaria de ter com ele, era sobre o Rodri.

"Por que segurou a minha mão?" - ele me olhou como se não entendesse minha pergunta - "Você sabe do que eu estou falando... Por que fez aquilo?" - tentei usar um tom e uma expressão o mais sereno possível, para que ele não entendesse minha pergunta como uma acusação.

"Eu sei que não devia, você é casada..."

"Não é por isso que estou perguntando. Só quero saber seus motivos"

"Eu não sei, quero dizer... eu só... Você não pode simplesmente esquecer aquilo?"

"Não"

Ele respirou fundo e não respondeu. Virou-se para a vista da cidade, e apoiando as duas mãos abertas na mureta, ele ficou calado olhando para frente. Olhei para as suas mãos e de repente dei-me conta de algo. Eu ainda não sabia de tudo. Não sabia de toda a sua vida na Suécia nos últimos cinco anos. Quero dizer, e se ele se casou mesmo como a Clau havia sugerido, ou até já tinha filhos? Pode ser que sim. Se for, sua família também teria vindo com ele para o país? Naquela tarde, ele tinha dito que iria à apresentação da Ana Pau se desse. Eu havia imaginado dois motivos: trabalho e... por minha causa. Mas agora, eu encontrei um terceiro motivo.