Esteja Onde Estiver

Anahi: Capítulo 2


Havia anos que eu não mexia nela, nem mesmo me lembrava dela. Pelo visto minha ideia de guarda-la ali foi boa, porque nem Rodri a viu, e até mesmo eu me esqueci de sua existência. Ao abri-la, me deparei com um passado tão distante e especial. São milhares de fotos, recortes de revistas, alguns presentes que ele me deu e até mesmo alguns devolvidos. Um pouco da minha história com Christopher bem diante dos meus olhos, o máximo que pude manter comigo. São tantas coisas que nem sei por onde começar. Decidi então pelas fotos. Tantos momentos lindos, tanto amor compartilhado. Onde foi parar tudo isso, Chris?! Eu pensei tristemente. A cada foto que eu via, me fez recordar daquele dia, do momento em que a tiramos. Algumas mais especiais, mas todas de um grande valor.

Após ver e rever todas as fotos eu peguei o montinho de recortes de revistas. Um em especial me chamou a atenção, fazendo-me rir e mergulhar nas lembranças daquele dia.

Não consegui ficar longe dele, por mais que eu tenha tentado. Mas quando eu me dava por mim, já estava ao seu lado, lhe abraçando, conversando, brincando... Foram tantas coisas que vivemos juntos, tantos momentos, tantos carinhos... Que era muito difícil apagar assim tão fácil. E ainda que tenha se passado tantos meses desde que decidimos sermos somente amigos, era como se tivesse sido ontem, pois o sentimento continuava igual. Por mais que tentamos nos enganar dizendo que esse carinho e esse amor eram de irmão. Mas as coisas acontecem por alguma razão, enfim...

Já estávamos em dezembro, quase entrando de férias. E o ritmo de trabalho estava acelerado. Estávamos no EUA para promover o novo CD, e naquela tarde daríamos uma entrevista e tiraríamos umas fotos para uma matéria de uma revista. Foi montado um cenário para posarmos para as fotos e havia uma bateria, baixo, guitarra, violão...

Todo mundo estava bastante animados naquele dia e o trabalho foi tranquilo de fazer. Ele ficou na bateria passando o tempo enquanto a sessão não começava. Eu pulei na frente dele toda animada.

"Vai fazer o que no fim de ano?"

"Mm..." - pensou um pouco - "Nada, por quê?"

"Vem comigo?" - levantou a sobrancelha - "Para Acapulco na casa da minha mãe" - eu disse sorrindo, me aproximando dele.

"Não sei, tem minha família, e..." - eu me sentei no colo dele e fiquei fazendo carinho com a ponta das unhas em sua nuca. Ele se arrepiou todo.

"Ah, Christopher... Por favor?" - disse fazendo bico.

"Só se você sair de cima de mim, e me deixar tocar em paz" - ele disse sorrindo. Levantei-me do seu colo e fui para trás dele lhe abraçando pelo pescoço.

"Está bem"

"E você acha que assim eu vou conseguir tocar?" - riu me puxando para o seu colo novamente.

Ele me deitou no colo dele e ficamos sérios, mas eu logo me levantei e fui conversar com a Dul. Tentei ignorar aquela batida no coração que senti. Na hora de nos juntarmos para tirarmos as fotos todos juntos, eu fiquei ao lado dele, e sem saber o porquê, minhas mãos acabavam sempre nele, para provoca-lo. Os garotos estavam sentados no chão e as garotas atrás deles. Nessa hora eu passei minhas unhas na nuca dele e deslizei até as costas, sem deixar de olhar e sorrir para a câmera. Ele se arrepiou e tremeu o corpo e a cabeça. Todos olharam curiosos, inclusive o fotógrafo.

"Algum problema, Christopher?" - o fotógrafo perguntou.

"Não, não. Nenhum" - respondeu e depois levantou a cabeça e olhou para mim - "Para de provocar" - ele sussurrou e eu só sorri fingindo não entender o que ele dizia.

Mudamos de pose, e dessa vez todos nós ficamos de lado. Eu fiquei atrás dele, e com a mão que a câmera não via, eu enfiei por dentro da blusa dele e acariciei sua cintura. Ele se esquivou para frente tentando fugir e acabou empurrando a Mai, que empurrou o Poncho, que empurrou a Dul, quase fazendo todos caírem.

"Ei, Christopher, cuidado" - Mai falou.

"Começou os tiques?" - Dul perguntou rindo lá da ponta.

Ele passou a mão nos cabelos sem graça, acho que tentando esfriar a cabeça. Talvez tentando entender onde eu queria chegar com tudo aquilo, se era para enlouquecê-lo. Na outra pose, Christian se agachou no chão na frente dele, e eu fiquei ao seu lado. Em um abraço fingido, eu acariciei e em seguida apertei seu bumbum, ele ergueu seu joelho direito em um reflexo, batendo-o nas costas de Christian e derrubando-o no chão. Todos deram gargalhadas, inclusive eu.

"Me desculpe, Chris" - ele se desculpou enquanto o ajudava a se levantar.

"Christopher, o que há com você hoje?" - perguntou para ele rindo.

"Não sei" - respondeu olhando para mim - "Acho que estou cansado"

"Acho melhor fazermos uma pausa" - o fotógrafo disse - "Porque vocês estão muito agitados" - Disse o encarando e ele riu sem graça - "Depois tiramos mais algumas e encerramos a matéria.

Ele se sentou em um sofá e abriu uma garrafinha de água mineral enquanto relaxava. Eu me deitei em um sofá do outro lado do estúdio, e após alguns minutos o vi se aproximar e se agachar ao meu lado.

"Você adora fazer isso, verdade?" - ele perguntou com o rosto bem próximo do meu.

"Fazer o quê?" - me fiz de desentendida. Ele riu fechando os olhos e balançando a cabeça.

"Não provoca, Annie..." - ele falou sério.

"Bebê, eu só estava brincando" - disse fazendo carinho na bochecha dele.

"Talvez você não gostasse do resultado das suas brincadeiras" - ele falou me encarando com olhos brilhantes. Eu me sentei no sofá e o encarei também.

"Talvez sim, me mostra... quem sabe" - disse me aproximando dele.

"A pausa acabou, vamos continuar" - o fotógrafo nos chamou interrompendo.

Continuamos as fotos e eu parei com as provocações. Ao contrário dele que começou com as suas. Estávamos posando para uma foto, onde os garotos abraçavam as garotas por trás. Poncho abraçou a Dul, Christian abraçou a Mai, e ele me abraçou. Não teria nada demais no abraço, se ele não tivesse me apertado tanto, e se relado ao meu corpo de uma forma para que eu sentisse sua excitação.

"Ai" - Eu gritei e todos olharam para mim. Ele riu virando o rosto.

"Algum problema?" - o fotógrafo perguntou.

"Mm-mm" - neguei com a cabeça de olhos arregalados com o que acabara de sentir - "já está na hora de trocar a posição?"

"Não quer ficar perto de mim, bebê?" - ele me perguntou rindo.

"Ainda não, Anahí. Vamos tirar mais algumas nessa posição" - o fotógrafo disse ajeitando sua câmera - "Para o seu lugar, por favor"

Engoli seco e voltei para perto dele. Ele me abraçou gostoso e abaixou seu rosto próximo do meu ouvido.

"Mmm, está gostoso assim, não está bebê?" - ele sussurrou.

"Assim não vale" - eu disse engolindo seco novamente.

"Anahí sorria, por favor" - o fotógrafo pediu. Eu ensaiei um sorriso.

"Você me paga" - eu disse entre os dentes.

"Com todo prazer. Mas como? Assim..." - se relando em mim novamente, enquanto sorria para a câmera como se nada estivesse acontecendo.

"Ai..." - gritei de novo e ele riu.

"Mas o que está acontecendo?" - Christian olhou para nós rindo - "Christopher está dando choque?"

Virei-me de frente para ele e o olhei nos olhos, eu estava séria e ele sorria. Eu tinha minhas mãos sobre o peito dele, e ele segurava minha cintura.

"Isso não é justo" - sussurrei sem mexer os lábios.

"Você que começou" - ele disse sorrindo.

"Isso, assim está ótimo" - o fotógrafo falou empolgado - "Continuem assim vocês dois"

"Mas já foi o suficiente para mim" - disse engolindo em seco. Eu poderia sentir meus olhos brilhando de desejo.

"Para mim não" - ele falou e não dissemos mais nada a partir dali.

Depois de terminar as fotos, fomos trocar de roupa para voltarmos para o hotel. Esbarrei com ele no corredor, quando eu saia do camarim das meninas. Eu estava vestida com uma calça moletom vermelha e um casaco cinza. Eu o olhei séria e ele correspondeu igual. Ficamos assim por um tempo. De repente ele me pegou pela mão e andamos corredor afora me puxando até voltarmos para o estúdio onde foram tiradas as fotos momentos atrás. Naquele momento já estava vazio e escuro. Ao lado direito havia um pano verde que servira de fundo para as fotos. Ele me levou até atrás daquele pano e segurou-me pela nuca, por baixo dos cabelos, erguendo-os um pouco.

"Desculpa pelas brincadeiras" - eu disse baixinho.

"Não..." - disse respirando alto, negando com a cabeça - "Não.." - puxando-me para um beijo.

Meu coração batia descompassado, e parecia que já não cabia mais no peito. Ele me surpreendeu com um beijo intenso e arrebatador. Por mais que eu quisesse, eu não esperava. Ele puxou meu corpo contra si, e eu me ergui na ponta dos pés, entrelacei seu pescoço com meus braços e me entreguei naquele beijo tão maravilhoso que eu sentia tanta falta.

"Não devemos.." - eu tentava falar entre o beijo.

"Devemos.." - ele dizia me beijando dos lábios à nuca, traçando um caminho perturbador pelo meu pescoço, enquanto eu sentia sua respiração quente sobre a minha pele.

Sorri com a lembrança. Já nos arriscamos tantas vezes na época da RBD, tantos lugares diferentes, situações diversas... E só um único desejo para nos fazer aventurarmos nessas loucuras. Tínhamos uma conexão muito forte naquela época, nossos olhares se comunicavam nos privando conversas mudas. Havia diferentes formas de olhar; o olhar aberto e brilhante que mostrava desejo e paixão, o fechado e escuro demonstrando medo, aflição... e o apertado e baixo que nos mostrava quando nos sentíamos tristes. Na última vez que nos vimos, ele me olhava com o olhar fechado e escuro, enquanto eu o mirava com meus olhos apertados e baixos.

Deixei aquele recorte de lado e peguei outro, me despertando uma nova lembrança. Após alguns minutos, já havia visto vários, e tido muitas lembranças. Coloquei-os ao lado, sobre as fotos e peguei algo que me chamou a atenção. Era um CD de Joe Satriani, com sua caligrafia inconfundível escrita com pincel preto na capa "Christopher Uckermann". Mordi o cantinho da unha do meu dedão quando me lembrei. Eu nem curtia aquele CD, nem o Joe. Mas há muitos anos atrás, quando ele comprou aquele CD em uma das turnês da banda, ele não parava de ouvi-lo. Era o tempo todo; no avião, no hotel, na van. E quando eu falava, ele dizia que era muito bom e não conseguia parar de ouvir. Às vezes era engraçado, mas na maioria das vezes era verdadeiramente irritante, porque ele seguia o ritmo da música com as mãos e com o que quer que estivesse em suas mãos ou ao seu alcance. Como o som de Joe é muita guitarra e bateria, não é difícil de imaginar o que ele fazia enquanto ouvia as músicas.

Uma noite, em um hotel, fui ao seu quarto chama-lo para descermos juntos, mas ele não estava pronto ainda. Enquanto ele tomava banho, fiquei dando voltas pelo quarto fazendo uma vistoria nas coisas dele. Ao passar pela mesa, me deparei com o cd ao lado do notebook dele. Sorri e peguei o CD, mas quando eu começava a pensar sobre o que fazer, ele me surpreendeu "O que está fazendo?", ao olhar para trás o vi com uma toalha enrolada na cintura e outra secando os cabelos. "Nada, só estava olhando e me perguntando por que você gosta tanto dele", falei erguendo e balançando a capinha, "Será que você me empresta hoje?". Ele me olhou por um momento com o cenho franzido, antes de sorrir e se aproximar de mim. "Tudo bem", disse pegando a capinha da minha mão. Ele abriu-a e retirou o encarte, apoiou-o sobre a mesa e pegou o pincel. "Mas cuida dele direitinho", pediu enquanto assinava o seu nome. Eu garanti que cuidaria. Bem que eu tentei ouvir algumas vezes, mas era difícil até de sair da primeira música, então o enrolava para entregar até que eu estivesse ouvido-o todo. O tempo foi passando até que ele desistiu de me pedir, acabando por ficar como uma lembrança dele para mim. Olhando para o cd, prometi a mim mesma que mais tarde tentaria ouvi-lo outra vez.

Puxei a caixa preta para mais perto, aproximando meu rosto de sua borda. Vasculhei por alguns segundos em busca de algo que me chamasse mais a atenção. Então vi algo brilhar lá no fundo. Levei minha mão até lá, pegando-o. Veio acompanhado de uma fitinha vermelha que o prendia junto a outro anel. Mas aquele anel que brilhava não chamara minha atenção apenas por seu brilho. Fora seu significado que me causara um aperto no peito ao vê-lo. Foi nosso anel de compromisso, o primeiro e único que tivemos. Ele é de ouro branco e por dentro está gravado a palavra Evigt, que quer dizer eterno em sueco. Começamos a usa-los um dia antes de viajarmos para o Canadá, para a gravação da novela. Eu estava dormindo quando ele chegou à minha casa. Minha mãe o levou até meu quarto e só me lembro de ter ouvido sua voz sussurrada antes de fechar a porta nos deixando a sós. Alguns segundos depois, senti o colchão se movendo com seu peso e logo em seguida as pontinhas da sua barba me fazendo cócegas na bochecha e pescoço. Sorri sentindo seus beijos intercalados entre meus lábios e meu rosto. Me movi esticando-me, ficando de barriga para cima, tentando me acostumar com a claridade que me atingiu quando abri os olhos. Ele sorriu, afastando mechas de cabelos do meu rosto, e se deitou ao meu lado me abraçando gostoso passando a perna por cima do meu corpo, compartilhando da minha preguicinha matinal. Minutos mais tarde, ele se sentou novamente e abriu uma caixinha me mostrando as alianças, para coloca-la no meu dedo em seguida.

O outro anel é de coquinho, e ele comprou lá em Romênia no período que tentávamos ser somente amigos, em uma feirinha. Não disse o motivo, só disse que viu o anel e quis comprar um para mim. Com ou sem motivo, não deixou de ser especial para mim. Coloquei os dois anéis no meu dedo anelar e fiquei um tempinho olhando-os, antes de prende-los novamente na fitinha e devolve-los à caixa.

Ao fazê-lo, vi um saquinho vinho de camurça e o peguei, lembrando-me do que se trata. Desfiz o lacinho que o fechava e o sacudi de cabeça para baixo sobre minha mão. Aquela corretinha, que só deixei de usa-la no dia do meu casamento. Tirei a imagem da virgem e guardei-a para voltar a vê-la só hoje. Aqueles pingentes fora um presente dele, um tempo depois de terminarmos o namoro. Havíamos passado semanas sem nos falarmos e foi um período muito difícil, porque a presença dele para preencher o meu dia já era algo que eu estava acostumada. Quando deixamos a raiva de lado para tentarmos uma convivência agradável, percebemos que velhos hábitos não morrem nunca. A mania de falarmos como bebês e chamarmos um ao outro de bebê permanecia, então ele nos presenteou com um pingente; o meu era um bebê simbolizando ele, e o dele era uma bebê que simbolizava eu.

Levantei-me e me posicionei de frente para o espelho. Coloquei a correntinha sobre o meu pescoço sem fecha-la, somente para me lembrar de como costumava ficar quando eu a usava. Joguei meus cabelos para trás e sorri vendo-me no reflexo do espelho.

"Menina, está ai?"

Fui bruscamente tirada das minhas lembranças pela voz de Conchita que soava do quarto. Dei um leve sobressalto para trás, fazendo-me tropeçar no sapato e me desequilibrar ao atingir a caixa no chão. Ao tentar me apoiar, levei várias bolsas ao chão e só consegui recuperar meu equilíbrio, quando fui de encontro com o armário do Rodri, causando um barulho com o impacto.

"Aush" - gemi, sentindo a dor do impacto nas minhas costas e no calcanhar.

"Menina, que barulho foi esse? Está tudo bem?" - Conchita entrou no closet com uma expressão preocupada.

"Me assustou, Conchita" - falei me abaixando e apressando-me em guardar tudo de volta à caixa - "O que foi?"

"Me perdoe" - pediu, sem jeito - "Telefone" - ergui meu rosto em sua direção e vi que ela tinha o aparelho estendido para mim - "Senhor Pedro Damian"

"Pedro?" - me surpreendi, sentindo uma leve excitação no peito - "Obrigada, coração" - peguei o telefone de suas mãos. Ela ameaçou abaixar-se para me ajudar na bagunça que causei - "Não, não Conchita" - a impedi - "Não precisa fazer isto. Eu mesma arrumo, eu fiz a bagunça" - ela me olhou insegura de me obedecer, então sorri angelicalmente para ela e a ganhei com esse sorriso - "Alô" - atendi, ao ficar sozinha novamente - "Ei, Pedro"

"Anahi..." - ele disse com se estivesse pensando alto, ou filosofando - "Anahi..." - ele repetiu, causando-me um risinho baixo.

"É, Pedro... Sou eu, Anahi" - ri mais alto dessa vez.

"Annie, como está?"

"Muito bem, e você?" - uma vez uma amiga disse que sempre devemos dizer que estamos muito bem, por pior que seja o momento na realidade, pois nossa voz tem muito poder e o universo conspira sobre nós.

"Bem... bem..." - ele respondeu calmo e pausadamente.

"Em que posso te ajudar, Pedroca?" - perguntei, enquanto enfiava a caixa preta para o fundo, onde estava.

"Estou buscando uma maneira de te falar exatamente isso"

"Mm... Pedro..." - eu comecei a desconfiar. Nos últimos anos, Pedro me ligou muitas vezes, mas a maioria delas era para me convidar para algum trabalho. Mas há uns dois anos que ele havia desistido - "Não é sobre trabalho, verdade?!" - perguntei, tirando todas as bolsas do chão e amontoando-as em seu lugar.

"Annie, só me escuta dessa vez. É um trabalho maravilhoso, diferente de todos que você já fez. Já pensei em várias outras atrizes para esse papel, mas nenhuma se encaixa tão bem quanto você"

"Obrigada, Pedro, de verdade. Fico feliz em saber que ainda se lembra de mim para essas coisas. Mas você sabe que não trabalho mais com isso"

"Vamos pelo menos conversar melhor sobre o assunto!? Eu te explico tudo direitinho e depois você me diz se vai ou não aceitar minha proposta. O que me diz?"

"Eu já sei minha resposta, Pedro. Mas tudo bem..."

"Tenho um tempo livre amanhã"

"Não, amanhã não posso. Tenho um jantar aqui em casa à noite, e preciso arrumar tudo. Estou indo para o D.F. daqui a pouco. Se tiver tempo ho-" - ele não me deixou terminar.

"Hoje está perfeito. Não quero te dar tempo para mudar de ideia" - disse em tom de zombaria, e eu ri - "Que horas está bom para você?" - pensei por um breve instante.

"Depois do almoço... Mm... 14hrs está bom?"

'Perfeito! No meu escritório"

Secar meus cabelos me custou mais tempo que tomar banho e me arrumar. Mas no fim, eu estava pronta para sair. Tentei tirar todas as lembranças daquela caixa da minha cabeça, mas era inevitável que elas voltassem quando eu menos esperava. Enquanto tomava banho, me peguei várias vezes me lembrando de como era bom tomar banho com ele e sentir suas mãos quentes no meu corpo molhado.

Peguei minha bolsa sobre a cama e saí do quarto. Do alto da escada já pude ouvir a voz alta e brava de Conchita, e ao entender do que se tratava, eu sorri me apressando mais em descer.

"Na cozinha, não. Já para fora" - Conchita disse - "Você está impossível hoje, hã?! Vá perturbar Berenice" - tentando se livrar, mandando-a para Berenice, a secretária encarregada da limpeza da casa.

"Que bagunça é essa, hein!?" - perguntei em tom de zombaria, e logo ouvi um latido - "Será que é meu bebê?" - parei no pé da escada para esperar e os latidos logo se ouviram mais pertos - "Pérola" - chamei me abaixando, e ela logo se aproximou pulando no meu colo.

Pérola é meu poodle e a tenho desde um pouco antes de me casar. Ela tem esse nome, porque além de ser desde filhotinha muito gordinha, seu pelo não é nem branco nem creme. É de uma cor meio encardida. É da cor de uma pérola. Eu a amo muito, além de Conchita, ela também sempre foi uma grande companheira. Quando era novinha, era tão gordinha que mal conseguia andar e ao tentar tombava me fazendo rir, me causando muitos momentos de descontração. Hoje ela é uma cadelinha terrível de tão sapeca, ainda é pequenina, mas tamanho nunca foi documento para suas travessuras.

"Sua sumida, onde esteve? Se escondendo da mamãe sua sem-vergonha?!" - abraçando-a, enquanto ela tentava me lamber de maneira desesperada - "Pare de tentar enlouquecer a Conchita, sim?! Vai brincar lá fora" - ela latiu - "Eu vou sair, e quando voltar brinco com você, sim?" - outro latinho, e seu rabinho não parava de balançar para os lados. Dei um beijo nela e a coloquei no chão - "Estou indo, Conchita" - gritei, indo para a garagem.

Coloquei meus óculos antes de entrar no carro. Aquele dia estava realmente muito lindo; céu azul e sol brilhante. Segui para o D.F. Ao chegar ao centro, peguei o papel com o endereço do atelier na minha bolsa. Não foi difícil encontrar. A frente era toda de vidro disponibilizando uma visão de algumas costureiras fazendo seus trabalhos. Consegui uma vaga para estacionar quase em frente, do outro lado da rua. Peguei minha bolsa e antes de atravessar a rua, depositei uma moeda na máquina próxima ao meio fio. Quando entrei no estabelecimento, um sininho no alto da porta soou chamando a atenção de algumas costureiras e clientes que estavam ali. Cumprimentei com um meio sorriso e um aceno com a cabeça, enquanto me dirigia ao balcão.

"Boa tarde" - uma senhora magra com cabelos curtos tingidos de bronze me cumprimentou. Ela estava usando óculos de grau na ponta do nariz, o que me fez pensar que se ela não ajeitasse, cairia a qualquer momento - "Posso ajudar?"

"Boa tarde" - sorri com simpatia, ao colocar meus óculos escuros no alto da cabeça - "Vim buscar uma encomenda" - ela assentiu, enquanto pegava um livro de capa preta.

"No nome de quem?" - ela ajeitou os óculos, me causando um certo alívio. Porém, no fim, os óculos continuavam no mesmo lugar.

"Marichello Puentes" - ou será que estava no nome da minha irmã? É provável, mas não acredito que tenha tantas sereias aqui - "É uma fantasia infantil" - achei melhor ressaltar.

"Ah, sim" - ela fechou o livro, interrompendo a busca - "A fantasia. Venha, venha..." - Saindo de trás do balcão, me guiando para os fundos do atelier - "Já está pronta. Deixa-me ver" - procurou entre várias peças revestidas com um plástico transparente penduradas em uma arara - "Aqui está" - estendendo-me uma fantasia que me fez franzi o cenho - "Uma linda abelhinha"

"Não, espera" - falei rindo confusa - "Não é uma abelha. É uma sereia"

"Ah, você é a menina da sereia" - disse enquanto devolvia a abelhinha à arara - "Aqui está. Uma sereia" - estendendo-me a fantasia certa - "Aqui.. Marichello" - leu o papel pregado ao plástico - "A menina é sua filha?"

"Não... Eu sou a tia"

"Ela se parece com você. Talvez porque não conheci a mãe dela. Era a avó que a acompanhava nas provas da fantasia" - eu assenti sorrindo, e um pouco boba por ouvir que minha pequena se parece comigo - "Essa menina tem um geniozinho..." - ela suspirou - "É decidida no que quer e é muito mandona, também" - isso ela falou sorrindo - "Esta peça está 100% do jeito que ela pediu. A última mudança foi no sutiã; ela pediu que colocasse bojo. Agora está pronto para ser usada" - ensaiei um sorriso. Esse lado da Ana Paula ela realmente puxou a mim; tinhosa, mandona...

"Obrigada. Já está pago?"

"Sim, a avó da criança já deixou tudo pago" - sorriu para mim, e deu um carimbo no recibo antes de me entregar.

"Obrigada" - agradeci mais uma vez.

Ao sair dali, coloquei meus óculos escuros novamente e fui para o meu carro. Pendurei o cabide com a fantasia atrás, e dei partida rumo ao restaurante que gosto para almoçar.

Ao escolher meu prato, me lembrei da ordem de Conchita para os alimentos saudáveis, e não pude evitar sorrir ao passar os olhos pelas opções no cardápio. Ao fazer o pedido, conferi o horário no meu relógio de pulso. Ainda eram 13h10min, dá tempo de almoçar com calma antes de ir me encontrar com Pedro.

Lembrar desse encontro me fez pensar e me perguntar o que eu estava fazendo. Eu já sabia que não iria aceitar esse trabalho, e Pedro também já sabia. Não imagino nenhum papel que me faria mudar de ideia e voltar para a televisão. Só espero que Rodri não fique sabendo disso, ter que aguentar um ataque de histeria dele por nada ninguém merece. Queria recuperar aquela coragem e espontaneidade que eu tinha de mandar alguém ir à merda e não encher minha paciência. A primeira pessoa seria o Rodri, sem dúvida. Por que ele tinha que mudar tanto? No inicio do namoro era tão bom, mandava ele ir à merda de graça mas não porque ele me irritava, mas sim porque ele me alegrava com sua chatice.

Cheguei ao escritório do Pedro alguns minutos adiantada. Esse lado eu aperfeiçoei com o passar dos anos após o casamento. Após falar com a recepcionista, me sentei para esperar. Observando tudo a minha volta, não vi muitas mudanças desde a época em que eu vinha muito aqui. Quase tudo continua igual; a cor nas paredes, a decoração, os móveis, inclusive aquela pintura esquisita que decorava a parede.

Não precisei esperar muito, logo Pedro foi pessoalmente me chamar para entrar.

"Me falaram que você estava bonita, mas não imaginava que fosse tanto" - ensaiei um sorriso, enquanto me sentava - "O tempo está te deixando ainda mais linda, Annie" - disse, sentando-se em sua cadeira à minha frente - "Como está?" - sorriu para mim.

"Brigada, Pedro. Pena não poder dizer o mesmo" - ele me olhou com uma expressão séria e surpresa ao mesmo tempo. Dei de ombros sorrindo, e então ele deu uma sonora gargalhada.

Poucos minutos foram suficientes para conversarmos sobre informalidades dos dois. Em seguida ele me apresentou o projeto. Colocou em nossa frente uma pasta, e ao abrir retirou várias folhas e começou a explicar tudo de maneira empolgante e contagiante. Eu assenti vários "mm-hn's" enquanto ele falava da série, dos atores que já foram escalados, de onde seriam gravadas algumas cenas externas. Mas quando ele começou a falar da protagonista, eu prendi ainda mais a atenção em tudo o que ele falava. Me inclinei mais na mesa, afim de ficar mais próxima e ouvir melhor.

Definitivamente, aquele personagem me impressionou. Fiquei tentada a aceitar naquele mesmo instante, mas as coisas não eram assim, nunca foram. Então prometi pensar melhor sobre tudo antes de tomar qualquer decisão. Ele me entregou uma pasta parecida com a que ele abrira quando eu cheguei e me entregou dizendo que ali dentro continha um roteiro com algumas cenas, mais informações sobre a novela, inclusive um CD com a música tema.

"Pedro, isso contradiz tudo o que já te vi produzir" - o olhei franzindo o cenho - "Quero dizer, você sempre produziu novelas voltadas para o público jovem. Ah! E sua última novela estava muito boa. Vi alguns capítulos com Ana Pau, e ela amava" - ele assentiu sorrindo - "Mas voltando, que eu me lembre você nunca produziu algo assim"

"Desafios, querida Annie... Estou apostando neste novo desafio. E posso te afirmar que não o teria aceitado se não o achasse tão bom. É algo em sua totalidade, muito bom"

Quando já estava me levantando para sair, me lembrei que ele falara tudo sobre esse projeto, exceto o autor. Ao perguntar, ele disse que era um autor novo, esse seria seu primeiro trabalho, e não disse mais nada. Levantei-me e saí, prometendo entrar em contato em breve.

Ao sair dali, fui à Fundação Salvame. Vou pelo menos três vezes por semana até lá para conversar com algumas meninas, ver como tudo está seguindo, enfim, ajudar um pouquinho. Antes de voltar para casa, passei no café que costumo ir, e fazer um lanche da tarde. Fiquei pensando sobre tudo que conversei com Pedro esta tarde, e a ideia de voltar a trabalhar me deixou excitada. Passar o dia em um estúdio gravando, decorando textos, convivendo com tudo aquilo novamente... Seria maravilhoso! Como retroceder minha vida de maneira construtiva. Só acho que Rodri não pensará da mesma forma.

Quando cheguei em casa, o sol já estava se pondo. Como de costume neste horário, tudo já está silencioso. Da cozinha, só escuto o som da TV do quarto de Conhita bem de longe. Fora isso, só alguns grilos cantando no jardim.

"Conchis, cheguei" - gritei da cozinha, enquanto andava para a escada - "Pérola?!" - gritei, subindo as escadas. Logo ouvi seu latido vindo lá de cima.

Ao entrar no meu quarto, a vi sobre a cama balançando o rabinho. Falei com ela e ela latiu contente. Pulei na cama para brincar com minha bebê um pouquinho antes de ir tomar banho. Após um banho rápido, desci para jantar e não demorou para que Mari chegasse para pegar a fantasia da nossa sereia.

Logo depois de me despedir da minha irmã, desejei boa noite para Conchita e subi pensando em dar uma olhada nos papeis que Pedro me dera aquela tarde. Pérola se acomodou sobre o tapete no chão ao lado da cama e cochilou.

Após vestir meu pijama, peguei a pasta que Pedro me dera e me sentei na cama. Ao abri-la, vi a capinha com o CD que ele me falara da música, então resolvi ouvi-la antes de começar a ler o roteiro. Levantei-me novamente e coloquei-o no play, antes de voltar a me sentar.

A música começou a tocar, senti como se todo o quarto estivesse girando, e essa sensação estava me deixando tonta. Deitei-me toda encolhida e me agarrei bem forte ao travesseiro, fechando os olhos apertando-os com muita intensidade. Não queria acreditar que isto estava acontecendo. Queria poder apagar todas essas lembranças da minha cabeça. Será que um dia tudo isso será apagado da minha memória? Essa música eu não ouvia há cinco anos e gostaria de ter continuado a não ouvi-la.