Ou talvez seja possível.

Olhei para trás só para ter certeza de que ela estava falando comigo. Dios. Não tinha ninguém atrás de mim. Só tinha eu e ela no quarto. Voltei a olhar para ela. É ela estava olhando pra mim. Não acredito Suze, a garota dos olhos lindos feitos esmeralda me via. Ela conseguia me ver. Depois de tanto tempo. Depois de 150 anos. Finalmente alguém me via. E não um alguém qualquer. Mas sim um alguém que tinha os olhos mais lindos do mundo!

- Nombre de Dios.

- Não adianta invocar os espíritos superiores – ela disse enquanto se sentava na cadeira da penteadeira – se ainda não notou, Ele não está prestando muita atenção em você. Caso contrário, não o teria deixado aqui apodrecendo todos esses anos... – ela olhou minhas roupas como se estivesse vestido de uma forma estranha, bom eu não era o único vestido estranho aqui... – Quantos anos mesmo?... Uns cento e cinqüenta anos? Já passou mesmo todo esse tempo desde que você bateu as botas?

Olhei-a nos olhos perfeitos e perguntei:
- Que quer dizer... Bateu as botas?

Ela revirou os olhos com impaciência e traduziu:

- Esticou as canelas. Dobrou o cabo da boa esperança. Foi desta para melhor.
Continuei sem entender. O que significa essas palavras?

- Morreu.
Um leve desconforto passou pelo meu corpo. Então tudo aquilo significava isso?
- Ah – fiz eu – morri.

Eu balancei a cabeça. Não queria lembrar daquilo.

- Não estou entendendo – eu disse espantado – Não entendo como você consegue me ver. Durante todos esses anos, ninguém nunca...

-Claro – ela me cortou, ela parecia cansada de me ouvir – Olha só os tempos mudaram um bocado, sabia? Então, qual é a sua?

É eu sabia que os tempos mudaram. Como eu queria que não tivesse mudado...

- A minha? – Perguntei.

- É – ela disse para limpar a garganta.

Inclinei-me para frente botando o pé em cima de uma almofada azul que estava no banco onde eu estava sentado. Ela estava olhando para minha barriga. Olhei para ver o que ela viu, e vi que meu peito e parte da minha barriga apareciam pela parte aberta da minha blusa. Ela engoliu em seco. Eu ri por dentro enquanto meu rosto continuava perfeitamente calmo.

- Sim, a sua – ela disse depois de algum tempo – Qual o seu problema? Por que ainda esta aqui?
A conversa estava ficando um pouco mais interessante.

- Por que você ainda não foi pro outro lado?
Eu balancei a cabeça.

- Não sei o que você está querendo dizer.

- Como assim não sabe o que estou querendo dizer? – Ela falou tirando uma mecha de cabelo do olho, por que estava tão brava? – Você esta morto. Não tem mais que ficar aqui. Devia estar em outro lugar fazendo alguma coisa que as pessoas fazem depois que morre. Cantando entre os anjinhos, ardendo no inferno, reencarnando, subindo para algum outro plano de consciência, ou o que seja. Você não devia... Estar simplesmente andando por ai.

Fiquei olhando ela. Como ela poderia dizer que eu não poderia mais ficar aqui? Eu já não estava sofrendo suficiente? Por que aquelas lindas esmeraldas ficavam me olhando com um olhar duro? Não queria mais ver aquilo...

- E se por acaso eu gostar exatamente de andar por ai?
Agora ela estava com raiva. Nombre de Dios...