Seu coração batia forte contra seu peito, cada batida mais dolorida que a anterior as três palavras ditas por ela continuavam a passar de novo e de novo por sua mente.
Eu te odeio, eu te odeio, eu te odeio.
Seria isso verdade? Scar realmente o odiava? Com certeza, ele se odiava no momento não se surpreenderia se Scar o odiasse também, ela tinha razão.
Desde muito pequeno, antes mesmo de seu pai morrer, ele ouvia sobre o dia em que iria conhecer sua Escarlate.
Em suas mais nebulosas memórias seu pai lhe falava sobre uma sensação quente dentro do seu coração, sobre o sorriso que iria o acompanhar para o resto da sua vida assim que o visse, para um garoto de três anos isso parecia uma grande besteira, todo aquele papo de ligação, não fazia sentido.
E continuou sem fazer, um ano depois daquele papo Fernando morrera em um ataque de Sombrios para salvar a mulher e o filho, apesar da pouca idade daquilo Arthur lembrava muito bem, não do ataque em si mas principalmente de Marina antes e depois daquilo acontecer.
Quando seu pai estava vivo sua mãe era como o sol tudo nela brilhava desde os longos e fervorosos cabelos ruivos aos grandes olhos azuis, depois da morte dele tudo nela perdera o brilho. E apesar de continuar sendo uma mulher extremamente gentil e alegre para quem a visse Arthur sabia que ela era extremamente triste por dentro. E foi a partir daquilo que passou a entender ainda que um pouco a ligação entre uma Escarlate e seu Caçador.
Alguns anos depois do acontecido sua mãe resolvera se mudar para uma cidadezinha no interior do Paraná e acabaram por ser vizinhos de Scar.
Ele nunca iria se esquecer do dia em que batera sua bicicleta na da menina, ela ficara tão brava, os longos cabelos vermelhos revoltos em volta do seu rosto os grandes olhos azuis o fuzilando... e naquele momento ele percebeu com clareza o que significava ser um Caçador e ter sua Escarlate.
Naquele mesmo dia ele levara a garota para comer pela primeira vez as tão famosas rosquinhas de nata com chocolate de Marina. Logo depois de ela ir embora sua mãe lhe explicou toda a história; ela e os pais de Scar haviam sido grandes amigos e ela se mudara especialmente para proteger a garota que não devia saber de absolutamente nada sobre sua origem ou iria a machucar muito, e mesmo aos dez anos a única coisa de que Arthur tinha absoluta certeza era de que não queria machucar Scar de maneira alguma. Desde esse dia sentia um peso enorme a garota confiava tanto nele mas ele não era capaz de honrar essa confiança.
É, talvez ele realmente merecesse o ódio de sua Vermelhinha.

Scar amarrou os cabelos em um coque bagunçado enquanto jogava suas roupas dentro da mochila junto com o cartão de crédito e sua coleção de livros da JK Rowling – prioridades – por fim colocou os cartões-postais e a foto de casamento dos pais, ela precisa da força deles mais que qualquer coisa naquele momento.
Pegou o trançado de lençóis que havia feito e jogou pela janela, depois de respirar fundo diversas vezes antes de tentar começar a descer.
“Tente pensar no Westley Scar, as you wish, as you wish, as wish”
Depois do que pareceu intermináveis horas ela finalmente tocou os pés no chão com um suspiro de alívio.
— E isso é o que se consegue sendo sedentária – disse a si mesma.
Okay, agora era só chegar até a rodoviária pegar um ônibus para Ourinhos – a primeira cidade dos cartões postais – e ir de lugar em lugar perguntando se alguém havia conhecido Helena Bernardi, é era um bom plano.
Um bom...
A casa de Arthur se ergueu em frente a ela. Ele estava lá dentro agora e a coisa que parecia mais certa no momento era chamar a atenção dele e o convencer a acompanhá-la, já estava com uma pedrinha na mão para atirá-la na janela dele quando a deixou cair no chão.
Não, ele já não era mais o Arthur, não o seu Arthur.
Era melhor ela apenas seguir sozinha, afinal era como ela estava agora.

You got colors in your cheeks…
A voz rouca de Alex Turner soava pelos altos falantes do carro no momento em que Bernardo estacionou em uma rodoviária nos arredores de a cidadezinha qualquer.
Ouvir Arctic Monkeys era como masoquismo para ele, uma deliciosa dor, e por que doía? Porque ele passara a ouvir sua banda favorita por meio de uma indicação dela.
— Bennie você tem que ouvir isso! – Liv tentava lhe enfiar os fones de ouvido.
— Ruivinha meu amor você sabe que nesse ouvido não entra nada do século XXI.
Liv revirou os olhos e antes que ele pudesse perceber ela enfiou o fone em suas orelhas onde tocava Fluorescent Adolecent e assim começou seu vício.
Perdera as contas de quantas vezes ficaram os dois sentados ouvindo a batida quebrada dos macacos do ártico e então... como um frágil castelinho de cartas tudo desmoronou.
A grande briga e depois nenhum sinal de Olívia, ele foi se desfazendo aos poucos de tudo que lhe lembrava dela mas por um motivo desconhecido nunca tinha conseguido se desapegar das músicas que ela o apresentou.
Talvez porque tudo em Liv gritava música, desde o case do violino sempre em suas costas ao olhar de inspiração que as vezes lhe atingia.
Meu Deus já faziam quatro anos ele precisava parar com isso, parecia um maricas.
— COMO ASSIM EU NÃO POSSO VIAJAR? EU TENHO O DINHEIRO!
Uma garota ruiva gritava com o cobrador, Bernardo se aproximou para escutar melhor.
— Desculpe senhorita mas você é menor de idade e precisa da autorização de pais ou responsáveis para viajar fora do estado.
— NÃO É COMO SE EU FOSSE PRO JAPÃO! OURINHOS É A 40 MINUTOS DAQUI!
— Desculpe senhorita mas regras são regras.
A garota olhou para o cobrador os olhos cerrados como se quisesse mandá-lo fazer coisas não muito agradáveis, mas por fim apenas jogou sua mochila nas costas e saiu apressada parecendo um raio ao passar por Bernardo.
Mas mesmo assim ele conseguiu ver algo, algo que seria invisível para olhos humanos normais, mas os olhos dele não eram tão humanos, muito menos normais.
Uma fina claridade vermelha cobria a garota.
Uma fina luz vermelha escarlate.

Marina acordou com batidas insistentes na porta, quem seria que era a essa hora da noite?
Levantou-se correndo cobrindo-se com o robe que mantinha em sua cabeceira, será que Arthur tinha saído e esquecido a chave? Não, era impossível, Arthur nunca saía a noite, quem dirá esquecer a chave.
— Já vou indo, já vou indo.
— Mãe quem é? – Arthur saiu de seu quarto o rosto estava inchado e voz um pouco fanha.
— Não sei.
— Marina, Arthur abram! – Era a voz de Clara.
Os dois se entreolharam e Marina destrancou a porta.
Clara soluçava, os olhos extremamente vermelhos e uma feição que ultrapassava o desespero.
— Cadê a Scar? – Arthur perguntou de supetão – me responde Clara, ondem está a Scar?
— Ela sumiu.

Scar estava totalmente sem rumo, se não podia pegar um ônibus o que iria fazer? Ir andando até Ourinhos? Pegar carona com algum caminhoneiro? Eca! Não!
— Olá ruiva.
Um garoto sentou-se ao seu lado, ele tinha cabelos escuros levantados em um topete, grandes olhos castanhos expressivos, usava jaqueta de couro que escondia uma camiseta do Black Sabbath por baixo e um palito de dente entre os lábios. Era um daqueles que eram sexy, sabiam que eram sexy e usavam isso a seu favor.
— Quem é você?
— Bernardo Seabra ao seu dispor e você ruiva?
— Scarlett, Scar – respondeu simplesmente – o que você quer?
— Scarlett – ele saboreou o nome saindo por seus lábios – um nome curioso não acha?
— Me responde o que você quer? – Sibilou.
— Eta calma aí Natasha.
— Essa referência é velha.
— Olha a garota entende as referências.
— Você ainda não me respondeu.
— Eu vi a sua confusão com o cobrador eu posso te levar para Ourinhos se quiser eu posso te dar uma carona.
— Você é pirado? Eu nem te conheço por que aceitaria uma carona sua? Que eu saiba você podia ser um estuprador.
— Um estuprador que entende as referências? – Bernardo riu abertamente.
— Estupradores podem conhecer as referências , se isso é tudo não temos mais o que conversar, passar bem.
Scar pegou sua bolsa e se levantou não vendo a hora de se livrar daquele garoto.
— Ah, okay então, tchau mas antes de ir deixa eu corrigir não é Natasha não, é Wanda.
Scar estancou no lugar, era uma coicidência não era?
— O que você disse?
— Digamos que eu sei seu segredinho.
— Mas como?
— Eu faço parte dele também – Scar olhou-o assustada – calminha, eu não sou um Sombrio. Faço parte dos mocinhos. Aceita minha carona agora?
— Como sei se posso confiar em você? Ainda tenho minha teoria do estuprador.
— Toma – O garoto lhe estendeu uma faca.
— Pra que isso?
— Se eu tentar te estuprar ou fazer qualquer outra coisa você tem como se defender – Scar ainda o olhava desconfiada – como você espera chegar em Ourinhos?
— Tudo bem – Scar pegou a faca e guardou-a no bolso da calça.
— Vamos Wanda, somos um time agora.
Bernardo lhe lançou uma piscadela e saiu em direção ao estacionamento.