— Ela não vai voltar – Arthur disse parecendo derrotado.
— Filho mas a maioria das roupas estão aqui.
— Ela quis despistar levou somente o essencial em roupas mas ela não vai voltar.
— Como pode ter tanta certeza? – Clara o desafiou em um suspiro de esperança.
— Os Harry Potter não estão aqui – ele disse finalmente – se não fosse para sair de vez ela não teria levado os livros, e ela não iria embora sem eles.
— Pode ser que ela tenha emprestado para alguém da escola... – Marina tentou.
— Não, ela não te amigos além de mim e ela nunca emprestaria esses livros para ninguém, eu tenho certeza disso.
— Filho se ela foi embora...
— ELA FOI! – Ele gritou – Vocês não entendem? Ela foi e a culpa é nossa. Por termos mentido para ela.
— Foi para...
— NÃO SE ATREVAM A DIZER QUE FOI PARA O BEM DELA! NÃO FOI! A GENTE NÃO TINHA O DIREITO DE ESCONDER TUDO ISSO DELA! SE EU PUDESSE VOLTAR ATRÁS EU TERIA DITO PARA ELA NAQUELE ACIDENTE DE BICICLETA! PORQUE MESMO SE ELA TIVESSE IDO EMBORA ELA SABERIA SE DEFENDER!
— Arthur já chega eu sou sua mãe! – Marina disse em um tom firme – não se culpe, não nos culpe, tudo o que fizemos foi esperando o melhor! Eu sei que isso não muda o fato de ela ter sumido mas vamos encontrá-la está ouvindo?
— Como pode ter tanta certeza?
— Porque enquanto você gritava com a gente eu achei isso no chão.
Marina mostrou um cartão postal, Arthur tomou-o da mão da mulher para poder ver o nome da cidade;
“Ourinhos”.

— Por aqui Wanda – Bernardo a conduziu pelo estacionamento.
— Você vai continuar me chamando assim? - Scar perguntou assoprando uma mecha dos cabelos ruivos para trás.
— Por quê? Você tem nome?
— Scar. Meu nome é Scar. Eu já te disse.
— Wanda é mais legal – a garota revirou os olhos e ele acionou o alarme do carro.
Um imponente carro preto bipou no meio do estacionamento, Scar ficou surpresa, Bernardo não devia ser muito mais velho que ela, talvez dois ou três anos ela esperava que ele tivesse sei lá... um fusca não... não... um carro preto chique.
— Olha você tem um.... um....
— É um Range Rover - disse o garoto rindo - meu pai me deu no meu aniversário desse ano.
— Você mora em Ourinhos?
— N a verdade eu não moro em lugar nenhum.
— Você fugiu de casa? – Scar disse boquiaberta.
— E você por acaso foi diferente Wanda?
A garota se calou enquanto entrava no carro.
— Mas por que você fugiu?
— Te faço a mesma pergunta, está pronto para responder? – Dessa vez foi o garoto a ficar quieto.
— Touché Wanda.
— Já disse para parar de me chamar assim!
— E eu não vou parar.
Bernardo lhe deu uma piscadela enquanto acelerava o carro rindo.

— Ourinhos? – Arthur pegou o cartão postal da mão da mãe – nem sabia que tinha cartão postal de lá! Por que isso estaria aqui? Não tem sentido.
— Deixe-me ver isso – Clara pegou-o o examinando – isso é da Helena, olhem aqui atrás.
Na parte de trás do cartão postal havia uma data seis de novembro de mil novecentos e noventa e cinco em uma letra fina e delicada.
— É a letra da Lena – Marina analisou – como a Scar conseguiu isso?
— Eu dei uma caixa com as coisas da Helena e do Felipe para ela não sabia que isso ia acontecer.
Arthur engoliu um amargo “é sua culpa” para o fundo da garganta e respirou fundo antes de se pronunciar.
— Eu vou atrás dela, hoje ainda.
— Mas nem pensar mocinho! – Marina disse autoritária – está de madrugada! Você não vai sair da cidade!
— É a Scar!
— E você é menor de idade e não pode sair do estado sem a minha autorização!
— Esperem! – Claro se pronunciou – menores de idade não podem sair do estado sem autorização! Isso quer dizer que se a Scar realmente foi para lá não deve ter saído da rodoviária.
A face de Arthur se iluminou com um brilho de esperança.
— Eu vou para lá.
— Eu vou com você – Marina disse prontamente.
— Mãe não – Arthur fechou os olhos, visivelmente cansado – isso já vai ser difícil só comigo, a Scar está muito magoada com todos nós eu acho que isso é uma coisa que eu deva fazer sozinho.
— Eu vou com você até a rodoviária, e se a Scar não estiver lá eu assino uma autorização para você viajar sozinho.

— Então você não vai me dizer mesmo o porque está fugindo da sua cidade como o diabo foge da cruz? – Bernardo quebrou o silêncio do carro.
— Digamos que eu descobri que não tenho família.
— Como assim? São todos Skrulls?!
Scar não pode deixar de dar uma gargalhada.
— Eu entendi a referência e não, não é isso. Tá legal – ela respirou fundo – eles esconderam de mim durante minha vida inteira que eu era Escarlate, disseram que meus pais haviam morrido em um acidente de carro mas na verdade...
— Eles foram mortos por Sombrios?
— Basicamente.
— Minha mãe morreu assim também.
— Sinto muito.
— Pois é.
— Desculpa perguntar, mas você é um Caçador certo?
— Exatamente Wanda.
— E então onde está a sua Escarlate?
Bernardo endureceu no volante e ao olhar para ele Scar quase conseguia ver as lembranças passando por sua mente, naquele instante ela soube que havia tocado em um assunto delicado.
— Se não quiser responder...
— Não é isso – Bernardo deu uma risada sem humor – é que eu a perdi, e é isso. Pronto. Não tem mais nada para falar. Eu fui um babaca e a perdi.
Mesmo não conhecendo o garoto há muito tempo Scar conseguiu ver em seus olhos o quanto ele sentia falta da garota e por um segundo se pegou pensando se Arthur sentia sua falta assim também.
Antes que pudesse dar continuidade a sua linha de pensamento o carro parou e Bernardo anunciou:
— Aqui estamos.
Ainda era cedo, talvez 23h00 ou 00h00, as ruas estavam iluminadas e restaurantes e bares ainda estavam abertos, apenas ao sentir o cheiro de pizza recém-saída do forno Scar notou o quanto estava com fome.
— Quer rachar uma pizza? – Perguntou para Bernardo.
— Calma aí Wanda eu te dei uma carona não quer dizer que somos melhores amigos ou nada disso.
Ao ouvir as palavras “melhores amigos” o coração de Scar se apertou mas a garota logo se recompôs e respondeu com voz firme:
— Não estou dizendo que somos melhores amigos, mas eu estou com vontade de comer pizza e se racharmos sai bem mais em conta, e aí topa ou não?
Bernardo a olhou de esguelha.
— Tudo bem, vamos logo Wanda.
Eles entraram na pizzaria de onde saía o maravilhoso cheiro, o lugar era bem aconchegante e clássico, paredes de madeira mesas com toalhas vermelhas e uma melodia de violino preenchia o ar Scar identificou a musica como algo do Arctic Monkeys.
— Ache uma mesa eu vou lavar as mãos – disse tocando o ombro de Bernardo antes de sair.
Nesse momento a melodia do violino havia cessado, Scar olhou para o palco para ver quem havia terminado a canção mas neste momento trombou com uma garota que segurava um copo de suco fazendo com que todo o conteúdo do mesmo fosse para o vestido da pobre coitada.
— Meu Deus, me desculpe, me desculpe, me desculpe, eu te ajudo!
Ela puxou quem quer que fosse a garota na intenção de ajudá-la, mas algo inesperado aconteceu uma corrente elétrica passou pela ponta de seus dedos atingindo todo seu corpo, ela virou para olhar a garota que era um pouco mais baixa que ela tinha expressivos olhos verdes e efusivos cabelos ruivos que caíam em cachos por seus ombros.
— Meu Deus – sussurrou ligando os pontos em sua mente.
— Aconteceu alguma coisa? – Questionou a garota.
— Você é uma Escarlate como eu.

— Eu volto na segunda! – Babi arrastou sua mala pela porta do apartamento.
Liv não entendia muito bem o porquê a garota lhe dava satisfações, mesmo morando juntas há três anos não eram amigas propriamente ditas, na verdade Liv não era amiga de alguém desde antes do falecimento da mãe.
Para falar realmente a verdade só havia sido amiga de uma pessoa em toda sua vida e não havia dado muito certo.
Precisava se arrumar para o trabalho, tocava violino três vezes por semana em um restaurante italiano a poucos metros do campus.
Sua mãe morrera quando ela tinha quinze anos e já estudava no conservatório, como tinha uma bolsa no lugar o governo não pudera lhe tirar de seu pequeno quarto para jogar-lhe em algum orfanato – já que não tinha nenhum parente vivo e o pai havia sumido antes de seu nascimento – portanto antes de fazer dezoito anos recebia uma pensão todo mês que era o bastante para mantê-la viva e bem.
Mas agora finalmente completara a maior idade, parara de receber a pensão e finalmente terminara o ensino médio, podendo se dedicar 100% a música, arrumara esse trabalho fixo com seu Joaquim dono do restaurante e fazia bicos em outros lugares com o violino. Podendo alugar um apartamento melhor fora do Campus onde dividia o aluguel com Babi, uma estudante de jornalismo, e assim conseguia sobreviver, e era uma boa vida, é realmente era uma boa vida.
— Liv minha italianinha! – Seu Joaquim lhe deu um abraço efusivo, como era típico de seus ancestrais.
Liv havia recebido aquele apelido pelo seu sobrenome tipicamente europeu “Horst” – devido à descendência alemã de sua mãe - porém nem um pouco italiano, jeito, e nem fisicamente se parecia com uma italiana, afinal tinha cabelos ruivos e olhos verde escuro, se passaria facilmente por uma irlandesa não por uma italiana mas ao que parecia seu Joaquim não se importava com isso e continuava a chamá-la desse
— Vá para o palco bambina está na hora.
Sentou-se na familiar banqueta que ficava no meio do palco enquanto as pessoas se ocupavam em suas pizzas. Não prestavam atenção nela, isso a incomodava no começo, até perceber que podia tocar o que quisesse e desde que não parasse, e era isso que fazia, a escolha do dia? Do I Wanna Know.
E foi quando começou a tocar que aconteceu. Foi rápido demais, talvez apenas ilusão de sua mente, afinal aquela costumava ser a banda favorita dele, mas ela podia jurar que lá estava ele na porta do restaurante observando cada nota que ela desempenhava.
Não, era só ilusão, já fazia tanto tempo, não tinha como ele saber onde ela trabalhava, era impossível.
Terminou a canção, pediu licença a seu Joaquim e desceu do palco correndo mas desistiu ao chegar ao último degrau, era impossível.
Decidida a ter uma pausa comprou um suco de uva e ficou parada do lado do palco, sua cabeça doía com as memórias tomando todos os cantos dela.
Precisava de um bom banho e dormir um pouco, havia sido um dia exaustivo. Porém acredite ou não, no momento em que pensou em um banho sentiu um jato gelado em seu vestido.
— Meu Deus me desculpe, me desculpe, me desculpe – uma garota tão ruiva quanto ela de olhos azuis a encarava – eu te ajudo, eu te ajudo.
A garota tentou puxá-la e nesse momento ela sentiu uma eletricidade, passar da ponta de seus dedos e a garota ficou branca.
— Meu Deus – sussurrou ela.
— Aconteceu alguma coisa? – Questionou Liv.
— Você é uma Escarlate como eu.