Se lembrava de ter tido um sonho estranho algo como ser atacada por um estranho depois algumas explicações esquisitas vindas de Arthur, tia Clara e Marina.

E poxa, ela iria pegar uma gripe sua cabeça martelava.

Com a intenção de se levantar para ir até a cozinha buscar um paracetamol a garota abriu os olhos lentamente para perceber que não estava em sua cama, muito menos em seu quarto. Não, ela estava no conhecido quarto de Arthur e o mesmo estava sentado em uma poltrona de frente para a cama cochilando.

Então... Tudo aquilo fora verdade? Não um sonho? Ela era uma... como era mesmo a palavra? Escarlate?

Merda, isso fez a dor em sua cabeça piorar.

— Scar? – Arthur se mostrou acordado – mamãe me avisou que sentiria dor de cabeça, espere um pouco vou pegar um remédio.

— Eu não quero – sibilou, a raiva explodindo dentro de si e se esforçando para manter a voz baixa – não quero nada de você.

O garoto abaixou os ombros e se virou para ela passando a mão nos cabelos visivelmente esgotado, Scar tentou ignorar o quanto aquilo era atraente.

— Scar tudo o que fizemos...

— NÃO ME VENHA COM ESSE PAPINHO DE QUE TUDO QUE FIZERAM FOI PARA ME PROTEGER! – Dane-se se houvesse alguém dormindo naquela casa, dane-se sua dor de cabeça, estava com raiva e precisava extravasar – VOCÊS ERAM MINHA FAMÍLIA! EU CONFIAVA EM VOCÊS!

— Scar, nós ainda somos sua família, eu ainda estou aqui Vermelhinha – Scar virou o rosto com a menção de seu apelido.

— Não, você não é o Arthur, não é o meu Arthur, meu Arthur nunca mentiria para mim, nunca esconderia nada de mim, quem está na minha frente agora é um desconhecido.

— Eu nunca quis mentir para você, nunca quis te enganar me obrigaram a fazer isso, me disseram que seria para o seu bem.

— Te obrigaram? Colocaram uma arma na sua cabeça e disse que você morreria se me contasse?

— Não, disseram que você morreria se eu contasse. Disseram que se eu contasse seus poderes a deixariam vulnerável demais, me contaram que eles iriam te consumir, eu não poderia deixar nada disso acontecer, você não entende? Minha missão de vida é te deixar segura, sua segurança é mais importante que tudo para mim. E, merda, eu te amo Vermelhinha.

Scar permaneceu calada durante todo o discurso do garoto, e por tempo demais depois dele quando, depois do que pareceu um ano, ela resolveu se pronunciar ele preferiu que ela houvesse continuado calada.

— Amor? Você realmente pensa que amor é manter uma pessoa no escuro sobre si mesma durante sua vida inteira? Isso é o que você chama de amor? Amor é confiança, eu costumava te amar, amava poder confiar em você, amava o fato de ser sua melhor amiga. E hoje eu realmente não sei o que dói mais ter sido essa sua melhor amiga, ou te aguentar aqui fingindo que nada mudou, dizendo que me ama. Sabe de uma coisa Arthur? Eu te odeio.

E com isso a garota saiu do quarto batendo com força a porta.

Seu coração parecia estraçalhado em um milhão de pedaços.

Passou pelo corredor e pela sala sem se importar com as vozes de Marina e Clara atrás dela, ela mereciam seu desprezo também.

Não conseguia se lembrar de como terminara o caminho até sua casa. Só sabia que no momento estava sentada no centro da sua cama abraçada a sua almofada do Darth Vader rezando a todos os santos que conseguia se lembrar para que a tirassem dali, para que a colocassem em um dos mundos fantásticos sobre os quais lia.

Ela só não queria estar ali, ela só não queria ser ela.

Fechava os olhos e as imagens sorridentes e quebradas de tia Clara, Marina e Arthur lhe vinham a mente, tudo em seu corpo gritava decepção, tudo o que queria era fechar os olhos e dormir, talvez para sempre.

Deitou-se e fechou os olhos esperando tudo dentro de si se acertar como que magicamente.

— Scar – ouviu batidas na porta de seu quarto e a voz doce de tia Clara – querida, deixe-me entrar.

— Não, vá embora – sua voz estava terrivelmente fanha e molhada.

— Tudo bem, olhe, não precisamos esconder mais nada de você então eu pensei em te dar algumas coisas de seus pais, estão aqui fora se quiser. Por favor querida, nos perdoe.

— VAI EMBORA!

Ouviu passos se afastando de seu quarto e novamente as lágrimas passaram a cair sem pedir novamente, precisava parar com isso não fazia o estilo chorona.

Limpou as lágrimas e respirou fundo, olhando para o lado viu sua foto de neném no colo de seus pais, será que eles também iriam ter escondido tanta coisa dela? Será que eles eram esse tipo de pessoa?

Lembrou-se do que sua tia havia dito, ela deixara algumas coisas de seus pais para Scar, ela poderia dar uma olhada certo? Isso não significaria que ela havia perdoado Clara, certo?

Não, errado, ela não iria olhar, se o fizesse demonstraria compaixão, e não queria fazer isso, ficaria ali, quieta até decidir o que fazer.

Levantou-se correndo e foi em direção a porta, abriu-a minimamente para ver se havia alguém no corredor e depois de verificar abriu-a totalmente para puxar a enorme caixa vermelha para dentro.

Abriu-a com pressa sentindo seu coração saltar pela boca e lá estava tudo papéis livros, fotos, tudo o que sempre procurou, tudo o que sempre quis saber.

Diversos bilhetes, cadernos, fotos de beijos roubados entre seus pais, fotos com amigos, álbuns, e tantas outras coisas ao olhar para tudo aquilo sentiu uma única lágrima grossa escorrer por seu rosto mas não era mais de desespero era apenas uma espécie de nostalgia... uma nostalgia por algo que nunca viveu.

Pegou a primeira foto era de um garotinho de cerca de dois anos que ria para a câmera todo sujo de terra, virou a foto e encontrou um recado:

Dá para acreditar que o Bernardo já está com dois anos? O tempo passa muito rápido Lena! A Scar mesmo logo já vai estar uma moça, falando nisso já está na hora de marcarmos um encontro não acha? Bernardo, Arthur, Scar e Olívia precisam se conhecer!

Vamos Marcar!

Com carinho

Daniela

A foto data de agosto de 2000 ela devia ter cerca de três meses quando essa Daniela escreveu para sua mãe. Não a conhecia e provavelmente nunca iria mas já gostava da mulher e do garotinho da foto, se perguntava se chegara a conhecê-los...

Ainda com um sorriso no rosto pegou dessa vez um álbum da caixa que parecia ser de escola deles e assim foi viu foto por foto, leu os bilhetes apaixonados que seus pais costumavam escrever um para o outro, viu suas fotos de bebê; mas ao tirar mais um álbum ela revelou um envelope endereçado a...

Scar.

Sentiu seu coração parar por um instante e voltar a tona um segundo depois, tudo bem, muita coisa naquela caixa era sobre ela as nada ali era para ela... com as mãos levemente tremendo ela tirou o envelope de dentro da caixa encontrando uma carta endereçada a ela:

Querida Scarlett,

Se um dia você estiver lendo isso é porque eu e seu pai não conseguimos sobreviver para te proteger. Arrumamos esse jeito se tudo der certo isso chegará até você para que consiga entender tudo. O mundo onde vivemos é um lugar muito perigoso e desde que eu e seu pai estávamos no ensino médio as coisas vem sendo ainda mais perigosas para nós. Se nós não conseguirmos parar com isso você precisará fazê-lo, reunimos tudo o que puder te ajudar aqui, sei que mesmo assim você continuará sem entender muita coisa, na verdade nem nós entendemos mas essa é a melhor chance que temos, você precisa procurar. Precisa achar.

Faça isso por nós minha Vermelhinha.

Com amor,

Mamãe

Junto da carta haviam mais um punhado de cartões postais, os pôs de lado e puxou a próxima coisa uma foto de seis adolescentes três garotas de cabelos flamejantes que sorriam uma para outra e três rapazes que as mantinham protetoramente seguras pela cintura.

Formandos Jus Sanguinis 1993.

Seus pais estavam ali sorrindo para ela, ela podia perceber que aquela havia sido uma época feliz, eles pareciam tranqüilos e em paz.

Juntou os cartões postais Florianópolis, Ourinhos, São Joaquim dos Diamantes, São Paulo. Apesar de serem muitos eram apenas fotos diferentes dessas cidades, eram pistas.

Olhando para tudo aquilo se viu pensando, todos os que um dia ela havia amado a haviam traído Arthur, Marina, tia Clara... ou até mesmo a maltratado o que era o caso de tia Mauba. Mas seus pais não, eles haviam dado a vida para proteger a dela, e agora ela precisava retribuir, olhou novamente para os cartões postais para em seguida se levantar indo atrás de sua mochila de viagem.