Depois de constatar o fato Scar só se lembrava de flashes, como correr até a casa de Arthur, a ambulância chegando e depois de ser embalada em um abraço confortável pelo seu melhor amigo que sussurrava em seu ouvido que tudo ia ficar bem.

Mas como? Tia Mauba era a única pessoa que ela tinha e agora... ela estava sozinha ia acabar em algum orfanato ou coisa parecida, com pessoas desconhecidas sem ninguém, sozinha, sem seu melhor amigo, sem Marina sem nada.

— Estou sozinha Arthur, sozinha - dizia enquanto era abraçada pelo amigo e Marina terminava de ajeitar as coisas para o velório.

— Não vermelhinha você não está sozinha, você nunca vai ficar sozinha.

Scar não respondeu, apenas enterrou seu rosto na camiseta do amigo a encharcando ainda mais com suas lágrimas, tia Mauba podia estar meio caduca, não reconhecer-lhe na maioria da vezes mas era sua tia que a havia criado apesar de tudo, ela a amava, e saber que nunca mais seria confundida com sua mãe, ou ouvir reclamações sobre o quanto passava tempo demais com um garoto fazia seu coração sangrar.

— Meu bem quer alguma coisa? – Marina ajoelhou-se em sua frente e acariciou os cabelos da garota – não comeu nada desde que tudo aconteceu se quiser e posso pedir para a funerária me deixar usar o fogão e eu preparo alguma coisa para você.

— Não Marina não precisa.

— Tem certeza? – Scar balançou a cabeça e Marina plantou um beijo em sua testa.

— Quero te falar que daqui você vai direto para nossa casa ok? Irá morar conosco a partir de agora.

— Temo que isso não será necessário.

Scar olhou para trás e viu tia Clara toda vestida em preto com uma jaqueta de couro e botas de salto matadoras, por um momento Scar sentiu uma pontada de medo da mulher, mas não durou nenhum momento pois logo ela se sentou do outro lado de Scar e puxou a garota do braços de Arthur a abraçando forte.

— Eu vou morar com você querida – disse acariciando o rosto da sobrinha – seremos uma família, como tem que ser.

— Realmente você não precisa se preocupar – Marina olhou Clara e cima abaixo – eu cuido dela há seis anos, ela ir morar conosco não seria incômodo nenhum, temos um quarto sobrando e levando em consideração que você esteve fora nos últimos treze anos creio que tenha algo muito mais interessante para fazer do que cuidar de uma adolescente.

— Ela é filha do meu irmão e da minha melhor amiga se passa pela sua cabeça que irei deixá-la com uma desconhecida está muito enganada.

Marina cerrou os olhos parecendo com vontade de dizer alguma coisa, mas ao invés disso virou-se e saiu, Scar soltou-se de tia Clara, um pouco chateada com o fato de ela ter falado com Marina daquele jeito e voltou a se aconchegar em Arthur.

— Bom, querida vou ajeitar tudo e se tudo der certo amanhã terei sua guarda e seremos uma família eu prometo – tia Clara puxou Scar novamente e beijou-lhe o topo da cabeça.

— Você sabe que pode escolher não é? – Arthur sussurrou.

— Eu acho melhor ficar com ela, não quero atrapalhar você e sua mãe.

— Scar você não irá nos atrapalhar! Mamãe já disse isso, pode ficar conosco.

— Não Arthur, eu prefiro continuar na minha casa, além do mais continuam sendo menos de um quarteirão de distância ainda vou comer muitas rosquinhas da Marina.

— Você quem sabe.

Scar permaneceu abraçada a Arthur durante todo o velório dado algum momento ela dormiu com a cabeça contra o peito o amigo, abraçando a escuridão do sono como uma boa amiga.

Foi estranho para Scar nos primeiros dias entrar em casa e sentir cheiro de comida ao contrário das reclamações rotineiras de tia Mauba, mas ao invés de alegria sentiu uma pontada de dor em seu peito ao perceber que nunca mais ia ouvir a voz da tia reclamando da vida.

— Scar, querida é você?

— Sou eu sim tia.

— Trouxe o Arthur?

— Não, só eu mesmo, ele foi para casa e eu vou para lá também mais tarde ele comprou Harry Potter em blu-ray e eu quero ver, eu ia ver no dia em que você chegou, mas minha cabeça estava tão cheia que eu acho que não ia conseguir pensar em mais nada.

— Tudo bem querida pode ir, mas antes você tem de comer, venha.

Com tia Clara, Scar sentia como era ter uma família, ela pensava que se sua mãe estivesse viva seria do mesmo jeito, ou talvez até melhor.

— No que está pensando? - Perguntou a mulher com um sorriso bondoso no rosto.

— Em como seria se meus pais estivessem vivos, como eles eram?

— Sua mãe era muito parecida com você e não só na aparência, mas no modo de agir nesses poucos dias em que convivi com você já percebi no quanto da sua mãe você carrega, quando se trata de Arthur principalmente é muito parecido com o jeito que sua mãe tratava seu pai...

— Eu não gosto do Arthur desse jeito - Scar rebateu firmemente enquanto seu rosto passava a se confundir com seu cabelo.

— Hey, eu sei - Clara respondeu enquanto ria - é que seus pais também foram muito amigos antes de ficarem juntos Scar se eu não me engano nós conhecemos sua mãe quando tínhamos dez anos.

Que coincidência estranha, pensou.

— Olha a hora, acho que tenho que ir tia! Já volto!

E com isso Scar voou pela porta, por que ela se sentia daquele jeito? Como se quisesse se não quisesse que fosse coincidência, como se quisesse que fosse o destino, como se... ela sentisse algo por Arthur

Não, não isso era besteira, completa e total besteira, pensava enquanto apertava a campainha da casa do amigo.

— Scar! Chegou cedo hoje! Mas ainda bem que sobraram rosquinhas da última vez que você esteve aqui, a não ser é claro que você as prefira frescas.

— Não Marina, tudo bem, o Arthur está aí?

— Presente! - Gritou o garoto saindo de repente de trás da mãe.

— Arthur Henrique Castela! Você me assustou menino! - Gritou Marina com a mão no peito - Scar soltou uma pequena risada ao ver a expressão de terror da mulher.

— Desculpa aí mãe, mas é mesmo vermelhinha você chegou cedo hoje.

— É que agora com tia Clara eu não preciso esperar mais até as 14h00 como era com...

— Ei, eu entendo está bem? Vem vamos entrar eu vou por o filme na sala.

Mas assim que chegaram à sala, o garoto não pôs o filme se sentou no chão e olhou para a amiga.

— Eu quero que você conte como essa sua tia está sendo para você.

— Ei, dá pra ficar calmo, ela está sendo boa para mim de um jeito que tia Mauba nunca foi, eu não a culpo é claro, ela me pegou com quase oitenta anos já, então ela já era bem idosa a culpa não foi dela.

— Eu sei, mas eu quero saber como a Clara está te tratando.

— Eu já disse que bem, hoje ela me contou sobre meus pais, eu nunca tive ninguém para me falar sobre eles Arthur, nunca conheci ninguém que tivesse conhecido eles além da tia Mauba que não pode contar muito, ela me acha parecida com a minha mãe dá para acreditar? Eu sou parecida com ela!

Arthur sorriu diante da animação da garota.

— Isso dá para perceber na foto em que você é bebê, sua mãe era muito bonita, falando nisso você tem sonhado mais com ela?

— O mesmo sonho, e eu nunca vou além, sempre que meu pai levanta a cabeça para dizer algo para minha mãe... eu acordo, eu gostaria de saber o que acontece depois eu perguntei para tia Clara como eles morreram e ela confirmou que foi em um acidente de carro, e ela nunca ia mentir para mim.

Arthur abaixou a cabeça, mas felizmente Scar estava muito centrada em seu monólogo para perceber.

— Mas eu sinto que tem mais coisa por trás disso, ah eu sinto - continuou a garota - ei você está bem? - Ela percebeu que Arthur tinha um olhar extremamente vago - Você está com medo de que tia Clara tome seu lugar e se torne minha melhor amiga? Pode ficar tranquilo que não dá para fazer um trabalho chato de matemática com uma mulher de trinta e seis anos - fez graça a garota o que obrigou o amigo a rir também.

— Apenas se lembra que se ela fizer qualquer coisa eu sempre estarei aqui Vermelhinha.

— Eu sei disso – Scar sorriu de forma sincera e abraçou Arthur empresando sua bochecha n ombro do garoto.

Os dois ficaram mais de um minuto abraçados, então Scar se afastou um pouco de Arthur ele ainda mantinha os braços em volta da garota, mas agora tinha uma visão privilegiada dos grandes olhos azuis brilhantes então antes que pudesse perceber sentiu que estava se aproximando cada vez mais e mais... Até que seus lábios se encontraram em beijo tímido.

Scar ficou paralisada, não conseguia pensar em nada, ela sentia o gosto da boca de Arthur na sua, a boca que pensava conhecer tão bem, mas não conhecia não conhecia nada, suas mãos estavam nos cabelos castanhos tão macios, tão bons de bagunçar, as mãos dele criavam um círculo de fogo em sua cintura e não importava o quanto ela se agarrasse a ele não parecia o suficiente, nunca seria o suficiente...

A voz de sua consciência pareceu gritar com ela o que a fez se soltar de Arthur rapidamente o empurrando ela olhou nos olhos castanhos do garoto e eles demonstravam surpresa e... adoração, o quê? Ela precisava sair dali, precisava dar um jeito de esquecer do que havia acabo de acontecer.

Ela se levantou do chão sem olhar mais uma vez para Arthur e saiu correndo da sala sem parar para pensar se Marina acharia estranho nem nada, ela pensou ter ouvido a mulher dizer qualquer coisa, mas não parou pra ouvir só disparou porta afora e saiu correndo sem rumo nenhum.

Ela não podia ter feito isso, isso não podia nunca ter acontecido, sua amizade tinha acabado ela sabia, já havia assistido filmes demais sobre amigos que acabavam ficando de alguma forma e isso destruía as amizades, e Arthur era tão importante para ela, ela não queria perdê-lo, não queria.

Andou sem rumo por um tempo que não conseguiu calcular sua mente gritava com ela, seu coração batia descompassado e seus lábios ainda formigavam, suas mãos ainda pareciam sentir os cabelos de Arthur entre seus dedos.

Percebeu depois de um tempo que já era noite, passara horas andando desse jeito e ainda pareciam minutos, precisava dar um jeito de voltar para casa, mesmo sem fazer ideia de onde estava.

— Garota você está bem? - Ouviu uma voz ao lado dela e ao olhar encontrou um homem alto, muito mais alto que ela talvez até 1,90m, mas que não devia passar dos vinte e dois anos, os olhos negros como carvão e os cabelos grandes no mesmo tom estavam bem amarrados em um rabo de cavalo, sua postura era assustadora.

— Eu - Scar enxugou as lágrimas - estou bem... eu acho, acho apenas que cometi a maior burrada da minha vida, mas obrigada por perguntar - ela se virou para ir embora.

— Ora, mas quem sou eu para deixar uma mocinha tão nova assim sozinha a noite ainda deixe-me acompanhá-la pelo menos até sua casa.

O homem colocou as mãos nos ombros de Scar e ela logo notou que eram mãos muito, muito frias e do nada surgiu um grande letreiro em néon em seu cérebro que gritava: PERIGO!

— Não, muito obrigada eu posso ir sozinha - Scar tentou se desvencilhar da mão do homem, mas esta parecia mármore em seu ombro, de repente sentiu medo, se lembrou de todas as notícias que vira nos jornais e adivinhou a manchete do outro dia: "Garota de dezesseis anos encontrada morta em um beco".

— Eu insisto.

— Por favor, moço me deixe ir, eu não tenho nada aqui, eu só tinha ido até a casa de um amigo e eu preciso voltar para casa, por favor, me deixe voltar para casa.

— E quem disse que eu quero dinheiro Escarlate?

O homem sorriu com os dentes mais brancos que Scar já havia visto tão brancos que pareceram ter iluminado a escuridão da noite, a garota tentou dar um passo para trás e nesse momento rezava todo tipo de oração que lhe vinha à mente, então de repente sentiu algo a puxando para trás e uma voz dizer:

— Fica longe dela!