Era Uma Vez... Uma Ilusão

34. Sem Áustria, sem Niedersieg.


Agosto|1806 Buckingham House, Londres

O rei encara em total silêncio o The Mall de uma janela — onde pessoas e carruagens cruzam despreocupadas o elegante passeio. Uma cena já vista antes, de fato, diferindo apenas o local, situação e pessoas, embora essas últimas muito iguais.

Atrás do rei, separados apenas pela mesa, Richard e Cathrine esperam pela palavra soberano, mesmo que nunca chegue. E, mais atrás, a rainha aproveita pacificamente do chá... e rapé também.

— Tente se acalmar, por favor, não é o fim do mundo. — Cathrine aperta fortemente a mão de Richard, mesmo que ele fique em silêncio. — Deve ser uma propaganda francesa...

— Engana-se, minha princesa, essa é a mais pura verdade; o Santo Império morreu. — Todos voltam-se ao recém-chegado conde Münster, que curva-se. — Majestades, Altezas... Eh...

Münster hesita um momento; uma alteza não seria sereníssima apenas no Santo Império? Hereditáriamente falando, os Bristol não eram apenas Altezas? Mas o rei logo sinaliza para Münster calar-se.

Não é apenas Richard que sente descontentamento, até raiva, com essa situação, mas o rei também. As cartas jogadas foram extremamente altas e essa dissolução serviu apenas prejuízo. Nesse momento, o rei e Richard estão reduzidos a mesma posição.

— Nunca imaginei que viveria para presenciar o fim do Santo Império; a morte de uma Alemanha. — O rei deixa a janela e encara fixamente o príncipe e a princesa. — O que acha disso, Bristol? Vejo que está furioso.

A rigidez dele, a respiração pesada... Se continuar assim, logo o rei deixará de ser o único louco instável na Inglaterra. Richard, porém, permanece em silêncio.

— Foi uma precipitação; uma ilegalidade. — Mas não Münster, que nega veemente ao aproximar-se do rei. — O imperador só poderia dissolver o Santo Império com a aprovação dos eleitores!

— Essa não é a primeira vez que um santo imperador toma uma ação ilegal, conde Münster — a rainha recorda, dando os ombros, em seguida —, embora seja a última.

Um comentário seco e insensível, mas verdadeiro. Além do mais, todos os eleitores, tirando Hannover e Saxônia, cederam a França ou entraram na Confederação do Reno; qualquer reunião teria sido um desastre. Mas ainda assim...

— Não vai falar nada, Bristol? Ficará calado em sua raiva? — O rei, deixando definitivamente a janela, começa a andar pela sala. — Sabe que não foi convocado simplesmente para nada, mas sim para discutirmos uma ação. Nesse momento somos príncipe e eleitor.

— E justamente por isso nada posso fazer, meu rei, — Uma resposta, enfim, mesmo que nada agradável —, mas o senhor, como eleitor...

— Estou de mãos atadas, Bristol — o rei logo trata de responder, pegando uma cópia da declaração. — No penúltimo parágrafo, o imperador liberta todos os eleitores dos seus deveres para com o império. Ou seja, o título de eleitor não tem mais validade alguma.

— Puramente nominal — acrescenta o conde Münster, levando uma mão ao queixo. — Libertar Hannover tornou-se levemente mais difícil.

Impossível, na verdade... Claro que se usando apenas da diplomacia. Hannover pode até estar sob ocupação prussiana agora, mas uma ocupação ordenada pela França. É tudo muito claro para o rei: não haverá Hannover enquanto houver Bonaparte.

— Mas e quanto a mim!? E Niedersieg!? — A atenção do rei retorna a Richard, cuja aflição é tamanha que ele levanta. — Éramos uma propriedade imperial sob a proteção direta do imperador. Mas e agora!? O que é Niedersieg sem o imperador!?

— Um estado soberano independente — o rei pacificamente declara, fazendo Richard e Cathrine arregalarem os olhos.

*****

Palácio de Mármore, São Petersburgo

Num pátio externo logo abaixo dos apartamentos da tsesarevna Maria, o pequeno grão-duque Pavel Konstantinovich brinca de "guerrinha" com uma espada de madeira. É algo aparentemente inofensivo, Pavel sequer sabe o que é uma guerra. Mas prova que a violência é um mal hereditário...

— Pavel! — Voltando-se para trás, o pequeno sorri tão largamente que os olhos brilham. — Venha me dar um abraço, soldadinho da imperatriz!

E Pavel corre para abraçar a imperatriz Elizaveta... Esplêndido! Mary fecha as cortinas e se afasta da janela. Tão esplêndido que torna-se triste! Mas o que não é triste ultimamente? Mary olha para o berço onde a recém-nascida Maria dorme e, suspirando, segue para o espelho.

Impressionante como Mary sente-se tudo, menos uma mulher presenteada ou feliz. Pior ainda, ela se sente humilhada e indigna; nem mesmo a camisola branca dela parece correta. Mas o cabelo, tão solto e longo como nunca antes... É completamente perfeito...

— Eu não mandei você se vestir horas atrás!? — A solidão dela, porém, dura pouco. Konstantin adentra furioso no quarto. — Alexandre e Elizaveta acabaram de chegar e...!

— Sei disso — retruca Mary, aproximando-se da mesinha ao lado do espelho —, Elizaveta já foi babar por Paul.

— Será bom para ele, afinal Pavel será imperador. — Mas Elizaveta está grávida... Não de Alexandre, claro. Pegando um colar da mesinha, Mary escuta, então, Konstantin ordenar: — Nada de joias, não quero vê-la se exibindo para Alexandre.

— Mas que pena — desdenha Mary, levando o colar ao pescoço —, seu irmão me aprecia de todas as formas.

Tomado pela raiva, Konstantin praticamente arranca do pescoço do Mary o colar... Primeiro uma breve falta de ar, depois uma imensa dor, mas fraqueza alguma é mostrada por Mary, o que irrita profundamente Konstantin... que então sorri.

— Você deveria ter mais cuidado, Mary. — Aproximando-se tanto que a faz tremer, Konstantin pega uma mecha do cabelo de Mary e cheira. — Sabe que sou ciumento e... não gosto que toquem em meus pertences.

Sentindo sua espinha arrepiar, principalmente com Konstantin encarando-a fixamente pelo reflexo do espelho, Mary desvia o olhar. Maldito Bonaparte! Maldita França! Malditos saxões! Maldito Konstantin!... Maldita Rússia! Mas esse medo dela não dura muito:

— Mesmo? — Mary sorri com desdém para Konstantin, que franze o cenho. — Fico feliz, então, por pertencer ao imperador!

Dito isso, Mary se afasta de Konstantin e, pegando um robe, saí correndo do quarto, deixando para trás um Konstantin de olhos arregalados.

Longe o suficiente do quarto, bem como do Ceto, Mary diminuí os passos e segue com mais calma para o andar inferior. As vezes ela se pergunta como consegue aguentar aguenta-lo todos os dias? Mas, graças a Deus, a vida militar de Konstantin tem alguma serventia.

— Ainda de camisola!? Mary, já passou das três da tarde! — E assim ela é recebida no final da escadaria principal pela... imperatriz viúva? — A vida das damas inglesas é tão desocupada assim!?

— É muito bom vê-la também... mamãe. — Mary dá sorrisinho para a sogra e volta-se ao imperador, que sorri largamente.

— Não liguei para mamãe, Mary — responde Alexandre, analisando Mary de cima a baixo e depois beijando sua mão. — Eu gosto dessa visão.

— Sua cunhada não é um objeto de sedução, Alexandre! — a imperatriz Maria censura, ganhando do filho uma irônica negativa.

E quanto Ekaterina com o príncipe Dolgorukov? E a imperatriz engravidar de um ninguém!? Deus queira que a criança seja menina, isso não que não nasça morta. Mas não é da vontade de Mary ser motivo de briga... não agora.

— Imagino que essa visita tenha algum motivo, não? — observa Mary, afastando-se tanto do imperador quanto da imperatriz viúva. — Não creio que seja sobre a gravidez da imperatriz, e nem sobre a dissolução do Santo...

— Vim avisar que logo estaremos em guerra contra os franceses. — Parando, Mary franze o cenho para Alexandre. Novamente uma guerra? — Austerlitz e Pressburg foram humilhantes, mas nossos amigos prussianos precisam de ajuda.

— E certamente que os britânicos também — ela sussurra, mais consigo mesma que para eles. Tentando fingir alguma preocupação, Mary pergunta: — Quando Konstantin partirá?

Deus queira que para sempre dessa vez. O imperador olha para a imperatriz viúva e assente. É um segredo ou uma vã tentativa de "acalmá-la"?

— Isso só Deus sabe — responde a imperatriz viúva. — Precisamos nos recuperar da última guerra, então os prussianos inicialmente lutarão sozinhos...

E a imperatriz Maria, bem como o imperador, começam uma longa explicação sobre a guerra que acontecerá. Quando? Muito em breve, e apenas isso é certo. Embora Mary sinta grandes problemas sobrevoando a Europa... Mas quais?

*****

Buckingham House, Londres

Uma nação soberana independente?... Tal pensamento causa um imenso pavor em Richard, tanto que é ele quem busca a mão de Cathrine agora, apertando-a fortemente por um momento. Mas não é apenas pavor que Richard sente...

— Independente!? — ele repete, sentindo uma luta interna de sentimentos e sensações. Soltando Cathrine, ele nega veemente. — Perdão, meu rei, mas como Niedersieg poderá ser independente estando praticamente dentro da Baviera!?

— Usando da diplomacia? — Essa voz provocativa... Richard volta-se para trás, encontrando Robert, junto de Sophia, na porta. — Perdão pelo atraso, houve um acidente em Hyde Park Corner.

Acidente? Talvez tenha sido uma carruagem desgovernada! Abaixando a cabeça, Richard dá uma baixa risada, embora profundamente irônica, e encara os Kendal, que fazem mesuras ao rei e a rainha.

— Impressiona-me o quão dissimulado você é, Robert! — O duque e a duquesa franzem o cenho para Richard, que exclama acusador: — Não vê que nossa realeza está em perigo!?

— Nós lemos o jornal, Richard — responde calmamente Sophia, embora ainda irritando Richard. Uma provocação!? — Sabemos muito bem qual a situação do principado.

— E garantimos que a solução mais viável é a diplomacia, munida da neutralidade, claro — Robert acrescenta e, soltando Sophia, aproxima-se dos cavalheiros. — Se você fizer um bom uso dessas ferramentas e...

A "receita do sucesso" de Robert continua, mesmo que em dado momento Richard deixe de escutá-la. Essas palavras, essa forma de falar... Fechando fortemente os olhos, bem como os punhos, Richard tenta manter a calma, e até Cathrine percebe. Antes, porém, que qualquer palavra seja dita...

— NÃO OUSE FALAR COMO SE SOUBESSE MAIS! — Richard grita na direção de Robert, que recua assustado. — Desde que a Confederação do Reno foi criada em julho, meus diplomatas estão em Munique tentando impedir que Niedersieg seja mediatizado!

— Mas você mesmo sabe que não será o suficiente — o conde Münster retruca, ganhando um furioso olhar de Richard. — Conversas com Munique apenas atrasarão o inevitável.

— E o que devo fazer então!? — O conde franze o cenho para o marquês, que acrescenta... encarando o rei: — Enviar novamente diplomatas a Paris!?

Os olhos do rei arregalam em horror a essa sugestão mais que nefasta. Isso, porém, acontece de uma forma tão profunda que assusta tanto Sophia quanto a rainha, que levanta do sofá.

— Não volte a gritar novamente em minha casa, Bristol! E nem falar alto! — A única ação de Richard é abaixar a cabeça, o que não impede a rainha de continuar: — Essa é uma residência real, não o parlamento!

Apesar de que em ambos os lugares o rei está sujeito a aborrecimentos. Mas Richard assente para a rainha e senta novamente. O silêncio instaura-se na sala a medida que a aflita rainha retorna ao chá e Sophia vai para junto do pai.

É o momento necessário para Richard buscar alguma calma, então ele volta a buscar o conforto de Cathrine... Conforto esse que não chega.

— O que você fará ou deixará de fazer não me diz respeito, Bristol, a menos que envolva Paris, claro — o rei volta a falar, sentando em sua mesa. — Sei que eu, como eleitor de Hannover, não aceitarei o fim do império e continuarei buscando reaver minhas terras ancestrais.

— O império só morrerá quando dissermos que ele morreu — Münster acrescenta confiante. Para eles é fácil falar.

— Mas Niedersieg é uma incógnita. Nesse último século criamos uma grande dependência da Áustria e do imperador, nosso maiores protetores... Mas acabou! — Richard reflete, acrescentando tristemente: — Sem Áustria, sem Niedersieg.

Como um estado alemã poderia ser tão dependente de estado maior?... Mas bem, essa não é uma exclusividade de Niedersieg. Todos os pequenos estados alemães são parasitas da poderosa Áustria. O silêncio, porém, logo é interrompido por Robert:

— Sendo assim, Richard, você tem duas opções: continuar confiando no poder austríaco, — o marquês encara o irmão, que fala com seriedade: — ou criar um Niedersieg completamente independente.

Independente, novamente essa palavra... Richard volta o olhar para frente, encontrando agora os questionadores olhos do rei. Dessa vez, porém, Richard não procura Cathrine... é Cathrine que procura ele. Sentindo o aperto de Cathrine na mão dele, Richard tem certeza de uma coisa: eles cairão juntos!

— Creio que... Vou reunir o Conselho de Bristol! — É a decisão, embora faça Robert franzir o cenho. Richard, porém, levanta. — Mas antes analisarei as notícias de Neipperhard.

Dito isso, Richard anuncia que voltará para casa e, após mesuras dele e de Cathrine, os Bristol deixam a sala. Eles deixam para trás sentimentos adversos, todos resumidos nas irônicas palavras de Robert:

— Louvável! Simplesmente louvável!

*****

O príncipe de Gales exibe um largo e satisfeito sorriso chegar no hall e subir a grande escadaria de Buckingham House. A alegria dele é imensa, chega a transbordar; tanto que não seria nenhuma surpresa ele começar a pular.

Quase no topo da escadaria, porém, o príncipe cruza com os Bristol, que passam tão rápido por ele quanto o Diabo fugindo da Cruz. É o bastante para George franzir o cenho, principalmente quando encontra as irmãs no corredor.

— Que falta de educação! Tudo por um doente terminal que morreu? — Nenhuma resposta é dada pelas sérias princesas. Até que George nota uma falta: — E Amélia?

— Acordou indisposta — explica Mary, franzindo o cenho, em seguida, para o envelope nas mãos do irmão. — Não me diga que é...

O príncipe de Gales assente, fazendo todas as três princesas arregalarem os olhos, mesmo que por motivos distintos. Mas, sorrindo largamente, George segue para o escritório do rei, de onde pouco antes saí o conde Münster, fazendo uma mesura a realeza.

Muito curioso... Mas não por agora. George simplesmente assente para o conde e entra no escritório, sendo imediatamente seguido pelas irmãs. A entrada é o suficiente para chamar a atenção de todos, calando Robert e...

— Estou sem paciência hoje para suas reclamações, Georgie! — o rei avisa exasperado, dando as costas ao filho e pegando alguns papéis na mesa. — Tenho muitos problemas com Hannover, Prússia... Oh, e ainda há Grenville...!

— Mas isso é perfeito, papai! — É o bastante para o rei, junto da rainha, franzir o cenho na direção de George, que levanta com satisfação o envelope. — Sabe o que significa isso?

O rei estende a mão... Mas a rainha é mais rápida e toma do filho a "confissão", imediatamente abrindo-a e lendo. Sophia segue para junto da mãe, bem como as outras princesas... embora Robert não mostre dar muita importância.

— Então é verdade — Sophia sussurra e encara enojada o irmão —, você vai destruir a vida de Caroline.

— Destruir? Não, anjinha, não vou destruí-la. — O príncipe sorri e estende a mão na direção da rainha, tão tranquilo como uma ovelha. — Vou apenas mostrar a verdade, revelar o oculto.

— Chega de joguinhos, Georgie! — ordena a rainha, semicerrando os olhos. — Conte-nos já seu plano vil!

— A senhora é tão extremistas, mamãe, é um favor isso que farei — o príncipe responde numa risadinha... que torna-se bruscamente seriedade. — Quero que uma investigação seja imediatamente aberta contra Caroline!

O príncipe arranca das mãos da rainha a carta e entrega ao rei, que a analisa em silêncio. Não é a pior coisa do mundo, mas apenas a resolução de um problema. Robert, por exemplo, não mostra afetação alguma... Diferente do resto

— Suas ditas provas são insuficientes — o rei, então, declara e, fazendo George arregalar os olhos... rasga a carta. — O relato de Lady Douglas, uma ex-amiga de Caroline, é inconsistente.

— E quanto a amizade suspeita dela com certos homens? — Quem vem ao auxílio do príncipe e Mary, fazendo os pais e irmãs franzirem o cenho. — Devemos lembrar que toda fofoca tem alguma verdade.

— Mary, por favor — exclama Sophia, negando veemente —, não vê que é apenas uma desculpa para se livrar de Caroline!?

— Não me faça criticá-la também, Sophia! — retruca George, lembrando do menino nascido prematuro em junho... que logo morreu. Mas agora isso irrita Robert. — Sabe que posso ser extremamente insensível...!

— Mas não em minha presença. — Robert toma a frente das damas, encarando com frieza o cunhado. — Tenho coisas infinitamente superiores para lidar, mas jamais permitirei que ofenda Sophia.

Será uma prazer para George ofendê-la quando Robert dar as costas. Mas, enquanto isso não acontece, a atenção dele volta-se ao rei. Uma resposta deve ser dada, a investigação deve ser imediatamente aberta. O soberano, porém, apenas senta a mesa.

— Uma investigação dessas destruiria a vida de Caroline. Não desejo...

— E se Caroline realmente for culpada? — desafia George, finalmente quebrando a indiferença do rei, cujas pupilas dilatam.— E se ela tiver um bastardo? Vai arriscar ter bastardo no trono, papai?

O silêncio toma de conta do escritório... Um tenso silêncio. Há certas coisas que um soberano sempre aceita calado, mas bastardos usando a coroa não é uma delas.

— Vejo que o único bastardo aqui é você, Georgie, mas em caráter. — O príncipe ri para o rei, que pega uma folha e começa a escrever... O rei estende a carta. — Faça as honras de entregar em Downing Street; é a investigação que você deseja, porém secreta, sigilosa... delicada.

Uma investigação muito delicada... O príncipe de Gales pega a carta e, fazendo uma mesura ao rei e a rainha, deixa o escritório. Isso trará tantos problemas e sofrimento... Mas é necessário, o rei nem vai notar...

*****

Palácio de Hampton Court, Londres

Seguindo vagarosamente até a mais adornada porta do corredor, Cathrine entra na sala dourada e imediatamente encontra Richard olhando distraído para uma grande pintura acima da lareira. Parece retratar uma reunião nessa mesma sala... embora diferente.

— Os lords acabaram de chegar, Richard... Todos eles — Cathrine anuncia ao aproximar-se, mas Richard sequer olha para ela. — Sua convocação foi atendida com uma rapidez descomunal.

— Eles já esperavam por isso, tenha certeza. — Que tom frio, rancoroso e... Richard ri irônico e nega. — Nunca que eles perderiam uma chance dessas.

Dito isso, Richard deixa a pintura e vai em direção a janela. Em momentos de ansiedade ou medo é comum sentir mais calor que o normal, Cathrine sabe muito bem disso. Ela, porém, continua observando a pintura. É, de fato, uma reunião na sala dourada... de Goldenhall.

— Por que você odeia tanto esses homens? — pergunta Cathrine, virando-se na direção do marido.

— Não odeio, apenas não gosto da atitude arrogante e superior deles. — Mas não é essa a mesma atitude dos Tudor-Habsburg? Richard, porém, ainda acrescenta com rancor: — Se eu pudesse, extinguiria hoje mesmo essa tolice de conselho!

— Agora entendo porque raramente você os convoca. — Também deixando a pintura, Cathrine segue na direção de Richard. — Eles parecem homens tão bons.

— Nunca disse que são ruins, mas sim políticos. — Cathrine franze o cenho com as palavras de Richard, cujo olhar continua na janela. — Até o belo cristalzinho Henry Petty vira um selvagem na Câmara dos Comuns.

Tanto rancor, tanta raiva pela política... tanto medo. Ficando lado a lado dele, Cathrine pega a mão de Richard e, apertando-a fortemente, abraça o braço dele. Está suado, então ele realmente está com medo e ansiedade.

— Tenho certeza que tudo ficará bem — ela garante, encarando os olhos de Richard.

— Eles disseram a mesma coisa há quase 13 anos quando me fizeram chorar em nossa primeira reunião. — O aperto dela apenas aumenta, principalmente quando ele acrescenta: — E também em 1796 quando me fizeram reintroduzir a pena de morte.

Richard era apenas uma criança, a inocência sequer o havia deixado... Na verdade, foi tomada dele! Os dois ficam em silêncio por um momento, esquecendo até dos lords esperando no hall. Até que Richard suspira e...

— As vezes me sinto um príncipe tão fraco, Cathrine — ele murmura, fitando-a profundamente melancólico —, como se fosse eu que devesse se ajoelhar, não os outros.

É impossível para Cathrine imediatamente responder... O que responder!? Então ela apenas encosta a cabeça no ombro dele e fala que:

— Nossos dias exigem príncipes sábios, Richard, não grandes.

— Sou um arquiteto, não um intelectual — Richard responde, rindo com ironia logo em seguida. — Acho que Robert faria muito melhor, sabe? Ele é energético, desafiador e sabe analisar a situação... É um verdadeiro estadista.

— Mas o príncipe é você e só você sabe o quão difícil é governar Niedersieg. — Principalmente em meio a revoluções, guerras e mudanças sociais. — Você é o melhor príncipe que Niedersieg poderia ter.

Nenhuma palavra é dita em contradição. Em meio a uma guerra, o melhor governante nem sempre é o que luta gloriosamente, mas sim o que mantém seu território seguro. O silêncio parece até que vai se instaurar, mas Richard não deixa:

— Minha família é a glória e a ruína de Niedersieg. — Cathrine franze o cenho para o sério Richard, que sorri tranquilo para ela. — Você ficará comigo na reunião?

— Infelizmente, não; Juliane não para de chorar com febre e dor. — Agora é Richard quem franze o cenho, preocupado. Mas Cathrine o tranquiliza: — É só o primeiro dentinho dela nascendo.

Nada para se preocupar em excesso. Logo, porém, Cathrine vai embora e os lords entram na sala. A reunião do Conselho de Bristol começa e, após longas discussões, sempre levando em conta as cartas de Neipperhard, é decidido que...

*****

Setembro|1806 Castelo de Ocenia, Cornwall

Nada, isso que foi decidido ao final da reunião com o Conselho de Bristol. Nada seria dito ou feito em relação ao fim do Santo Império. E foi o que aconteceu, de fato... Até Neipperhard enviar Maximilian Gauber.

— O que significa "Libertas et Victoria"? — pergunta Cathrine, olhando o florim de prata e o trêmulo Sr. Gauber em pé.

— É latim, madame — Gauber responde, fazendo Robert, logo atrás, revirar os olhos —, significa...

— Sabemos ler latim, Gauber. — E ele abaixa a cabeça para Richard, que massageia a testa e explica: — Queremos saber o por que disso? E também o por que de um "Banco Nacional"?

Como se não bastasse enviar um banqueiro suíço, Neipperhard enviou designers de moedas comemorativas e planos de um banco central. Que estado alemão, tirando a Prússia e as cidades livres, tem um banco central!?

— B-bem... os judeus que controlam o... eh... setor bancário e isso é perigoso. — Judeus terem o tesouro? Richard franze o cenho para Cathrine, que dá os ombros. — C-com um banco central próprio teremos mais... eh... controle sobre a política monetária, diferente de um... banco comercial.

Mas, diferente deles, os banqueiros judeus possuem as maiores fortunas da Alemanha... Mas Richard suspira e, massageando a testa, fecha os olhos; é impossível aguentar o olhar descontente de Robert na direção dele.

— Foi isso que Neipperhard mandou você dizer? — As palavras do marquês saem baixas como um sussurro, mas logo ele encara novamente Gauber. — E quanto as moedas?

— É para o bicentenário de Smaragdberg ano que vem. — O sorriso do banqueiro é imenso, mesmo que não compartilhado por ninguém. — Vamos apresentá-las com a fundação oficial do Banco...

— Por quê? — questiona bruscamente Richard, fazendo Gauber franzir o cenho.

— É algum tipo de piada inglesa? — Gauber até olha na direção de Robert, que nega. — Eu não entendo...

— Não? Mas é tão simples! — Um sorriso estampa o rosto de Richard... um sorriso irônico. — Desejo saber qual o objetivo do chanceler...?

— Você é tapado, Richard!? — Ele arregala os olhos para Robert, que aproxima-se negando. — Por acaso não vê que o objetivo de Neipperhard é mostrar aos niedersiegers um estado independente e seguro de si!?

A ofensa de Richard é imensa... Mas ele fica em silêncio, um silêncio tão frio e profundo que instaura-se na sala. É perceptível o pânico nos olhos do Sr. Gauber, enquanto Cathrine divide-se entre os dois irmãos, que se encaram fixamente.

— O que acha dessa acusação, Gauber? — Num tom profundamente calmo, Richard volta-se o banqueiro, que...

— Não se faça de idiota! — Agora Richard direciona um olhar furioso ao irmão, que acrescenta: — Ambos sabemos qual o plano de Neipperhard: mostrar para o exterior um estado fraco, indeciso e pequeno, enquanto...!

— Já chega! — Richard exclama, levantando furioso da cadeira. — Sua opinião é irrelevante...!

— Enquanto os próprios niedersiegers se veem como grandes e altamente independentes! — Mas Robert não desiste, tanto que aproxima-se desafiador do irmão. — É uma política de fachadas e ilusões que DIFICILMENTE DARÁ CERTO!

Tomado pela raiva, Richard deixa seu lugar e, marchando furioso até Robert, levanta uma mão...

— Poderíamos nos reunir mais tarde, Sr. Gauber? — Mas Cathrine intervém antes de qualquer ação brusca. — Como vê, tudo isso é muito... desgastante.

— Certamente, madame. — Gauber faz uma mesura a princesa, depois aos príncipes, que se afastam, e... Ele lembra: — Deixarei apenas o desenho da nova bandeira.

— Bandeira!? — repete Richard, franzindo o cenho.

Mas é tarde demais, Gauber deixa a sala e a realeza fica apenas com as dúvidas envolvendo essa bandeira. Richard até se aproxima de Cathrine para analisar esse desenho... De fato, é uma nova bandeira, totalmente diferente da antiga.

— Agora que Gauber foi embora e Sophia está em Weymouth — Robert fala, trazendo a fria atenção de Richard —, podemos brigar com toda a liberdade...

— Eu deveria socá-lo! Destruí-lo!... Fazê-lo sangrar! — Richard exclama, caminhando furioso na direção de Robert. — Como ousa me humilhar na frente de um súdito!?

A única ação de Robert é rir, e rir com todo o prazer e desdém, aumentando mais ainda a raiva de Richard. É o suficiente para Cathrine, que suspira e saí rumo a porta. Mas nenhum deles percebe, principalmente com Robert negando.

— Mas que desnecessário; ambos sabemos que você é incapaz de bater em alguém.

— Posso abrir uma exceção para você... irmãozinho. — Agora, sendo atingido, Robert franze o cenho para Richard, que não mostra nenhuma satisfação. — Qual é a sua, hein!?

— Lembrá-lo do seu lugar — responde Robert, encarando o irmão com seriedade. — Você é o soberano, Richard, não pode deixar Neipperhard tomar ações desse tipo sozinho!

O silêncio domina momentaneamente entre os dois, sendo o tempo suficiente para Richard "digerir" o que Robert acabou de dizer. Agir como o soberano?... Mas a fúria logo retorna ao marquês.

— Lembre-se você do seu lugar, Robert! Do meu principado cuido eu! — E, não sendo o suficiente, Richard ainda acrescenta friamente: — Sua obrigação não é vigiar, mas procriar!

Os olhos de Robert arregalam em horror, e até mesmo Richard se assusta com as próprias palavras. Mas está feito, não há arrependimento algum... Apenas raiva de parte de Robert:

— Não sou um garanhão para...

— Você é o que eu digo que é — lembra Richard, num tom profundamente frio —; um procriador!

Quem sofre, porém, com todas essas palavras não é Robert, e nem mesmo Sophia em Weymouth... Mas sim Cathrine, que escuta toda essa discussão atrás da porta, complemente estoica. Mesmo que seja apenas um momento de fúria, ainda dói... E uma lágrima teimosa ainda desce.

No final, Cathrine apenas segue para o berçário, deixando a discussão de Richard e Robert seguir livremente, ela ainda precisa cuidar de Juliane.

*****

Setembro|1806 Pall Mall, Westminster

Protegida por guardas a cavalo, a carruagem do rei desce pela St James's Street e entra em Pall Mall. A velocidade da carruagem é lenta e constante, afinal o destino deles é apenas...

— O que é isso em Carlton House? — Seguindo Augusta, o rei e a rainha, bem como Augustus, olhem pela janela e... franzem o cenho. — Por que todo esse povo está aqui?

Uma considerável multidão reúne-se em frente aos portões de Carlton House, gritando ofensas e ameaças contra o príncipe de Gales e... os Douglas. Estão furiosos, embora não violentos o suficiente para preocupar os guardas da casa.

— Por causa dela — o rei sussurra, mais preocupado que furioso. — Vieram mostrar seu apoio a ela.

É o suficiente para instalar uma certa tensão na carruagem, principalmente quando alguém exclama na direção da carruagem e parte da multidão vem "protestar ao rei". Então esses são os distúrbios que Grenville mencionou? Pelo menos não foram para Westminster e Buckingham House.

— É um idiota! — comenta Augustus, fechando as janelas e negando. — George realmente acreditou que o público não descobriria!? Que aceitariam calados!?

A velocidade da carruagem diminui mais ainda; é difícil para os guardas manter o povo totalmente afastado. Alguns até passam pelos guardas e gritam a estoica realeza. As investigações mal começaram e tudo já está assim!?

— Mas como!? A comissão parlamentar não é secreta? — Augusta está certa; apenas quatro dos homens mais iminentes do país ouvirão as testemunhas. Mas...

— Não há nada secreto que não possa ser revelado, Augusta... Não para a Coroa — a rainha lembra, profundamente sombria. — Contanto que não ajam pedras.

Inconscientemente a rainha leva uma mão a testa, ao mesmo tempo que encara o rei. Protestos assim, calmos ou não, sempre lembram dos terríveis anos da Primeira Coalizão. De qualquer forma, a carruagem segue para seu destino: Warwick House.

Uma casa modesta e adjacente a Carlton House, onde reside a pequena princesa Charlotte. E não tarda para a princesa sair para o pátio, junto da viúva baronesa de Clifford e... A marquesa Townshend...

— Por que mamãe não falou comigo, Lady de Clifford? Ela sequer acenou! — choraminga Charlotte, mas sem receber resposta alguma. — É por causa da investigação?

— Isso não vem ao caso agora, Charlotte, mas sim que...

Antes de Lady Townshend acabar, o rei e a rainha, bem como Augusta e Augustus, descem da carruagem. Todas se curvam a realeza... profundamente amedrontadas.

— Mas o que significa isso, Lady de Clifford? — o rei imediatamente questiona, virando-se para Lady Townshend sem ao menos esperar uma resposta. — Para onde está levando Charlotte, Lady Townshend?

— A princesa pediu...

— Nossas exortações, e as de Georgie também, não foram claras o suficiente? — O tom da rainha é duro e crítico, tanto que Lady Townshend cala-se. — Caroline está proibida de ter contato com Charlotte.

— A princesa suplica para ver a filha — a marquesa responde, suplicante. — Uma mãe não pode ficar longe do único fruto do seu ventre!

— Quando as acusações contra Caroline forem declaradas falsas, o que acontecerá muito em breve, ela poderá ver Charlotte — o rei declara, tomando de Lady de Clifford a mão de Charlotte. — Mas, enquanto isso não acontece, nós ficaremos com a futura rainha.

Nenhum protesto é feito pelas damas, que assentem a dura ordem o rei. Parece duro, é duro, mas é extremamente necessário. Charlotte deve ser protegida o máximo possível desse escândalo. Porém...

— Deixe-me vê-la, vovô — a própria Charlotte suplica, com lágrimas nos olhos — por favor!

O coração do rei é tocado de uma forma profunda com essa visão, mas ele apenas solta Charlotte e dá as costas... A resposta ainda é não.

— Você será rainha um dia, Charlotte, então desde já aprenda algo — a rainha, porém, fala ao pegar a mão da neta —; não somos vovô e vovó, mas sim o rei e a rainha.

Charlotte não faz mas nenhum protesto, nem ao ser levada para a carruagem; Windsor será o lugar mais seguro. Os protestos continuam em frente a Carlton House, assim como a comissão... Mas logo coisas mais importantes tomarão essa atenção...

*****

05|01|1807 Burg Wasserstrich, Königsstadt

O sol se põe ao oeste, a medida que a escuridão instaura-se não pelo leste, mas pelo oeste... Pela Baviera... Porque não é apenas o sol literal que se põe, mas também um simbólico, um que dificilmente voltará a aparecer.

Enquanto a "baixa Königsstadt" — ou simplesmente cidade nova — caí no mais profundo caos e horror, soldados trajados de azul e usando capacetes de lagarta sobem na mais perfeita ordem pela "cidade murada" rumo ao Burg Wasserstrich.

Königsstadt caiu, assim como Ehreschöne e Smaragdberg, e nada poderá livrá-la dos franco-bávaros... Nessa marcha, porém, os soldados são constantemente assediados pelo povo, que os ataca não apenas com ofensas, mas também com pedras e neve.

Mas, tal como na Saxônia, Prússia e Polônia, nada impede o avanço dos franco-bávaros, que logo chegam no Bug Wasserstrich... onde são recebidos com tiros! E os confrontos recomeçam, com os soldados bávaros e franceses reagindo contra os guardas dos castelo, enquanto o povo foge.

Essa resistência, porém, está fadada ao fracasso, nem mesmo os guardas acreditam nela. Porque o objetivo não é proteger Königsstadt, nem o povo de Königsstadt, mas sim Niedersieg... Sempre Niedersieg!

Por isso, enquanto a maior parte dos guardas luta contra os bávaros das janelas e muralhas, alguns outros correm para uma das torres do castelo e posicionam uma máquina para o leste...

Uma grande explosão de fogos de artifício vermelhos é vista no céu por observadores no domo da Basílica de St. Vinzenz, que sinalizam para avisarem o general Mildenburg, que reza dentro da basílica com o chanceler Neipperhard.

— Quais as suas ordens agora, chanceler? — o idoso general da brigada pergunta, recebendo apenas silêncio de Neipperhard. — Meus homens e eu lutaremos até o fim.

Homens que nunca usaram armas para matar; homens que dificilmente seriam chamados de soldados; são apenas voluntários. Mas o chanceler continua rezando em silêncio... Até que chega ao fim.

— Onde estão von Frieden e Eden?

— Creio que ajudando na fuga do cardeal Jarnerich e da nobreza. — Junto com o tesouro econômico, artístico e cultural de Niedersieg. O general, porém, ainda lembra: — Os bávaros e franceses chegarão pela manhã.

Niedersieg tem, então, todo o resto da noite e início da manhã para se preparar. O silêncio domina por mais um momento, até que Neipperhard respira fundo e...

— Mande evacuarem a cidade velha — ele ordena, levantando dos pés do altar —, e depois corte todas as comunicações com o Noblerstadtteil.

Não tarda muito e o pânico instala-se na capital. Sendo nesse pânico que, logo depois da meia-noite, todo o povo restante foge para o Noblerstadtteil... Enquanto são explodidas todas as pontes que o ligam a cidade velha.