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*Capítulo 10*

Intimação

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Aquela era uma péssima maneira de se começar um dia. Isto é, como se 05:00 am já pudesse ser considerado "dia" para qualquer um. Até mesmo o Sol parecia sonolento, já que ainda sequer havia se dado ao trabalho de surgir no horizonte.

Algumas vezes ele se perguntava por que cargas d'água ainda insistia em manter esse estilo de vida desgastante, com um trabalho que pouco lhe remunerava e quase lhe tirava a vida todos os dias. Qualquer indivíduo racional já teria pulado fora nos primeiros anos. Mas, claro, seu emprego não era exatamente uma questão de escolha ou vocação. Era algo em que ele simplesmente foi treinado a vida inteira para ser.

Entretanto, isso não o impedia de amaldiçoar seu trabalho como qualquer outro cidadão comum.

Ainda bem.

Ele caminhou preguiçosamente em direção ao Portal sentindo aquele mal-estar e a familiar dor de cabeça de quem não dormiu o suficiente durante a noite.

E apesar de ter se submetido a uma ducha fria assim que acordara, seu corpo ainda parecia entorpecido pelo sono, seus pensamentos continuavam nublados e azedos, indo sempre de volta à lembrança da cama quente e confortável que abandonou cedo demais.

A recepção do Instituto estava silenciosa e quase deserta com exceção de alguns funcionários. Os guardas não contavam, pois já eram uma presença tão assídua que suas figuras quase misturavam-se à decoração.

O expediente de trabalho da área pública do Instituto Ironheart só começaria oficialmente às seis da manhã, porém sempre havia alguém virando a noite ou trabalhando até tarde. Aquele lugar nunca parava de funcionar.

Ele cumprimentou os vigilantes com um breve aceno e apressou-se para o elevador. Não estava com paciência para subir escadas naquela manhã, embora sempre preferisse usá-las para se deslocar entre os andares da construção.

Ele rapidamente acionou os comandos para o andar que desejava e logo o cubículo de metal entrou em movimento. Instantaneamente, a sensação nauseante percorreu-lhe o corpo.

Elevadores o deixavam nervoso e bagunçavam seu senso orientação, além de oferecerem o risco de aturar conversas entediantes entre funcionários ou possíveis companhias desagradáveis. Por isso gostava das escadas.

Elas sempre lhe serviram como um meio de liberar os estresse diário; davam-lhe um certo intervalo de tempo para esfriar a cabeça entre uma ordem ou incumbência desagradável que seria obrigado a cumprir.

Porém, desta vez, ao contrário de adiar como de costume, tudo que ele queria era acelerar a situação o máximo possível para que também pudesse terminar de modo igualmente rápido. E o fato de estar usando o elevador exatamente naquela manhã já era um sinal claro do quão mal as coisas estavam indo para ele.

As portas se abriram e o rapaz vislumbrou seu destino: O corredor da Ala da Presidência.

Passos largos e firmes o guiaram até a sala infame. E concentrando-se na ordem e a tarefa que o trouxeram até ali, ele deixou para trás qualquer traço de cansaço ou indisposição. Agora ele era perfeitamente alerta, profissional e competente.

Ele era um hunter.

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Bom dia. Chegou bem cedo, agente Takamiya.

Kaito deixou seus olhos pousarem sobre a figura assentada à mesa. Era difícil acreditar que aquele homem ainda estivesse de pé, sendo que há poucas horas havia retornado de uma viagem exaustiva e claramente não dormiu a noite ou parou de trabalhar desde que chegou ao QG.

No entanto...– Kaito lembrou a si mesmo - Este sujeito nunca foi um homem ordinário, de qualquer maneira.

— Não mais que o senhor, Presidente Cross. - cumprimentou-o. — Então, qual é a urgência?

Ele esperou enquanto Kaien terminava de organizar uma pilha de papéis que provavelmente estivera lendo a noite toda.

— Quero que me diga exatamente o que houve durante a minha ausência. Especialmente sobre os detalhes da última missão que você executou em parceria com Zero.

— Eu lhe enviei um relatório ainda ontem. Lá estão as informações de toda a...

— Eu o li. – Cross o interrompeu. Sua voz era resoluta. — Um relatório excelente, por sinal. Porém, nós dois sabemos que as informações de que eu realmente preciso não constam nestes papéis. Então, não me resta outra alternativa a não ser recebê-las diretamente por você, certo?

— É claro. Desculpe-me, senhor. – Kaito assentiu, recebendo a confirmação absoluta do verdadeiro motivo de estar ali àquela hora da madrugada.

Ele mal havia deitado em sua cama quando o telefone começou a tocar insistentemente, obrigando-o a interromper seu descanso merecido. Por um instante ele ponderou a possibilidade de ignorar aquela chamada, mas uma estranha inquietação o fez se lembrar da única razão que faria Kaien convocá-lo tão urgentemente.

Com uma das mãos, o rapaz abriu seu casaco e retirou do bolso interno uma pequena pasta de capa preta. Aquele arquivo aparentemente inofensivo continha os resultados finais de suas investigações. Foram meses de pesquisa, mas agora ele tinha certeza de que finalmente encontrara algo.

Kaien recebeu a pasta e imediatamente começou a folheá-la. Seus olhos moviam-se rapidamente sobre a páginas sem demonstrar surpresa pelo que lia. Ocasionalmente, franziu levemente as sobrancelhas e meneou a cabeça ao se deparar com algum parágrafo que atraiu sua atenção.

"Bem... eu imagino que à essa altura, aquela mulher provavelmente já começou a se mover..."

Kaito o ouviu murmurar consigo mesmo. Até pensou em perguntar a quem Cross se referia, mas desistiu por saber por instinto que ele nunca que lhe diria. Depois de investigar a fundo aqueles incidentes, ele já não tinha muita certeza se valia à pena saber.

Ao terminar a leitura, o Presidente fechou a pasta cuidadosamente, deixando-a repousar diante de si.

— Você compartilhou essas informações com mais alguém?

— Não. Esta é a única cópia.

— E quanto a Zero? Ele sabe de algo?

— Apenas o suficiente, assim como Yagari. O Mestre nunca soube que eu secretamente já investigava os assassinatos sob as suas ordens, Presidente, mesmo antes de ele ter designado essa missão de extermínio para nós. No entanto, mesmo que tenha percebido algo; Zero provavelmente apenas decidiu ignorar.

— Como pode ter certeza?

Kaito inspirou levemente antes de tocar naquele assunto que era tão delicado para o homem à sua frente.

— Zero está tão focado no passado que não há espaços vazios em sua mente para abrigar preocupações com o resto do mundo. Ele simplesmente não se interessa mais por nada, a não ser que seja relacionado ao desaparecimento daqueles dois.

As palavras foram jogadas no ar e dissecadas pelo olhos imutáveis de Kaien. Se elas o afetaram de alguma maneira, sua expressão negou-se a delatá-lo. Kaito se perguntou se a habilidade de Zero em mascarar as próprias emoções não teria nascido do convívio com aquele homem. Ambos eram mestres nessa arte.

— O senhor deseja mais alguma coisa de mim?

— Sim. Na verdade, eu tenho algo para lhe entregar.

Kaien inclinou-se para a pilha de documentos à sua esquerda e retirou de cima dela um envelope pardo, entregando-o para o rapaz que agora ostentava um olhar que alternava entre o receio e a curiosidade.

Ao recebê-lo, Kaito reparou que o envelope era mais grosso do que aparentava. Seus dedos alisaram o papel e identificaram o volume retangular em seu interior.

— Abra. - Instruiu Kaien.

Ele obedeceu. A compreensão foi instantânea.

Ainda assim, ele se apressou em sanar qualquer sombra de dúvida.

— Senhor... O que exatamente é isso?

E sem rodeios, Kaien lhe intimou.

— Sua nova identidade e passaporte. Prepare-se bem. Eu preciso que você cumpra uma última missão em meu nome.