Entre Ódios e Desejos

Capítulo 5 - Convidada de honra


Dois, três, quatro dias se passaram. Uma semana. Duas semanas.

Nicky nem sequer mencionou nada sobre o bilhete que eu lhe deixara. Será que ela havia lido ou não? Talvez, na pior das hipóteses, algum guarda tivesse recolhido o bilhete num tipo de prazer sórdido em desfazer qualquer coisa que viesse a nos irritar. Mas, de fato, eu nunca saberia, até porque nem tinha coragem de repetir tais palavras. A impulsividade era um tanto problemática, para mim.

Todos os cafés da manhã subsequentes àquele dia, o de minha condenação, de meu último espasmo de saudade e de ódio, foram um tanto estranhos. Os almoços também. Vi, aos poucos, que eu acabava por me sentar com Boo - a tal detenta cuja proximidade preocupara o Conselheiro e eu nem sabia o porquê - e Red, que sempre chegava um pouco mais tarde às refeições, por ser quem as preparava.

_Vause, já é a garotinha de alguém por aqui? - Boo segurava duas rosquinhas secas numa das mãos e me olhava fixamente, sem nenhum sucesso no quesito sedução. Se é o que ela esperava...-.

_Garotinha de alguém? E eu sei lá o que é isso - respondi-lhe com um meio sorriso -.

_Já se passaram três semanas e ninguém teve a coragem de pedir a mão da top model de Leitchfield? Gata, você assusta mesmo, hein.

_Você quis dizer...mão...

Boo sorriu e largou suas rosquinhas virando-se para mim, após ajeitar uma mexa de cabelo que caía em seus olhos. Um tanto deselegante, ela era uma mulher vulgar, nem tanto mulher, para ser sincera, com seu cabelo curto, negro e seus olhares para lá e para cá pelos traseiros de quase todas as mulheres por ali.

_É um troço comum por aqui. As novatas chegam, são assediadas com todo o carinho - ela pousou sua mão em minha coxa - e escolhem uma esposa pra chamar de sua... Entendeu, Vause?

Afastei suas mãos sujas de mim, levantei-me devagar da mesa enquanto Red sorria com o mal feito.

_Leve na esportiva, criança.

Red sempre nos chamava assim, como se fossemos suas filhas.

_Não, tudo bem. É só que eu não preciso de mulher nenhuma não, muito menos pra achar que eu sou alguma coisa...mulherzinha...dela.

Boo também sorriu e fui me afastando da mesa. Aquela situação me deixava estranhamente desconfortável. Eu não era do tipo não me toques, mas, ainda sim, acostumei-me a escolher as mulheres com quem me deitava, as que me relacionava ou as que só comia e não ligava depois. Sempre foi assim. Alex Vause no comando. Alex Vause, o lobo para as pequenas ovelhas.

Ao contrário do que poderia parecer, eu não tratava as mulheres como meros objetos. Oh, com certeza não! Se havia uma coisa a que eu me atrelava era à sinceridade com todas elas.

Me liga depois? Talvez sim.

Será que faço bem em me apegar a você? Com certeza não.

E foi assim que meus dez últimos anos se passaram. Sem grandes laços, sem grandes saltos, sem grandes aventuras.

Sentei-me em minha cama logo ao entrar no dormitório e um rapaz fardado, parecendo ser novo por ali, veio em minha direção.

_Olá, detenta.

_Vause, Alex Vause - interrompi-o -.

_Me desculpe. Vause? Chegou correspondência pra você.

O rapaz cujo nome cravado em seu peito dizia J. Bennet, deixou uma carta em meu colo e se despediu com um balançar de cabeça. Logo perguntei a mim mesma quem me mandaria uma carta. Era meu advogado, que nem sequer se deu o trabalho de vir falar comigo, ao invés de aquela palhaçada.

Abri o envelope nem um pouco animada e havia uma cópia do meu depoimento, com minha assinatura e o logotipo da vara criminal em que meu caso fora julgado. Todos os dados corretos, ok, e no verso da folha um recado do bastardo em questão.

Minha querida, sinta-se aliviada. Piper Chapman foi intimada e sua pena, diminuída em um par de meses. Abraços, seu defensor.

Que empáfia a dele, meu defensor. Faça-me o favor.

Eu nem me atentei àquilo por muito tempo, porém, pois agora tinha a certeza que o que planejara tinha dado certo. Com certeza Piper iria a uma daquelas penitenciárias de luxo, do tipo que acolhe os filhinhos de papai da América e que apenas cometeram um pequeno deslize, oh, coitadinhos.

Eu me sentia, de fato, aliviada, mas ainda sim com um aperto no peito. Foi então que Nicky aparecera no corredor, indo em direção ao seu dormitório e eu não pude me conter, deixando aquele papel de lado.

_Nicky, ei.

Ela fingiu não ouvir e continuou andando.

_Nicky, qual é, você vai me ignorar?

Ela parou, movimentou seus ombros para cima e para baixo como quem respirava fundo antes de se virar para mim e veio marchando em minha direção.

Entrou no espaço que dividia meu quarto dos outros e sentou-se ao meu lado na cama.

_Vause - disse ela - presta atenção numa coisa...

Ela pousou suas duas mãos a segurar meu rosto, ajeitou-se até ficar de joelhos na cama para alcançar minha altura e veio em minha direção numa lentidão que parecia fora do normal. Quando estava a centímetros de tocar seu rosto no meu, parou. Olhou-me nos olhos, fechou-os e prosseguiu, beijando minha boca devagar, com uma delicadeza que eu não havia notado que ela tinha, até o dia em que me acolhera chorando pelos corredores do presídio.

Continuou a procurar por espaço dentro de minha boca e eu não pude deixar de notar que aquilo era completamente estranho. Sim, Nicky beijava muito bem, mas eu não sentia nada. Ela, então, afastou-se de mim, sentou-se de novo e sorriu meio debochada.

_Percebe que isso não faz sentido?

_Totalmente - sorri abertamente e ela me acompanhou na gargalhada -.

_Então sossega, mulher.

Parei de sorrir, retirei meus óculos e deixei-os sobre a escrivaninha ao lado da cama.

_Olha isso - apontei meu indicador para a folha que meu advogado tinha me mandado e Nicky leu o documento -.

_Piper... Chap... como eu falo isso?

_Chapman, o mesmo daquela cantora de folk de Ohio...

_Tracy Chapman! - bradou ela - Oh, cara, aquilo sim é música...

Concordei com um meio sorriso.

_É ela o seu drama lésbico? - Nicky arqueou a sobrancelha como quem lia meus pensamentos. Ela sempre fazia isso -.

_É ela sim, meu drama lésbico, como diz você. Vai ser presa.

_E? - ela parecia não entender muito bem o porquê de eu estar lhe mostrando aquilo.

_Sei lá... é só que... me parece justo, mas às vezes não...enfim.

Nicky sorriu com uma expressão de deboche.

_Princesa, fez tem que pagar. Judas sendo você ou qualquer outro que colocasse ela atrás das grades.

Concordei, abaixando minha cabeça e continuamos ali, conversando por mais algum tempo. Logo já era hora de irmos aos nossos postos de trabalho e cada uma seguiu seu rumo. A lavanderia era um lugar pouco convidativo, mas parecia um dos melhores para se estar naquele momento. Muita maluquice sendo dita, muita pregação em nome do Senhor Jesus e o barulho ensurdecedor e ao mesmo tempo acalmante das máquinas ruindo.

No fim do dia, por volta das cinco da tarde, Pornstache comandou a contagem das detentas, ao invés de o gordinho simpático que sempre o fazia e, particularmente quando chegou aos meus aposentos, veio em minha direção aproximando-se bem mais do que o recomendável, o agradável ou o respeitoso.

_Alex Vause...

Permaneci calada diante sua tentativa ridícula de sedução.

_Você tem toda certeza de que é a gostosona do pedaço, não é?

_Tenho - não consegui me conter e vi Trisha sorrindo, pelo canto dos olhos, como quem gostara do mal feito -.

_Pois é, queridinha - prosseguiu ele - Acho que temos uma nova candidata a convidada de honra chegando por aqui hoje. E olha que ela é bem gostosinha viu...

Fiquei em silêncio e enrijeci o maxilar subitamente. Trisha continuou sorrindo, bem como Bennnet, do lado de fora do nosso cubículo, mas eu não estava nem um pouco feliz com aquilo. Por algum motivo inquietante, eu sentia que aquela convidada de honra era quem eu esperava. Não fazia sentido, não parecia razoável, mas alguma coisa dentro de mim dizia que sim.

A contagem terminou e todas foram em direção ao refeitório, logo em seguida. Nenhum sinal de nenhuma nova detenta, por enquanto. Passados alguns minutos de uma ansiedade filha da mãe, avistei de longe duas mulheres vestidas com os trajes laranjas característicos das novatas que entravam no presídio. Mas nenhum um sinal dela.

Minha cabeça foi se esfriando aos poucos, eu estava errada, afinal, não é? Aquilo era só um desejo oculto insano de que fosse verdade e que, ao mesmo tempo, dizia que não. Foi então que saí de perto de todas as pessoas para ir em direção à sala do Sr. Healy para perguntar, inocentemente, quem eram as novatas por ali e se eu devia ou não me aproximar delas.

Passei pelos dois primeiros corredores e quando virei o terceiro meu coração quase saiu pela boca ao vê-la de costas. Eu não tinha o mínimo de dúvidas de que aquela era Piper. Só eu a conhecia de qualquer ângulo daquela forma e saberia distinguí-la dentre cem loiras tingidas, mesmo que fossem todas tão lind... enfim.

Segui seus passos, que acompanhavam o da mulher que ficava na segurança da secretaria, e, de fininho, fiquei do lado de fora da sala em que ela entrava para pegar seus novos trajes de detenta. Espiando de longe, percebi ela virar seu rosto e pude confirmar visualmente que eu não estava, de fato, errada.

Piper estava a metros de distância de mim, tão odiosamente linda ou até mais do que quando a vi pela última vez, e eu parecia uma criança idiota à espreita, esperando que ela não me notasse, mas não querendo ir embora.

A moça entregou-lhe seus sapatos e uma trouxa do seu uniforme laranja, as duas trocaram algumas palavras que eu não pude decifrar e de repente, Piper estava se virando de costas para ela para começar a tirar sua roupa para a vistoria. Fechei meus olhos num impulso inexplicável. Eu tinha certeza de que não queria ver aquilo de novo. Era simplesmente demais para um dia só. Nicky havia me beijado, após simplesmente me ignorar por vários dias, na tentativa de me explicar concretamente que meu bilhete de "Venha à capela comigo na quarta" era ridículo e que nós duas éramos simplesmente erradas uma para a outra. Agora Piper, de repente, aparecia ali para importunar meu bem estar psicológico e estava prestes a se despir diante os meus olhos.

Não. Não dava. Era coisa demais.

Corri para o meu dormitório, deitei-me e meus olhos se fecharam automaticamente. Nenhuma lágrima sairia. Nada sairia, eu dizia a mim mesma.

Sem saber o que sentir, subi para o banheiro para passar a noite lá, mais uma vez, escondida. Ali eu podia ficar em silêncio comigo mesma. E eu decidiria como me comportar diante o resto dos meus dias ao lado dela...depois de dez anos.