Mesmo afastado do militarismo americano, eles não se esqueceram de mim. Mais uma noite cinzenta se passa e o cheiro de vinho se espalha pelo carpete, os olhos de Callie me observam com um olhar de reprovação:

–Que é?

Pergunto com um tom de raiva. Ela olha pra garrafa de vinho que um dia já esteve cheia e sai da sala. Ela não entende porque de uns anos pra cá comecei a beber freneticamente. Meu pai sempre dizia: um homem só bebe por dois motivos, esquecer uma mulher ou criar coragem pra falar com ela. Quem diria que era assim tão difícil de esquecer a Kate.

Callie vem em minha direção com uma carta e uma grande xícara de café - mesmo sabendo que eu não bebo tanto café assim-. A carta tem o símbolo dos Estados Unidos. Ela me dá um sorriso torto e diz:

–Toma tudo, e isso é uma ordem senhor.

Ela encosta o dedo no meu nariz ao dizer isso, eu sorrio pra ela e espero ela sair para olhar com desprezo para o café. Pego meu cigarro com uma mão e abro a carta com a outra:

“Caro Sr.Sniper, Venho por meio de este informar que seus serviços foram muito valiosos para a nação americana. Muitas vidas americanas foram poupadas graças ao seu alistamento. Nossos campos de treinamento estão com carência de homens experientes como o senhor, homens para treinar nossos novos soldados que poderão combater novas possíveis ameaças. Esperamos uma resposta breve. Os EUA precisam de você.”

O governo mais uma vez tentando acabar com a minha vida, se passou muito tempo mais ainda os culpo pela morte de Kate e de meu primogênito que nunca irei conhecer. Uma carta escrita à mão quase implorando para eu voltar, mexendo com meu sentimento americano.

Eles querem que eu esqueça, eu vi coisas que não queria ter visto, vi amigos mortos no chão frio da Alemanha, vi a neve ficar vermelha como sangue, mas vi mães me agradecendo por salvar a vida de seus filhos e outras me implorando para matar suas crianças para que os nazistas não os pegassem. Eu vi os dois lados da mesma moeda, a dor e a alegria estampadas no mesmo rosto.

Infelizmente começo a considerar a possibilidade de voltar, acho que pode ser o álcool me induzindo, mas quando penso no exército esqueço de todo o sofrimento e me lembro dos olhos das pessoas me agradecendo por salvar suas vidas.

Tiro o telefone do gancho, disco um numero que não sei ao certo se é do governo, digo meu nome e imediatamente sou transferido para o Coronel responsável pelo campo de treinamento. Quando atende digo uma única palavra:

–Sim.

Mal coloquei o telefone de volta ao gancho e já ouço os passos apressados de Callie. Antes que possa fazer algo ela vem até mim e pressiona seu dedo em minha testa como sinal de reprovação:

– O que você pensa que acabou de fazer?! Você perdeu a cabeça ou será que essa sua bebedeira excessiva finalmente a tirou para você?

– Droga Callie! O que eu faço é problema meu!

– Não, não é. Não desde que eu e Rose estamos aqui. Estamos aqui exatamente para te ajudar nos seus problemas!- Ela pressiona minha testa mais forte até começar a arder, então a solta e se afasta, mas não o suficiente para desviar seus olhos ardentes e preocupados. –Mike... Esse lugar só te causou problemas. Já te conheço a tempo suficiente para saber o que você perdeu, o que esse lugar te lembra e do que você precisa. Beber pelo resto da vida e trazer lembranças desagradáveis não vai te ajudar Mike!

– Você pensa desse jeito, mas se eu não estivesse me alistado você e Rose estariam mortas e Kate ainda poderia estar viva! Você não entende nada!

A expressão de Callie muda de raiva e preocupação para dor. No mesmo instante desejei não ter dito aquilo. Tentando me redimir me levantei e tentei segurar sua mão, mas ela se desviou e se dirigiu para o quarto. Antes de sair do cômodo se virou levemente para mim, mas mesmo assim consegui ver seus olhos mais brilhantes que o normal:

– Saiba Mike, que só estou fazendo isso porque me preocupo com você... Entendo perfeitamente a dor que você sente mesmo que nesses últimos dezesseis anos eu tenha tentado ser o mais positiva possível. Não quero ver você se machucar mais... Só estou tentando ajudar você a ver que não esse é o melhor jeito. Mas você tem razão, eu tento, mas não te entendo.

Callie sai do quarto antes que eu possa dizer algo mais, me deixando sozinho com suas pesadas palavras na mente e um compromisso com o pesadelo de minha vida.