Enquanto O Ditador Não Vem

Depoimentos de uma Judia


Berlim, 16 de Abril de 2008.

Não tínhamos mais aquela energia de quando éramos jovens, claro, eu tinha 84 anos e ele 88 e uma leucemia no currículo, porém, nosso dia começou com uma caminhada à beira do lago.

– Sabe? Eu sonhei muito com esse dia querida.

– Eu também meu amor.

– Eu queria estar melhor de saúde. Pra poder aproveitar mais.

– Stephan, isso aqui já está perfeito. Se ficar mais perfeito, estraga.

– Tem razão.

Depois da caminhada ao ar livre, fomos almoçar. Eu estava velha, mas eu ainda sabia cozinhar... Tive sorte que mamãe me ensinou a fazer tudo quando eu era pequena.

– Você cozinha muito bem! Essa lasanha está uma delícia.

– Obrigada. Ainda bem que gostou.

Depois do almoço, fomos assistir E o Vento Levou. Nosso filme preferido. Não fazia idéia de como eu e Stephan éramos parecidos... Fomos dormir.

– Sabe de uma coisa... Comecei. Adoraria que você fosse comigo até a Polônia. Seria bom sairmos um pouco.

– Faz anos que não vou pra lá.

– Amanhã irei até a escola que Sophie trabalha pra contar aos alunos como era viver num país dominado pelo Nazismo. Podemos ir depois de amanhã.

– Que ótimo! Será bom para as crianças. Eu vou pra Polônia com você.

– Obrigada. Boa noite meu menino.

– Boa noite minha menina.

Aquele homem me fazia sentir como uma menina. Voltei a ter 17 anos de idade. Ele era tão especial, único... Perfeito. Essa é a palavra. Perfeito. E continuava galante e bonito, mesmo com a idade e sua doença.

No dia seguinte, Sophie me levou até a escola em que dava aula para eu trocar experiências com seus alunos.

– Bom dia turma! Disse animada.

– Bom Dia professora!

– Bom... Eu trouxe para lhes falar um pouco de como era o Nazismo uma sobrevivente do holocausto... Essa aqui é uma grande amiga que eu conheci em Liverpool, Aniela Kowalkowski.

– Bom dia crianças. Falei com um sorriso no rosto.

– Bom dia senhora!

– Sente-se aqui Aniela. Falou uma menina puxando uma cadeira pra eu sentar.

– Obrigada. Como é seu nome?

– Rachel.

– Obrigada Rachel. Bom, fiquei sabendo que vocês estão aprendendo sobre a época mais terrível da história mundial?

– Sim. Disse outra garota. A senhora viveu naquela época?

– Oh! Sim... Eu tinha mais ou menos a idade de vocês quando o exercito alemão invadiu meu país. A Polônia. Eu sou judia. Eles nos mandaram primeiramente para um bairro afastado, todos os judeus. Cabiam 2 mil pessoas no local. Tinha mais de 20 mil. Era terrível. Logo depois nos mandaram para os campos. Eu vi muita gente morrer, de todas as maneiras possíveis. Os soldados faziam uma fila de judeus e iam atirando em suas cabeças, em qualquer um. Vi também eles sendo queimados vivos. Eu cavei muitos buracos para enterrar meu povo crianças. Eu só tinha 15 anos.

Percebia os olhares atentos das crianças. Elas estavam com medo.

– Em 1945 finalmente a Guerra acabou. Os alemães foram presos e Hitler... Bom... Acho que ele se matou. Depois disso, fui embora pra Liverpool. Sabem qual o numero aproximado de Judeus que morreram no holocausto?

– Não. Responderam.

– 6. 6 milhões de judeus.

– Nossa senhora! Exclamou um garoto no fundo.

– Meu povo sofreu muito com isso.

– Nós imaginamos. Disse Sophie.

– Alguma pergunta a Aniela pessoal? O depoimento dela vai servir como base para a prova.

Logo, várias mãos se levantaram e eu respondi a todas as perguntas com paciência. Depois, a aula acabou.

– Muito obrigada Aniela. Eu nunca os vi tão interessados desse jeito. Obrigada mesmo.

– Imagina. Eles têm que saber a verdade. Eu sei que aqui os alemães escondem muitas coisas. Não deviam. Só mais uma coisa. Amanhã seu avô e eu partiremos pra Varsóvia.

– Que ótimo! Será bom o vovô respirar outros ares. Você está fazendo muito bem a ele.

– E ele a mim.

– Façam boa viajem.

– Obrigada. Espero que seus alunos vão bem na prova.

– Eles vão sim. Seu depoimento ajudou bastante eles compreenderem o lado dos Judeus da guerra. Mais uma vez, obrigada.

– Não precisa agradecer querida. Obrigada por me trazer pra cá.