Não discuto com o destino o'que pintar eu assino. –Paulo Leminski

Ele Andava distraído, arrebatado na da musica que tocava as alturas no fone. Envolto em enigmáticos pensamentos ele divagava na letra enquanto lembranças bombardeavam sua mente obscura e seus lábios deliberadamente balbuciavam debilmente murmúrios quase que inaudíveis. No seu rosto as sombras formavam imagens tênues e singelas, um incomum pequeno milagre assim. A única coisa que ainda o prendia a realidade eram seus passos que ecoavam em seus ouvidos o entorpeciam mais ainda, agora já era como se não tivesse mais peso, a gravidade não o prende mais.

‘’Das coisas que gosto

Você é a que eu menos gosto

De gostar

Não existe um jeito certo de abraçar

Mas se existisse esse jeito

Seria igual ao seu

(exatamente igual o seu)

Nunca foi amor

(não?)

Era uma parada bem mais legal,

Muito mais legal.’’

E bem... Ele se sentia vazio andando naquela cidade tão grande, tão cheia de humanos que vivos só tinham o corpo, e pela expressão de alguns talvez o processo de imbecilização já estivesse avançado.

Ben andou mais alguns quarteirões cercado por prédios cinza colorizados por sua mente translúcida tornando tudo tão mais aceitável e vago, de repente era como se o tempo passasse de forma pitoresca e engraçada, enquanto ele divagava... Conseguira finalmente organizar seus sentimentos, ou talvez não, sabe é? São bem complicadas essas questões assim...

Chegou finalmente à porta de seu confortável, porém cubiculado apartamento e adentrou passando direto para a pela cozinha-sala deixando de forma taciturna a mochila preta equipada com buttons e patchs de uma longa lista de bandas que variavam do indie rock ao doom metal, sobre o balcão; saindo, da sala-cozinha entrou no quarto ainda meio aturdido pela voracidade de seu ultimo ócio produtivo e de forma cíclica e linear observou seus livros e todos os títulos expostos em capa dos modelos mais variados, pegou sua surrada jaqueta de couro punk que estava pousada na cama, vestiu-a animando-se um pouco com a ideia de uma saída, passou a mão nos rebeldes cabelos pretos e saiu para a noite.

Seu coturno preto ecoava a cada passo dado na rua semi-deserta ele nem sabia aonde iria à verdade ainda estava perdido em si mesmo entrou em um happy hour, que estranhamente estava meio pra baixo para uma sexta-feira foi até o balcão e pediu um uísque sem pensar muito enquanto bebericava e saboreava o líquido ardente, veio até ele um sujeito de aparência cordial, que começou uma conversa no meio do local que àquela hora estava começando a encher, sabe as pessoas saem do trabalho e vão encher a cara ‘’se livrar’’ do estresse da semana, ao que pensa Ben eles só querem uma desculpa para deveras ultrajar o patrão, e sim Ben sequer prestou atenção às palavras proferidas pelo sujeito, ele apenas acenou em concordância, foi uma conversa rápida.

Parecia só mais uma sexta-feira, como outra qualquer, a proposito o bar começou a encher de jovens e não tão jovens e até adolescentes, não faltava nada, hormônios e álcool unidos a uma oportunidade de extravasar a energia e animação acumuladas seria como ele descreveria o comportamento alheio. Entre tanto algo naquele lugar era lúgubre e distante os outros pareciam não notar era como se ele não fosse feito para aquele lugar. Não, não era bem isso, era mais uma falta, falta de algo, alguém na verdade, mas quem?

Saindo do ambiente, meio barulhento demais para quem busca um pouco de paz, na verdade aquele barulho externo só estancava os gritos da mente nublada de Ben. Ele saiu aturdido do local com a visão meio turva não alterada pelo álcool, mas sim pela obscuridade em que a rua se encontrava era quase perfeita demais, andando vago notou como a lua estava deslumbrante e de súbito ouviu um som forte alto e opaco e sem mais, parte da cidade estava no escuro revelando um céu pontilhado de estrelas, para um boquiaberto jovem, que aprendeu a andar descalço no asfalto.

Divagou mais um pouco até um bosque com grama e árvores centenárias a perder de vista num banco estava uma garota que lia entorpecida SALEM ao pé de uma das poucas luzes ainda acesas por um gerador de segurança e mal notou sua aproximação.

–Está uma noite linda, não está? Praticamente murmurou Ben á garota que tinha um rosto familiar, aqueles olhos azuis, e uma sensação deque já os tinha visto...

Ela sorriu tenuemente, tendo uma leve certeza que já vira aquele rapaz esguio e de cabelos rebeldes antes. saindo do transe que o livro lhe impusera disse, ainda pensando ‘’conheço você tenho certeza. Certeza?: -Está sim, olha esse céu, a muito não o vejo tão carregado de estrelas.

Os dois após uma longa conversa decidiram olhar as estrelas deitados na grama ainda com a sensação de déjà vu ainda nublando os pensamentos. Ben escarafunchou sua memória e a garota, que agora se recordara, ele quase pulou, sentiu o coração palpitar e as mãos suarem, Felícia, ela era Felícia, brincaram incontáveis vezes quando crianças, mas quando ambos fizeram onze anos ela se mudou, para um lugar distante e por esse descaso do acaso perderam contato.

Mal sabendo como agir, ele sentou-se ao lado d’ela e lembrou-se de perguntar seu nome e certeiramente era ela, Ben mal pode se conter nem mesmo ela. A garotinha adquirira curvas, mas os grandes olhos expressivos e azuis eram os mesmos que as tatuagens tentavam obscurecer.

Ele por outro lado sempre teves traços finos, efeminados, os olhos cinza-tempestade que eram doces e tristes escondiam muito de si, ou então não tanto quanto se pensa, talvez apenas a aparência era fechada, mas uma coisa era certa ele é taciturno e soturno, as vezes mórbido, cínico e sarcástico. Levantaram-se, Ben sentia o sangue bombear nos ouvidos e mundo ao redor dos dois parecia girar a toda em volta deles, mas ao mesmo tempo, o tempo passava em câmera lenta enquanto sorrisos e olhares eram trocados. Nem conseguiam falar. Borboletas na barriga os impediam.

As luzes reacenderam, deixando tudo menos mágico, ele pediu o número de Felícia que o deu de bom grado, ele retribui-o com o seu número e um beijo na testa, como sempre faziam isso a deixou extasiada, pois ele ainda se lembrava disso, ele sempre a tratou como, não além de uma irmã.

Se despediram, Ela o chamou para ir a um festival que teria uma participação do Legião Urbana, que começaria no dia seguinte exatamente as 18:00h.

Felícia remexeu na bolsa à procura das chaves do carro, tocou em algo, não era... Decidiu então olhar e viu o objeto metálico e plástico no fundo, com uma expressão mais suave, o leve desespero que crescia dentro d’ela acalma-se enfim. Entrou no Fiat 500 e relaxou ligou o som, começou a tocar ‘’Carrossel em Câmera Lenta’’. Deu partida na ignição e zarpou. Ela sempre quis alguém para dizer algo parecido com o que estava contido naquela letra... Mas ela tinha certo azar no amor, que era quase tangível.

Ben não voltou direto pra casa precisava de um tempo pra lentamente desmoronar então foi a um café enfrente ao seu prédio e pediu um cappuccino e saiu e se dispôs a ir para casa, ele também tinha uma mesa a organizar. Aquilo era extasiante, entre tanto ao mesmo tempo, o preocupava, tinha aquele receio de como as coisas iam ser, aquele medo do desconhecido tão natural e tão previsível. Ben sempre teve histórias de amor envolventes e intensas mas o incrível era como mesmo tendo muitas pessoas envolvidas ele acabava só.

Algo unia e separava aqueles dois, era algo que os tornava diferentemente iguais, alguma coisa que vai além, muito além do que nossos olhos podem ver, vai além de qualquer coisa tangível, é algo, além disso.

‘’Fique comigo

Como se você não tivesse outra escolha

Tire esse gosto da sua e da minha boca

Assopre pra longe a nossa antiga bolha, colha

E depois jogue pra fora aquela folha

Dance comigo sobre os fracassos que um dia eu vou cometer

Você sabe que eu desabo a cada vez que eu te faço chorar

Eu sei que você nunca quis me machucar

Mas querida,

Dentro de nós jovens adultos vão querer nos sufocar

Cante sozinho no meio da multidão

Se apegue aos anos que nunca mais voltarão

Você precisa de tempo para lentamente desmoronar

Uma mesa para organizar e uma relação para monopolizar.’’