“Ainda não sei o porquê, mas é muito difícil conversar com você, olhando para seus olhos azuis.”

A única coisa que eu sentia no exato momento, era o cansaço. Isso fez com que eu me arrependesse muito mais por não ter acordado mais cedo para ajudar Jack, já que sei que o outro deve ter sentindo muito essa sensação quando eu estava dormindo.
Nós já havíamos desmontado a minha cama, e a da minha mãe, sendo essas as únicas coisas que faltavam para serem desmontadas.
Agora eu me encontrava em meu quarto, apenas pegando as coisas pequenas e as colocando em uma caixa. Quando finalmente termino, encaro o cômodo, no momento vazio. Suspiro antes de trancar a porta, e ir em direção à escada, com a caixa segura em minhas mãos. Desço os degraus olhando para meus pés, desviando a atenção, assim que chego ao último. Logo o vejo de relance.
—Pensei que você não fosse do tipo que negligencia no trabalho.- comento sorrindo de lado, encarando o moreno sentado com as costas na parede, logo o vendo virar seu olhar para mim.
—E eu não sou.- responde, depois de dar um risinho.
—Como não? Eu que deveria estar sentado!- digo, fingindo surpresa.
—É só vir até aqui, e se abaixar, até sentir seu bumbum em contato com o chão. Depois disso, você encosta as suas costas na parede.- responde, sarcástico. Dou risada, escutando o outro fazer o mesmo, o que me faz rir mais ainda, e o motivo, é a sua gargalhada contagiante.
—Tudo bem.- falo por fim, indo até o moreno.
Jogo a caixa um pouco longe e me abaixo, sabendo que o outro está me olhando. Sento no chão, ao seu lado direito, e encosto minhas costa na parede, virando meu rosto para o garoto logo depois.
—Fiz certo?- pergunto sorrindo.
—H-hurum. Mas vê se capricha mais da próxima vez.- responde, com um tom de comando.
—Pode deixar.- digo depois de soltar um risinho.
Logo desvio o olhar de seus olhos azuis, pensando mais uma vez em como eles são chamativos em meio àquela pele clara, que é um pouco bronzeada.
Suas características são bem comuns. Cabelos castanhos escuro, que na verdade, não possui um penteado definitivo; sua pele é alva, com uns poucos sinais no rosto, ele é magro, alto, tem músculos e parece ser bem mais jovem do que realmente é, a não ser em alguns momentos, onde o mesmo fala como se já tivesse vivido muito. A única coisa que eu achei diferente e interessante, foram seus olhos e seu sorriso, que parece que nunca sairá dali.
Logo me vejo pensando que reparei demais em suas características, ou é coincidência? De qualquer forma, acho mais fácil escolher a segunda opção.
Encosto minha cabeça na parede e por um segundo, suspiro, enquanto fecho meus olhos, já podendo sentir o alívio de finalmente estar sentado. Depois, olho ao redor e reparo na sala vazia, no qual não tinha feito antes.
—Você levou o sofá sozinho?- perguntei virando minha atenção para ele, e sentindo a falta do móvel no cômodo onde estávamos.
—Sim.- respondeu vagamente.
—Por que não me esperou?- questionei, com o cenho franzido.
—Porque não precisava, e porque, você estava demorando demais no seu quarto.- respondeu.
—Óbvio que precisava! O sofá é imenso!- digo, me exaltando um pouco.
—Isso é verdade, mas foi moleza. Pelo menos, para mim.- levantou as sobrancelhas, sugestivo.
—Você está querendo dizer o que?- perguntei.
—Estou querendo dizer que eu consigo sozinho, só não sei você.- respondeu, sorrindo irônico.
—Pode ficar sabendo que eu consigo sim levar um sofá para um caminhão.- confirmei, apesar de não saber se é verdade.
—Tudo bem. Eu confio em você.- disse, mas ainda estava irônico.
O garoto sorriu, me fazendo pensar que era realmente verdade, pelo menos a parte em que ele confia em mim, pois nós dois sabemos que eu não seria capaz.
Retribuo o sorriso e desvio meu olhar, encostando a cabeça na parede mais uma vez e não podendo evitar pensar o quanto o sorriso do moreno é bonito, e que qualquer um acharia o mesmo.
E assim ficamos, sem falar nada por demorados segundos e minutos. Para mim e para ele, parece não ser um incômodo ficar desse jeito. Ao contrário; estamos aproveitando cada momento no qual ficamos sentados, e finalmente, recuperando a energia, talvez para a viagem cansativa que iremos fazer.
Não quero olhar para o relógio, mas sei que já está na hora de partir para a casa nova.
—Olha... faltou essa daqui.- digo, sorrindo irônico e esticando a perna para chutar a caixa que eu trouxe lá de cima.
Ele sorri para mim, depois revira os olhos. Levanta, parecendo bem mais descansado, e se abaixa para pegar a caixa.
—Ah, claro! Como eu pude me esquecer dessa caixa?- diz sarcástico.
—Também não sei.- respondo, antes de levantar.
Ele vai em direção à porta e sai da casa, indo colocar a última caixa no caminhão. Olho ao redor do cômodo, para confirmar se falta algo, e se realmente aquela é a última caixa. Logo vejo que não falta mais nada.
Suspiro, antes de caminhar até a saída, sentindo um aperto em meu coração, dizendo que essa é a hora de dizer adeus. Embora eu já tenha dito adeus para várias outras casas, nessa é muito mais difícil, e posso ver isso antes mesmo de chegar até a porta.
Já me encontro na saída e viro minha cabeça para trás, olhando a casa que agora está vazia, e lembro da primeira vez em que estive ali. Recordo que a minha primeira impressão não foi muito boa, e que eu odiei o lugar novo.
Porém, hoje é irônico o foto de que eu estou aqui, sem consegui sair; sem consegui dizer adeus.
Dou um sorriso fraco, antes de ouvir a sua voz.
—Ei, está pronto?- pergunta, com um tom calmo.
—H-hurum.- respondo, dando uma última olhada na casa, e fechando a porta.
Dou de ombros, vendo Jack indo em direção ao caminhão. Ele para do lado da porta do passageiro e olha para mim, antes de dar um sorriso um tanto irônico.
—Madame.- diz, estendendo a mão e abrindo a porta, dando a entender que é para que eu entre.
Rodo os olhos, e vou em sua direção.
—Cala a boca, seu idiota.- digo empurrando seu ombro, e subindo no degrau do caminhão, logo adentrando o automóvel.
Escuto sua risada e a porta sendo fechada com um barulho alto.
Desde já, examino a parte de dentro, vendo como é espaçoso e confortável. O banco é macio, numa coloração verde musgo, e é bem grande. Tem rádio, e um chaveiro no retrovisor.
Após perceber esses detalhes e olhar para outras coisas, desvio a atenção para o espaço ao meu lado no banco, vendo uma caixa de papelão que até então, eu não sabia que estava ali. Espio o que tem dentro, vendo uma folha com a minha foto. A pego logo depois. Na mesma hora, percebo ser aquilo os meus dados pessoais, e que provavelmente são para a mudança. Ou talvez para outra coisa.
—Essas folhas eram para te ajudar na mudança?- pergunto, sabendo que Jack já está no banco do motorista.
—Sim.- responde.
—E para quê precisa de uma foto?- digo, me sentindo realmente confuso.
—Também me perguntei isso no começo, e então cheguei a conclusão de que é para quê eu não erre de pessoa, e possa reconhecer a verdadeira.- explicou.
—Oh! Inteligente.- comento, levantando as sobrancelhas.- Mas ei! Você nem conferiu se eu era a pessoa certa! E se não fosse eu?
—Mesmo por foto, você não é alguém fácil de se esquecer. Então, quando eu cheguei em sua casa e você estava lá no pé da escada coçando o olho, já sabia que era a pessoa certa.- falou simples, dando um sorriso logo depois.
Oh... Aquela primeira frase foi um elogio? Seu sorriso inocente me diz que talvez não. E aposto que realmente não é, pois eu não sorriria dessa forma, se fosse elogiar um... cara? Não que eu já tenha elogiado um cara ou pretendo elogiar um cara. Hm, não sei. Esse é um assunto passou a ser muito confuso, e Jack parece não me ajudar em nada e só piorar a situação.
Fechei os olhos e balancei a cabeça de leve, antes de limpar a garganta e olhar novamente para o moreno ao meu lado.
—Ata, entendi.- respondi finalmente.
Ele sorri e dá um aceno de cabeça rápido.
Ficamos alguns segundos sem falar nada, só escutando nossas respirações, até que o moreno quebra o silêncio.
—Faltou algo para colocar no caminhão?- pergunta.
—Faltou não.- respondo.
—Então podemos ir?- diz, já fechando a porta do seu lado do banco.
—Podemos.- falo, colocando o cinto de segurança, e escutando o outro fazer o mesmo.
Jack dá a partida no caminhão, e espio pela última vez o que agora é só uma lembrança... Uma lembrança boa, e a mais duradoura. Porém, logo me obrigo a fazer jus ao nome lembrança, deixando para trás o que nesse momento é passado, exatamente como eu fazia em toda mudança.
Viro minha atenção para o papel novamente, dando uma lida rápida na página onde está minha foto e depois vou para as páginas seguintes. Após passar pelos dados pessoas da minha mãe, já me encontro nos de Astrid.
No mesmo momento, lembro que Jack passou em sua casa primeiro.
—Como foi lá na casa de Astrid?- pergunto, olhando para o moreno.
—Foi bom. Ela é bem legal.- falou, sem desviar o olhar do caminho à frente.
—Sério?- perguntei com o cenho franzido.
Astrid não costuma ser legal com pessoas que ela acaba de conhecer. Pelo menos, eu nunca a vi ser.
—Sério. Na verdade, ela é um pouco esquentadinha, mas é legal.- respondeu, me olhando de relance.
—Isso é verdade. Ela consegue ser muito grossa, quando quer, aliás, mesmo sem querer, ela é.- falei.
—Comigo, ela não foi grossa.- respondeu, arqueando as sobrancelhas.
—Duvido.- digo, dando um sorriso logo depois, indicando que eu estou brincando. Jack ri por alguns segundos.
—Acredite no que quiser.- fala, levantando os ombros e abaixando, entrando na brincadeira.
Logo o silêncio se faz presente.
Encaro as ruas ainda conhecidas, soltando um suspiro cansado. Está no começo da viagem e eu já quero sair do caminhão. Não demora para as imagens que a janela me mostra se tornarem tediosas, então, volto minha atenção para dentro do automóvel.
É inevitável, então me pego mais uma vez observando os detalhes que há no espaço, notando um GPS que não tinha visto antes. No mesmo, há um caminho que dá até Noruega Berger, e nós ainda estamos no começo dele. Olho para Jack, que tem sua atenção voltada para a estrada e me sinto tentado a parar de observar os detalhes do caminhão e observar os seus.
Sem mais demora e cedendo àquela tentação, me viro um pouco de lado, para encarar o moreno.
Percebo sua respiração branda e que quase não faz barulho, percebo que uma de suas mãos está pousada em sua perna direita, e a outra está no volante, percebo seus olhos piscando e seu peito subindo e descendo lentamente, e mais que tudo, percebo que ele morde em alguns momentos seu lábio inferior, e que deve ser por isso que a pele sensível da região está vermelhinha.
Jack parece sentir que está sendo observado e me olha de canto, logo dando um pequeno sorriso. Isso me faz sair do tipo de transe em que eu me encontrava e revirar os olhos, frustrado pela minha capacidade de ser tão discreto em algumas ocasiões.
—Ela é a sua namorada?- pergunta, fazendo com que eu o encare.
—O que?- o questiono confuso.
—Ela é a sua namorada?- diz novamente e então me olha por alguns segundos, dando um sorriso de lado.
—Ela quem?- pergunto, ainda confuso.
—A Astrid.- responde, virando a cabeça para frente, e olhando de novo para a estrada.
Eu não evito soltar uma gargalhada, que sei que durou por volta de um minuto, rindo mais da expressão que Jack fez ao me escutar.
—Não. Ela não é a minha namorada.- respondo, ainda dando risinhos e acalmando minha respiração.
—Hm. É que eu pensei que por causa do seu ciúme mais cedo sobre ela ter sido legal comigo, que sou uma pessoa que a garota nem conhece direto, vocês tivessem uma relação a mais do que amizade.- falou, sorrindo irônico.
—Quem disse que eu estava com ciúmes dela?- perguntei, achando aquela afirmação ridícula.
—Bom, estava na cara que aquilo era ciúmes, e sei que não era de mim. Então quem sobra?- responde, olhando de relance para mim.
—Eu não estava com ciúmes dela.- falo com convicção, rodando os olho logo depois.
—Tudo bem. Eu confio em você.- afirma, depois dá um risinho debochado.
—Continuo preferindo os velhos idiotas.- digo, segurando o sorriso e olhando para frente.
—Prefere nada!- responde.

Abri os olhos lentamente, sentindo a luz não tão fraca do sol em meu rosto. Logo, torno a fechá-los e coloco minha mão por cima, impedindo que a luz continue a ferir minhas pupilas. Me acostumo aos poucos com o clarão, podendo finalmente distanciar o tipo de proteção que criei.
—Hey... Finalmente acordou.- escuto sua voz baixa e viro minha cabeça, olhando para o dono.
—Jack? Ainda não chegamos?- pergunto, sentindo o vento frio vindo pela janela, o que me faz me encolher assim que o mesmo passa por minha pele.
—Estamos próximos.- responde, sem olhar para mim.
—Quando é que eu dormi?- digo, sem me lembrar de ter pegado no sono.
—Bom, nós estávamos conversando sobre o emprego de sua mãe e de como você se sente frustrado por ter que mudar muitas vezes, quando sua voz começou a ficar baixa, até que você se encostou ao banco e bom, dormiu.- falou, sorrindo de lado.
—Ahn... Entendi.- disse, desviando meu olhar do seu.
Desviei minha atenção para o lado, vendo as ruas desconhecidas e sabendo que, pelo visto, já estamos em Berger.
Visualizo o pôr do sol ao longe, e dou um sorriso involuntário, lembrando de Astrid. Ela ama observar o pôr do sol, mesmo que tente negar.
Me remexo no lugar, para poder ver melhor o local para onde estou mudando, e é inevitável sentir o meu corpo dolorido em alguns pontos. Aposto que é por causa da viagem, ou por causa da posição que fiquei ao dormir.
—Quantas horas são?- pergunto, olhando para Jack.
—Não sei, mas acho que deve ser mais ou menos umas seis e meia.- responde, mas não olha para mim.
—A gente já está chegando?- falo depois de um tempo, com um ar sôfrego, que sei que se assemelhou à uma criança.
—Calma criancinha, já estamos perto de sua casa.- sorri, me olhando de relance.
—Engraçadinho.- digo, irônico.
Ele dá uma risadinha, mas não responde nada. Estava para virar minha cabeça para frente, quando o caminhão para.
—Chegamos.- diz e tira o cinto de segurança.
Olho ao redor, averiguando a rua e as casas, enquanto tiro o cinto. Escuto Jack abrindo a porta para sair do veículo e no mesmo momento, faço o mesmo.
As casas são bem grandes, todas de dois andares, ou mais.
Contorno o caminhão, andando até a frente da casa nova. Jack está parado olhando fixamente para a moradia, com um olhar de admiração.
—É... A sua casa nova é linda.- fala, e se vira para mim.
—É.- respondo, olhando para a casa.
Depois de mais um tempo observando, o moreno vira para mim novamente.
—Vamos começar?- pergunta, depois anda até a casa.
Vejo, mas não o sigo. Ele volta e vai em direção à traseira do caminhão. Segundos depois, Jack apercebe com uma caixa nos braços.
—Vai ficar só olhando?- pergunta, arqueando as sobrancelhas.
E então começamos a mudança.
Não demoramos muito para transferir os móveis e as caixas para dentro da casa, que aliás, era muito mais bonita por dentro e bem maior que a da Alemanha. Jack me ajudou até a colocar os móveis no lugar, sobrando somente as caixas para serem abertas. Agora nós nos encontrávamos no andar de cima, montando as camas nos quartos.
—Pronto.- diz, antes de sentar ao meu lado na cama.
Ele limpa o suor acumulado na testa, depois me olha com um sorriso. Desvio o olhar, deitando as costas no colchão, sentindo um imenso alívio.
—Pronto.- repito.
Fecho os olhos, soltando um suspiro longo e me sentindo mais cansado do que eu estava na minha última casa.
—Ahn... posso?- escuto, e abro os olhos vendo Jack, que me observa.
—O que? Deitar na cama?- respondo, o vendo assentir.- É claro.
O outro o faz, e fecho meus olhos de novo, soltando mais um suspiro. Nós ficamos daquela forma por alguns segundos, não achando necessidade de falar alguma coisa. Mas o outro ao lado quebra o silêncio que se instalou.
—Eu tenho que ir.- diz e se senta.
—Já?- pergunto, também assumindo a posição de sentado.
—É. Eu preciso entregar as coisas da sua namorada, ops... Da sua amiga.- responde com um sorriso de lado. Rodo os olhos.
—Ela não é a minha namorada.- respondo sorrindo.
—Claro.- diz e se levanta. O acompanho.
—Eu te levo até a porta.- digo, indo até a saída do meu novo quarto e andando pelo curto corretor.
Desço as escadas, me direcionando até a porta e logo a abro. Dou espaço para Jack passar, e assim ele o faz, se virando para mim quando já está fora.
—Bom, isso daqui é um adeus?- pergunto, temendo pela resposta.
—O que? É claro que não!- exclama sorrindo.
—Como você pode ter tanta certeza?- pergunto, cruzando os braços.
—Eu sei que nos veremos de novo.- fala, dessa vez mais baixo, olhando em meus olhos e seu sorriso ainda está em seu rosto.
—Ótimo.- digo num sussurro, por fim, parando de encarar suas pupilas azuis.
O sinto se aproximar, e então olho novamente para seu rosto. Jack me envolve num abraço, que demora um pouco para que eu retribua. Depois que nos separamos, vejo o sorriso gentil do moreno.
—Até mais, Jack.- digo sorrindo.
—Até mais, Hiccop.- responde, pronunciando meu nome errado, o que eu acho que é de propósito e logo dá meia volta, caminhando até seu caminhão, me olhando antes de entrar no automóvel.