“Talvez, além do céu e de meus momentos sozinho, você se torne a minha mais nova inspiração e uma das formas de eu me encontrar, quando estiver perdido”

—Já vou subir.- anunciei, deixando os talheres no prato branco.
—Sério? Finalmente!- a loira exclamou sorridente, quase que um milésimo de segundo depois que eu falei.
—Cala a sua boca, Sophia!- vociferei, entre dentes.
—Já sei: calem a boca os dois!- minha mãe falou, com um olhar sério em seu rosto.
Bufei, visivelmente com raiva.
Sophia me irrita mais que tudo nessa vida. Gostava mais quando ela era menor, já que a garota era perfeita quando não falava, e apenas se preocupava com suas bonecas. Óbvio que amo Sophia, e que ela é legal, mas ultimamente, parece que a mesma só vive para me encher e encher a família.
—Eu já vou subir.- falei mais uma vez, depois de um tempo em silêncio.
A garota não comentou nada, mas sabia que estava se segurando para não o fazer.
Minha mãe franziu as sobrancelhas, colocando mais de sua comida na boca.
—Tão cedo?- pergunta com a boca cheia.
—É, eu preciso fazer meus deveres de casa. E também estou um pouco cansado.- a respondi.
—Por que? Você não faz nada; literalmente.- Sophia falou irônica e com a voz exageradamente fina.
Abri a boca, pronto para gritar com a loira, mas minha mãe me interrompeu.
—Sophia, dá um tempo!- disse alto.
Evitei uma gargalhada, mas não pude me conter em sorrir largo e satisfeito para a mais nova. Sophia rodou os olhos, e mostrou o dedo do meio, quando minha mãe virou para mim e a atitude da mulher me fez desfazer meu sorriso, sabendo que se ela o ver, irá brigar comigo também. A mulher não gosta que fiquemos tirando sarro um com o outro.
—Então vai lá.- falou e sorriu.
—Como eu não vou descer mais, boa noite.- dei um beijo na bochecha da mulher.
Fiz o mesmo com o meu pai, que até agora, não havia falado nada durante o nosso jantar. Talvez esteja passando por algum problema no trabalho; não sei. Quando cheguei em Sophia, apenas dei um tapa em sua cabeça, rindo ao escutar o seu resmungo. Como vingança, ela colocou o pé para eu cair.
—Parem vocês dois!- minha mãe gritou, levantando de supetão de sua cadeira.
—Boa noite, família!- gritei, saindo dali o mais rápido que eu conseguia. Se eu não o fizesse, mamãe bateria em mim e em Sophia; se é que não já o está fazendo.
Andei rapidamente pela escada, e cheguei à segunda porta à esquerda: meu quarto. Acabei por me encostar levemente à parede, ao que minha mão saía da maçaneta, me encarregando de encostar a porta, e suspirei.
Eu realmente estava cansado nesta tarde. Havia ido até a casa de um amigo fazer o trabalho de física, e até aí parecia ser moleza. Acontece que este trabalho é uma experiência sobre o conteúdo dado em sala, e até que conseguíssemos fazer dar certo, demorou mais que uma simples hora.
Olhei para o coelho branco em cima da cama, e não pude deixar de sorrir, mesmo que pequeno. Ainda era o mesmo coelho, o que me lembra Jack, e principalmente a noite em que ele apareceu em meu quarto. Sentia falta dele; mesmo olhando para o céu, e para a lua, eu não sentia mais a sua presença. E agora, não lembro mais de outro momento em que o grisalho fez tanta falta em minha vida.
Pego o antigo brinquedo em minhas mãos, e o aperto em meu peito.
—Onde você está Jack?- sussurrei, e em minha cabeça, eu espero mesmo que o grisalho me responda; porém, como desde a última vez em que eu o vi e nós nunca mais nos falamos, ele não responde mais ao meu chamado.
Suspiro, deixando o coelho branco em minha cama novamente, e caminho até a minha mochila, em cima da cadeira. Pego o caderno preto, e o estojo, que está quase vazio.
Vasculho por entre as folhas e matérias, se há algum dever de casa para amanhã. Só de matemática, o que me faz bufar, rodando os olhos.
Matemática não é uma matéria na qual eu sou tão bom. Na verdade, eu a acho insuportável.
Pego meu lápis, e começo a fazer o exercício. As contas são simples no começo, mas começam a me confundir depois de alguns minutos. Sei que não adianta inventar respostas, e sei que nem sou capaz de fazer o mesmo, então, respondo somente as que eu consigo.
Minha mente está cansada, e os números já começam a sair das folhas me deixando mais confuso do que de costume. Mesmo com a dificuldade, acabo o dever, soltando um suspiro assim que termino de escrever o resultado final.
Geralmente eu optaria, para depois de uma tarde como esta, me expressar nos papéis amarelados de minha agenda. Mas eu simplesmente não encontro inspiração para tal ato, o que me deixa realmente frustrado; não gosto de quando eu não escrevo.
Deixo a caneta e a agenda na mesa, e levanto da cadeira, indo até minha janela. Abro o vidro, recebendo o vento frio; costumeiro da Noruega. Sento ao parapeito, deixando uma de minhas pernas no ar.
E é isso o que eu faço. Essa é a minha coisa favorita para se fazer, logo depois de escrever... Observar.
Sorrio para o céu, que parece sorrir para mim também, e reparo o pôr do sol se formando ao longe. Hoje, a sua cor, é um alaranjado com alguns detalhes em roxo escuro.
É ali que eu me encontro, e fico tranquilo. Olhar para o céu será um hábito que eu nunca irei perder.
A rua está pouco movimentada, o que me leva a pensar que é por causa do frio que se instala, e... Não sei porque, mas sempre gostei do frio; talvez seja por causa de Jack, ou porque me lembra o natal. Motivos não faltam.
—Oi seu idiota de mão cheia.- escuto a sua voz atrás de mim, e não contenho o sorriso se formando em meu rosto.
Mesmo com as brigas, no final do expediente, a loira sempre estará ali em meu quart e essa é a parte mais legal do meu dia.
Dou de ombros, vendo a menina encostada ao batente, ao que lança um sorriso em minha direção. Chamo-a com a cabeça, e logo a mesma entra em meu quarto, fechando a porta branca.
—Oi sua chata do caramba.- digo, vendo Sophia se aproximar de mim.
Ela roda os olhos, e eu a abraço fortemente, dando um beijo no topo de sua cabeça. Afago as mechas de seu cabelo, sentindo a garota suspirar em meu peito.
—Você passou dos limites hoje, huh?- comentei irônico.
—Você também.- respondeu, sua voz saindo embargada, por causa do contato com minha pele por baixo da blusa.
—Eu? Mas eu não fiz nada!- falei, soltando uma risada.
—Ta.- se rendeu, e se afastou de mim.- Eu sei, e me desculpa por isso.
—Tudo bem. Está perdoada.- digo, a olhando de cima.
Ela sorri mais largo para mim, que retribuo passando a mãos por seu braço branco.
Nós continuamos próximos, apenas na mesma posição e depois de alguns segundos, a garota transmite um semblante triste, o que me deixa realmente confuso.
—Ei, o que foi?- sussurro, a puxando para mais perto de mim.
—Sinto sua falta na escola.- responde, olhando para outro ponto que não seja meus olhos.
Sorrio pequeno, enquanto faço um carinho em sua bochecha.
—Eu também sinto a sua. Me desculpe, eu não queria ter brigado com aquele garoto.- falei, assumindo uma pose mais séria, e culpada.
—Eu te falei que não precisava, certo? Eu sei me cuidar.- respondeu, sorrindo confortador.
—Eu sei, mas... Você ainda sim é a minha irmãzinha. Sinto que eu preciso te proteger.- falei, desviando o olhar por alguns segundos.
—Awn.- sorriu, e beijou minha bochecha.
Sorri para ela também, e a loira me deu um abraço, antes de falar:
—Eu já vou para o meu quarto... Só queria te ver antes de dormir.- disse, já se distanciando.
—Até parece que você vai dormir mesmo, mas boa noite.- respondi irônico.
—Cale a boca, seu idiota de mão cheia.- rebateu, dando um tapa em minha cabeça.
—Tchau Sophi.- sorri largo, vendo a loira fechar a porta branca e sair do quarto.
Virei para fora novamente, na mesma posição que eu estava antes. E foi nesse exato momento que o seu carro cinza apareceu em frente à casa ao lado.
Finalmente alguém irá morar ali, já que faz tempo que a casa está à venda.
A garota saiu primeiro do carro, e um homem e uma mulher logo depois.
A que saiu do carro antes dos outros dois é... linda. Seu cabelo tem a mesma tonalidade de Sophia, só que é mais bonito. Por causa da distância, não consigo enxergar seus olhos, mas tenho certeza que os mesmos são lindos.
Eles olham surpresos e até mesmo maravilhados para a casa, ao que parecem conversar. Não acho que tenham culpa; a casa vizinha é simplesmente perfeita.
O homem e a mulher digerem a palavra à garota loira, e eu não consigo escutar; ainda.
—Meu Deus! Muito obrigado.- a menina grita, e dá um grande abraço no homem e na mulher.
Os que receberam o afeto, também abraçam forte a outra e depois, vão em direção à casa. A garota linda fica para trás, ainda olhando para a casa com um sorriso no rosto. Seu olhar vai para o ambiente ao redor, e depois de um tempo, cai sobre mim. Sorri pequeno assim que aconteceu.
Senti um nervosismo leve, e me achei particularmente ridículo de imediato. Ela me olhava, ao que parecia me analisar ao mesmo tempo. Também a encarei, gostando de seu olhar intenso. Meu Deus... A garota é realmente muito linda, e se não fosse sua expressão que parecia um pouco irritada, seria mais linda ainda.
Levantou suas sobrancelhas, antes de realizar a pergunta.
—Perdeu alguma coisa?- disse, e elevou um pouco a sua cabeça.
—Eu não.- respondi, e sorri mais largo.
—Então não vejo motivo para ficar me olhando.- falou e desviou seu olhar, indo para a porta da casa.
Arqueei as sobrancelhas.
Interessante...
Sem nem perceber, saí do parapeito da janela, indo até a mesa. Peguei a caneta, e comecei a escrever na agenda.
“Ta, talvez seja idiota estar escrevendo tal coisa, tendo em vista que acabou de acontecer. Tendo em vista que acabei de te ver. Mas, talvez, só talvez, além do céu e de meus momentos sozinho, você se torne a minha mais nova inspiração, e uma das formas de eu me encontrar, quando estiver perdido.”
Escrevi mais algumas folhas, e apesar de parecer que estava ali apenas por pouco minutos, vi que o pôr do sol já havia acontecido no céu quando copiei a última palavra na folha amarelada.
Sentei ao parapeito novamente, ao que não demorou muito para um caminhão chegar e encostar no outro lado da rua, em frente a casa.
Um garoto saiu de lá, e franzi a testa, ao perceber que ele me parecia familiar; bastante familiar. Principalmente seus olhos.
Meus pensamentos foram cortados assim que ele saiu um pouco de meu campo de visão.
Encaro as costas do moreno, ao que ele conversa com a garota loira por algum momento, até que são interrompidos pelo homem dentro da casa
—Astrid, vamos começar? Está ficando tarde.- então este é o seu nome?
Então, logo eles começam a clara transferência. Não demoraram todavia, favorecidos por causa da quantidade de pessoas.
Eu até pensei em os ajudar, porém, percebi ser desnecessário minha presença, uma vez que eles eram muito rápidos.
Depois de um tempo, os mesmos aparecem à porta novamente, mesmo que já tenham terminado. O homem e a mulher saem da casa.
—Amamos você!- cantam juntos, olhando para Astrid e entram no carro, ao que a cena me faz sorrir minimamente.
Logo o garoto familiar também sai da casa, e anda até o caminhão. Astrid observa os dois automóveis se preparando para sair da rua, e está prestes a entrar na casa, quando eu a interrompo.
—Que fofo os seus pais.- digo e ela logo desvia a atenção para cima, ao que revira os olhos antes de me responder.
—Quem você pensa que é para ficar me vigiando? Um segurança?- perguntou gritando um pouco e colocando as mãos na cintura.
—Ah! Sou só alguém olhando pela janela.- respondi sorrindo.
—Err... Pois pode parar, tudo bem? Senão... eu vou ligar para a polícia!- respondeu.
Dei gargalhada por causa de sua ameaça visivelmente ridícula. Ela não faria isso...
—Tudo bem. Mas quem te disse que eu estou vigiando você?- perguntei debochado.
—E você não estava?- rebateu, cerrando seus olhos.
—Talvez. Ou, talvez eu só esteja sentado em minha janela.- respondi ainda debochado.- Acho que você se achou demais agora, não?
E eu realmente pensava isso, mesmo que esteja curtindo nossa conversinha, porque, eu não estava necessariamente a observando.
A vi apertar as mãos em punhos, suspirando forte. Abaixou a cabeça, ao que a levantou quase que no mesmo segundo. Então ela eleva sua mão e me mostra o dedo do meio com certa determinação, logo caminhando até a porta com passos pesados, o que me faz rir.
—Bem vinda à cidade Astrid.- grito divertido, escutando sua porta sendo fechada fortemente.