“Talvez esteja óbvio; mas é difícil acreditar.”

—Jamie? Pensei que seu nome fosse Josh.- a loira começou, com o tom visivelmente sarcástico.
Rodei os olhos e abri a boca, pronto para responder, mas me interromperam.
—Jamie? Pensei que seu nome fosse Jeremias.- José disse, ao que tinha o mesmo tom que Astrid usou, e pude perceber os olhares cúmplices de todos ali sendo trocados num incrível espaço curto de tempo. Então, me escorei no lugar que estava sentado, já sabendo o que o restante do grupo iria fazer.
—Jamie? Pensei que seu nome fosse Jacob.- a ruiva continuou, depois de José. Sua sugestão foi bem apreciada pelos outros ao redor, que deram risadas curtas.
—Jamie? Pensei que seu nome fosse John.- Hiccup não demorou muito para continuar com aquilo, me encarando com os olhos debochados.
—Jamie? Pensei que seu nome fosse Josué.- a garota menor e um tanto tímida falou, e a vi colocar as mãos na boca, para que seu riso não ecoasse.
Olhei para o de olhos azuis, que aliás, era bastante familiar, e esperei ele falar que nem os outros, porque era óbvio que tinha que vir um comentário da parte dele também. Porém, o mesmo me olhava de uma forma estranha, ao que ao mesmo tempo parecia que viu um fantasma.
Arqueei as sobrancelhas, limpando a garganta quando me senti incomodado com seu olhar ardendo em meu rosto. Então, felizmente escutei a voz de Hiccup.
—Não vai falar nada Jack?- perguntou, ao que todos pareciam intrigados sobre aquilo.
—Ahn... Não.- ele respondeu, ainda me olhando.–Você é novo aqui?- coçou a nuca, desviando totalmente o assunto.
—Na escola, sim.- disse e logo estava entrelaçando meus dedos, os apoiando à mesa.
O garoto olhou para o lado depois de minha fala, ao que parecia bastante inquieto.
Após aquilo ficamos em silêncio por alguns segundos, pelo menos até Jack olhar para mim novamente.
—A gente não fez o trote com você?- perguntou, sorrindo de lado, parecendo querer sair do assunto passado e não reclamei.
Olhou para a garota ruiva, arqueando as sobrancelhas.
—Você não lembra? A gente fingiu que ia roubar ele.- respondeu depois de um tempo.
—Ah! É mesmo, foi no meu primeiro dia de aula.- tive que pensar um pouco ao da chegar àquela conclusão e memória.
—É... Com você foi mais engraçado do que com Hiccup.- José comentou rindo.
—Não. Na verdade foi sem graça.- respondi sério.
Hiccup concordou comigo, e olhou para Jack satisfeito. O garoto de olhos azuis apenas riu debochado para o ruivo, o que levou o mesmo a rodar os olhos e desviar sua atenção de Jack.
O sinal, indicando o final do intervalo, não demorou mais para tocar de uma forma um tanto ensurdecedora. Levantamos da mesa, e começamos a andar em direção à porta.
Logo me via indo para o lado de Astrid, vendo a loira rodar os olhos quando me encarou.
—Não revire os olhos para mim. Até parece que você não me quer do seu lado.- disse, me abaixando um pouco para ficar da altura de seu ouvido.
—Cale a boca, seu idiota.- respondeu irritada, ao que me empurrou um pouco para longe, mas depois vi seu sorriso de lado.
—Té mais, irritadinha. - a respondi com humor e fui em direção à minha sala.
Hiccup se despediu dos outros também, e logo estava do meu lado. Caminhamos para a porta aberta, assim como todos os que são da nossa sala.
Aula de biologia... Ninguém merece.

Entrei pela porta, sentindo imediatamente o ar frio vindo do aparelho grudado à parede.
O silêncio do lugar era tanto, que até me incomodava demasiadamente. E quando passei pela mulher que cuida dali, ela fez questão de me olhar de cima a baixo assim que me percebeu, porém continuou anotando em suas folhas brancas.
O professor de Sociologia faltou e, ao contrário dos outros, não aguentei ficar naquela sala olhando o nada ou o teto. Até tentei chamar o ruivo, mas ele falou que iria ficar lá para ver se conseguia dormir um pouco. Não que seja alguma novidade...
No local não havia muitas pessoas, e as que estavam ali, só se encontravam debruçadas nos livros, ou olhando as prateleiras.
Fecho a porta de vidro e não demoro para caminhar até o final da biblioteca quase vazia.
Penso imediatamente no que quero fazer ali. Se opto por fazer os deveres de casa, ou estudar as matérias que não entendi direito, ou procurar por um bom livro para ler, ou pegar a minha agenda e escrever sobre algo, ou apenas sentar e observar a mulher e os outros alunos.
Sem pensar muito sobre o assunto, escolho ler algum livro, já que não estou com cabeça para escrever ou para fazer meus deveres de casa e muito menos estudar.
Ando até a última prateleira, passando os olhos pelos livros que ali estão. Pego um com uma capa vermelha, e volto até a mesa vazia que havia sentado antes.
Encosto à cadeira, deixando de lado a minha mochila, não demorando muito para abrir na primeira página.
Me concentro na literatura, mas infelizmente, depois de um tempo em que estava naquilo, algo me interrompe.
Olho para o lado, vendo o seu rosto próximo ao meu, e seus lábios que se mexem. Seus olhos estão focados e concentrados no livro em minhas mãos, e as suas, estão pousadas na mesa. Ele sussurra as palavras que contém nas páginas.
Quando o moreno percebe que eu o percebi, se vira para mim e sorri.
—Não sabia que gostava de ler.- diz, se sentando na cadeira da frente.
—É como ia fazer isso? Você só me conheceu hoje.- lhe respondo, abaixando o livro e deixando um dedo na página que estou lendo.
Ele sorri mais uma vez, só que mostrando os dentes, e não evito pensar que esse é outro ponto que esse garoto me parece familiar: seu sorriso.
Me observa antes de responder; parece estar gravando cada pedaço de mim.
—Tem razão.- fala e sorri de lado logo depois.
Esse tal de Jack...
É estranho a sensação de conhecê-lo, mas ao mesmo tempo, pensar e saber que nunca o vi na vida. Quer dizer... O único Jack que eu já conheci, é o Jack Frost, e ele não é humano. E não. Talvez esse em minha frente só seja bastante familiar, porque eu realmente não o conheço.
Franzo o cenho, antes de pegar o livro e levantá-lo na altura do rosto, me concentrando totalmente na leitura novamente.
Sete segundos e meio é o tempo que dura. Ele abaixa o objeto em minhas mãos, e sorri irônico.
—Oi.- diz.
—Oi.- respondo, num tom tedioso.
—Como você está nesta manhã?- pergunta arqueando as sobrancelhas.
—Bem, e você?- respondo, rodando os olhos.
Quê que ele quer?!
—Estou bem, obrigado.- responde sorrindo largo.
—Você não tem aula?- meus olhos estão sugestivos, ao que é realmente isso o que quero passar.
Ele levanta os ombros, fazendo pouco caso de minha pergunta.
—E quanto a você? Não estuda não?- fala, visivelmente debochado.
O imito, levantando os ombros e abaixando no mesmo segundo, antes de responder.
—Horário vago.
—O mesmo para mim.
—E por que não ficou estudando na sala? Ou, por que não procurou outra pessoa para encher?- as palavras saem sem que eu pense.
Arregalo os olhos, pronto para pedir desculpas, mas o moreno à minha frente não pareceu ficar ofendido ou magoado. Ao contrário... ele riu. E essa risada...
—Ouch! E por que você não está fazendo o mesmo?!- pergunta, ainda soltando alguns risinhos.
—É...
—E eu prefiro estar enchendo você.- me interrompe, me lançando um olhar debochado.
—Mas eu estou a fim de ler. Então você pode, por favor, me deixar sozinho?- pergunto, tentando soar educado.
—Náh! Faz isso depois.- responde.
Rodo os olhos bufando pesadamente.
Que irritante! Será que é assim que Astrid me vê? Porque ela tem completa razão... Eu devo ser insuportável mesmo!
O moreno me observa por alguns segundos, antes de cortar o silêncio.
—Você ainda não perdeu essa mania de rodar os olhos?- pergunta.
Jack parece perceber o que acabou de dizer, ao que arregala um pouco os olhos e começa a ficar tenso.
Do quê ele está falando?
—Quer dizer... Hiccup me falou um pouco sobre você.- disse, mas sua fala não me convenceu muito.
—Mas eu acabei de conhecê-lo. Como assim ele sabe tanto sobre mim?- perguntei, cerrando os olhos.
—Sei lá.- se fez de indiferente.
—Para de mentir para mim.- rebato, sabendo realmente que ele o estava fazendo.
—Chaga Jay! Eu já fal...
Jay? Só quem me chama de Jay, é Jack! O Jack Frost, não esse Jack!
E como se fosse um quebra cabeça, tudo começou a se encaixar aos poucos. E o sorriso começou a ficar mais familiar, e os olhos, mais familiares, e até a voz, o que eu me recusei em acreditar, também estava muito mais familiar. E eu sabia.
Porém... Não. Ele não tem o mesmo cabelo. E é humano. Todo mundo pode vê-lo.
—Você não mudou nada.- ele disse, depois do longo tempo em que fizemos silêncio.
Sua voz estava acolhedora e carinhosa. É a mesma voz de... Eu me recuso!
—Por que age como se me conhecesse?! Você não me conhece!- exclamei, já sem paciência.
—Quem disse que não, Jay?
—Cala a boca! Não me chama assim! Você não me conhece.- digo, levantando da cadeira.
Antes que ele pudesse responder, fui em direção à prateleira, deixando o livro que peguei em seu devido lugar, e andei até às portas de vidro da biblioteca.
—Não vai levar o livro?- a mulher atrás do balcão me perguntou.
—Não, muito obrigado.- respondo e não posso evitar olhar para trás, antes de passar pela saída.

O vento finalmente me levou até à sua janela, ao que não demorei para pousar no parapeito com os meus pés descalços.
Logo sorri ao vê-lo.
—Boa noite, estranho.- desejei, entrando definitivamente no cômodo.
Então seus olhos vieram sobre mim, ao que ele parecia surpreso.
—Jack? O que está fazendo aqui?- perguntou, voltando a atenção para a sua ocupação no momento.
—Te visitando, já que desde a sua súbita descoberta na existência de garotas, você nunca mais me chamou.- respondi deitando em sua cama e olhando para o teto, enquanto via alguns flocos de neve no ar.
Não era uma reclamação, mas acho que era muito prematuro aquela sua atitude. Ele tem doze anos, mas sei lá... É apavorante a ideia de estar o perdendo para coisas novas.
—Dramático.- respondeu num sussurro.
—Eu posso te escutar, sabia?- disse, ao que continuei a encarar os flocos em cima de minha cabeça, sorrindo minimamente com o voo lento dos mesmos.
—Jura?- ironizou.
—Jamie? Está falando com quem?- não desviei a atenção para a porta, mas sabia que era a voz fina de Sophia.
—Com Jack Frost, agora sai do meu quarto!- respondeu de prontidão.
—Seu bobão!- Sophia gritou e bateu a porta do quarto.
Soltei uma risada com a atitude da menina, o que fez Jamie ficar com certa raiva.
—Cala a boca, Frost.- disse irritado, assim que minha risada cessou.
Ficamos em silêncio; não incômodo. Porém, confesso que não aguentava mais aquela calmaria toda.
—Ei, você não estuda?- perguntei, para ver se conseguia me distrair.
—E o que é que eu estou fazendo?- perguntou irônico.
—Você está desenhando uma nuvem e um sol. À propósito, o sol não sorri.- respondi, me virando de lado para olhá-lo, e observar seu desenho.
—Justamente, eu estou fazendo o trabalho de artes. E à propósito, o sol é meu, eu o desenho como eu quiser.- respondeu, rodando os olhos.
Se voltou para o seu desenho, me deixando no tédio novamente.
—Olha só, Jay... Se você já está esquecendo de mim quando criança, imagine só quando for adulto.- falei num ar sugestivo, me sentando em sua cama e pegando meu cajado que estava do meu lado.
Jamie parou de desenhar, e me observou por alguns segundos demorados. Rodou os olhos, antes de se virar de frente novamente e continuar a pintar a casa, que aliás, estava bastante feia.
—Eu não vou esquecer de você, Jack Frost. Nem agora, nem nunca.