EATHAN

Mason me obrigou a ficar de repouso por pelo menos mais uma hora. Depois que lhe contei sobre a Mary ter possuído o Ralf, Mason me deixou sozinho no quarto. Ele parecia ter ficado sem chão. Era compreensivo. Ele sempre adorou a Mary e agora descobrir que ela não era como ele pensou era horrível.

Quando Mason voltou para o quarto, Alice veio junto. Os dois sentaram na cama comigo, à minha frente. Aly estava ótima como sempre. Seu belo rosto não tinha nenhum tipo de machucado, uma visão bem melhor do que a ultima que eu tive antes de apagar. Mas ela tinha um olhar tenso, quase temeroso.

– Já contei para ela o básico. - anunciou Mason.

– O básico? O que exatamente é o básico? - quis saber confuso.

– Você é anjo, eu sou anjo, a Mary era anjo, virou caído e agora morreu, Rael era o guardião do Ralf, que fora possuído pela Mary... - ele deu de ombros. - Coisas simples. - pude ver que ele se esforçava para parecer bem, mas que estava sofrendo por causa da Mary.

– Então o que mais você quer que eu conte?

– Quero que conte o que aconteceu lá.

– Ralf apareceu possuído e bateu na Aly. Eu e ele brigamos, e quando consegui deixa-lo inconsciente Rael apareceu. Ele me imobilizou, Ralf pegou a Aly e enfiou um punhal no pescoço dela. - contei resumidamente dando de ombros também.

– Certo, a Aly já havia me contado isso. - disse Mason. - E depois, o que houve?

– Me livrei do Rael. Peguei a adaga dele e cortei-lhe o rosto. Depois fui para cima do Ralf. Cravei-lhe a adaga e invadi-lhe a mente. Vi a Mary. - fiz uma pausa. O rosto do Mason se contorceu em uma careta triste. - Aí fui acudir a Aly.

– O que você fez? - perguntou ela com a voz baixa e uma expressão fleumática.

– Te salvei. - disse-lhe de modo simples. - Te trouxe de volta.

– Com trouxe de volta quer dizer... - Mason se interrompeu. - Ela já estava morta? - ele parecia chocado.

– Não exatamente... Digamos que ela já estava indo.

– Como assim? - quis saber Alice tensa.

– Existe um meio termo. Uma zona neutra entre estar vivo e estar morto. - expliquei. - É como uma passagem daqui para o outro lado.

– Você puxou ela de volta? - Mason estava perplexo. Assenti com um aceno de cabeça. - Isso quer dizer que você deu uma parte de si para ela, não é? Sabe que quando isso acontece cria-se uma ligação entre os dois, não sabe?
Isso é lenda. - contrapus.

– Sabe por que é lenda? Porque é quase impossível fazer isso! - Mason se animou. - Você fez algo raríssimo, Eathan!

– Isso não importa. O importante é que a Aly está bem. - olhei para ela, que devolveu o olhar.

– Ah, fala sério. Isso te redimi pelo que aconteceu com o Harry.

– Não fiz isso para me redimir, fiz para salva-la. - pontifiquei. - Agora deixa isso para lá e diz o que aconteceu depois. Como eu vim parar aqui?

– Quando você trouxe a Alice de volta foi como se tivesse feito um boom gigante de energia. Como se uma bomba nuclear de poder tivesse explodido. - contou ele. - Dava para sentir no ar que algo grande tinha acontecido. Então mesmo sem saber do que se tratava segui o rastro de energia até a casa da Alice. Quando cheguei lá encontrei você dois desacordados e o Ralf morto, e muito grande. Peguei vocês e os trouxe para cá. A Alice me contou o que ocorrera até o Ralf enfiar o tal punhal nela. Mas não achei que tivesse sido algo tão grande.

– Deixou o corpo do Ralf lá?

– Sim. Ou eu tirava vocês de lá ou cuidava da zona que você fizeram. Levando em conta a quantidade de energia desprendida achei mais seguro leva-los embora. Com certeza o Gate está te procurando.

– Não posso deixar ele me achar sem antes encontrar o Rael. Vou perder as asas se o Gate o descobrir que fui que matei o Ralf.

– Talvez não. Quer dizer, você só matou ele porque ele estava possuído.

– É, mas eu devia ter arranjado um jeito de livra-lo da possessão sem mata-lo.

– Certo. - concordou Mason pensativo. - Vou preparar tudo para partirmos então.

– Como assim partirmos? Você não vai comigo. Você tem que proteger o Kyle e cuidar da Aly para mim.

– Seja lá o que você pretende fazer, não vai conseguir sozinho. - pontificou Mason. - Kyle não corre perigo. Nunca corre. Na verdade acho um desperdício ele ter um guardião, porque ele está sempre bem. E a Alice...

– Eu vou junto. - disse ela decidida.

– Ótima. - joguei as mãos para o alto. - Querem chamar mais alguém?

– É sério, cara. - disse Mason sério. - Quando eu ter encontrei você estava péssimo. Já reparou na cicatriz no seu pescoço? Você quase morreu lá. Não vou deixar você ir atrás do Rael sozinho.

– Eu não quase morri. E só fiquei fraco depois de salvar a Aly. - mesmo assim, involuntariamente, levei a mão a garganta. De fato senti algo ali como uma cicatriz. Lembrei do Rael pressionar a adaga ali.

– Não importa. - disse ele decidido. - Você não vai sozinho.
Mason levantou-se e saiu do quarto. Não havia como discutir com ele. Se ele quisesse ir, iria de qualquer jeito, independente do que eu dissesse ou fizesse. Olhei para a Aly e a encontrei me observando.

– Desculpe, sei que tudo isso dever ser estranho e confuso...

– Você esteve sempre comigo? - perguntou ela me interrompendo. Tentei captar algo em sua voz, mas ela estava neutra.

– Sempre. - confirmei com um pequeno sorriso. - Desde que você nasceu.

– E por que eu não te via? - quis saber ela.

– Porque eu não deixava. - contei-lhe. - Posso escolher ficar visível ou não a olhos humanos. Às vezes é mais fácil proteger alguém sem que essa pessoa te veja. Às vezes é mais difícil.

– Por que não queria que eu te visse? - senti uma pitada de tristeza em sua voz.

– Porque não queria me envolver pessoalmente com você. Queria um relação profissional, sem apego emocional, sem amizade ou qualquer coisa do tipo. - suspirei. - Não queria correr o risco de cometer o mesmo erro.

– Já se envolveu pessoalmente com uma de suas protegidas? - seu eu não a conhecesse diria que havia um quê de ciúme nessa pergunta.

– Era um garoto. Harry. Eu era um guardião próximo, como nós chamamos. É to tipo de guardião que está visível na maior parte do tempo, que é amigo do seu protegido. - contei-lhe meio soturno. - Harry era um garoto incrível, um ótimo amigo. Mas um dia falhei com a proteção dele por ser seu amigo. Ele me pediu um favor de amigo. Eu fui fazer o favor e não pude protege-lo.

– O que houve com ele? - perguntou ela em um sussurro.

– Harry morreu atropelado enfrente ao prédio onde morava. - senti uma pontada de tristeza, latente.

– Sinto muito. - disse ela esticando a mão e tocando meu braço gentilmente.

– Sofro com isso até hoje e me culpo muito. E as vezes até me odeio. Porque em centos momentos penso que aquele foi o melhor erro da minha vida. - fitei-a nos olhos. Pus minha mão sobre a dela no meu braço. - Se eu não tivesse sido tão relapso, se o Harry não tivesse morrido, eu nunca teria te conhecido. - fiz uma pausa absorvendo a intensidade que emanava do seu olhar. - Acha que eu sou muito ruim por pensar algo assim?

– Não sei. - sussurrou. - Mas se você for, eu também sou, porque pensei a mesma coisa.

Seus olhos azuis estavam com um tom cintilante que eu nunca havia visto, me engolindo pouco a pouco. Sua mão sob a minha era pequena e macia. Com minha mão livre coloquei uma mecha do seu cabelo castanho claro atrás da orelha. Segurei seu queixo, acariciando lentamente sua bochecha. Depois deixei minha boca ir de encontro a dela.

Seus lábios eram mornos e delicados, encaixando-se suavemente nos meus. Todos os pensamentos e sentimentos sumiram. Tenho certeza de que o tempo parou. Só havia nós dois no mundo todo. Nada com que se preocupar, nada a temer. Só a perfeição daquele momento. Uma de suas mãos estava apoiada no meu peito.

Não havia pressa, nem voracidade. Era um beijo lento, terno e perene, como se nunca pudesse ser interrompido. Eu me sentia completo. havia encontrado o que eu nem procurava, algo que eu nem sabia que precisava. Mas agora que encontrara não deixaria escapar mais.

Quando por fim separamos nosso lábios permanecemos no mesmo lugar, sem nos afastar. Encostei minha testa na dela e fechei os olhos, ainda estarrecido.

– Isso é certo? - perguntou ela baixinho.

– Não. Mas cansei de fazer só o que é certo. - e então a beijei de novo.

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ALICE

Mason me arranjara um casaco velho do Kyle que ele achara em algum lugar da cabana, e agora eu o estava vestindo. Mason também arranjara um carro (sabe-se lá onde), mas especificamente uma picape. Na verdade era um carro muito chamativo para quem não queria chamar atenção.

Enquanto Mason estava ajeitando alguma coisa no carro, eu estava na varanda atrás da cabana. Sentei no chão abraçando as pernas e apoiando o queixo os joelhos. Alguns flocos de neve caíam preguiçosamente. Ouvi alguns passos atrás de mim. Logo depois Eathan sentou ao meu lado. Ao que parece anjo da guarda não sente frio, porque ele não estava de casaco. Usava uma calça jeans preta, botas também pretas e uma camisa simples branca.

– Ainda acho que você não devia vir com a gente. - comentou ele mexendo em uma mecha do meu cabelo. - É muito perigoso. Você devia ir para casa da Tessa ou da Rose e da Sarah, tanto faz.

– Nada de ruim vai me acontecer. - disse-lhe calmamente. - Afinal vou estar com meu anjo da guarda. - sorri.

– Tem razão. Vou protege-la, sempre. - ele deu um pequeno sorriso. - Como você está? Quer dizer, com relação a tudo isso. - perguntou ele meio receoso.

– Não é a coisa mais normal do mundo. na verdade é tudo muito... estranho, confuso e difícil de entender. - confessei. - Mas estou tentando não pensar muito no assunto.

– É, acho que é uma boa técnica. - concordou. Ficamos em silêncio por um tempo, contemplando a neve cair em maior quantidade.

– Você pode morrer? - perguntei-lhe virando-me um pouco para olha-lo.

– Sim. - respondeu ele pensativo. - Posso só cair, posso ir para o inferno e posso morrer.

– Tem medo disso?

– De morrer? Não. Uma vez me disseram:"não tenha medo da morte, pois nela encontramos a vida". - disse ele com tranquilidade. - Gosto de pensar na morte como algo bom para aqueles que não a temem.

– Então por que me salvou? Por que não me deixou morrer?

– Porque sem você eu não sou nada. - disse ele fitando-me nos olhos com intensidade. - Porque perder minhas asas seria menos doloroso do que te perder.

– Não sei se valho tudo isso. - comentei timidamente.

– Não, não vale. - ele segurou meu rosto e depositou um beijo rápido em cada bochecha. - Você vale muito mais.

Senti um sorriso despontar em meus lábios. Eathan sorriu também. Depois selou nossos lábios.