Em Chamas

Capítulo 9 - Sentimento de vidro


Era loucura, insanidade. Mas era minha única opção.

Numa quarta-feira, finalmente me dei conta do que precisava fazer. Talvez Samanta nunca mais me perdoasse pelo o que eu iria fazer, porém, para conseguir falar à sos com ela, eu só conseguia pensar nesta única solução: segui-la até em casa.

Por que só de pensar eu já sentia calafrios?!

Mas mesmo assim, naquele dia após a aula, lá estava eu, como um predador sorrateiro atrás de sua presa. O mais difícil não era seguir em silêncio e à distância a garota, e sim controlar minha vontade de agarrá-la e resolver tudo de uma vez. Quando eu menos esperava, Samanta para, me obrigando a me esconder às pressas atrás de um carro. A vi pegar um objeto metálico de sua bolsa - sua chave - e abrir um portão cinza à sua frente. Então, era ali que Samanta morava...

Esperei quase cinco minutos ali escondido antes de me dirigir para a frente da casa dela. Se alguém disser que a expressão “coração saindo pela boca” não passa de uma metáfora, naquele momento, quando me levantei e avancei naquele curto caminho, a matáfora era tão real que quase levei a mão à boca – não podia deixar meu coração escapar assim.

Parei e encarei a casa. Um suor frio tomava conta da minha pele.

A construção à minha frente era simples e pequena. Portão cinza, paredes pintadas num tom de verde-azulado. Poucos metros de distância separavam eu e Samanta agora. Toquei a campanhia. O som estridente quase me fez voltar atrás. Na minha cabeça nada daquilo parecia real ainda.

Foi então que ela apareceu na minha frente. Parando na porta de entrada, a garota me encarou perplexa e confusa. Samanta não disse nada; eu não disse nada. Um cheiro maravilhoso de comida sendo preparada chegou até mim e alcançou meu estômago. Se eu pudesse me alimentar somente daquele cheiro, era isso que eu faria.

Samanta já não estava mais com o uniforme do colégio. Uma saia curta vermelha e uma blusa preta de alcinha embelezavam ainda mais aquele corpo dela. Por um minuto, eu não quis dizer nada, não ousei me mexer. Só queria contemplá-la pelo máximo de tempo conseguisse.

A mágica não demorou a ser quebrada.

–O que você quer? – a voz de Samanta saiu áspera, dura. O meu sonho se partiu com aquelas palavras.

–Preciso falar com você.

Eu já tinha ensaiado aquelas palavras, a tonalidade com a qual pronunciá-las. Não podia me deixar vencer agora.

Samanta suspirou e caminhou até o portão. A chave girou na fechadura sem ela me olhar uma fez sequer.

–Entre – ela disse, afastando o portão agora aberto.

Aquilo aconteceu mais rápido do que previ. Porém, sem dizer nada, entrei na casa dela.

Em silêncio, esperei que Samanta trancasse o portão e em seguida a segui para dentro de casa.

Uma sala pequena e aconchegante nos recepcionou. A garota disse para eu deixar minhas coisas ali e me conduziu até a cozinha.

–Você já almoçou? – ela perguntou, de costas para mim.

–Ainda não. – e era verdade

–Ótimo. Então me ajude aqui que depois conversamos.

Não fui contra, não fiquei só assistindo.

Samanta me indicou o banheiro, onde pude lavar minhas mãos, e depois nós dois tratamos de preparar o almoço. Minha primeira experiência na cozinha. Se eu lhe dissesse isso será que ela ia rir de mim?

–O-onde estão seus pais...? – perguntei, quando o silêncio se tornou incômodo demais.

–Moro sozinha – foi tudo que a garota respondeu.

Não voltei a puxar assunto, apenas deixei que ela me guiasse em meio àquelas panelas e pratos de um aroma tão bom.

Uns quinze minutos depois, estávamos sentados à mesa. Arroz à grega, salada de tomate e alface e estrogonofe de frango. Este foi o nosso almoço.

–Está muito bom! – exclamei na primeira garfada.

Samanta riu do meu estusiasmo e eu lhe devolvi o sorriso. Era a primeira vez que eu sentia aquela sensação cálida e feliz me envolvendo. Parecia que tudo sempre fora assim, sem intrigas, sem vinganças... Um mundo onde somente eu e ela habitávamos.

Fitei aquela garota à minha frente. Nunca senti tanta vontade de abraçá-la como naquele momento.

Depois que nossos pratos ficaram vazios, como um copo de vidro quando quebra, todo aquele mundo fugiu das minhas mãos e eu não consegui fazer nada para recuperá-lo de volta.

Samanta levou os pratos à pia e me estendeu um copo de suco de caixinha. Engoli num gole aquela bebida com sabor de pêssego.

–Então... – ela começou, enconstrando-se na bancada da cozinha. O copo vazio brilhando em suas mãos – Sobre o que quer falar comigo?