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Fogo - Part. 2


Decidiu ficar com o diário que Madeline encontrou no quintal de casa e passou a levá-lo para todos os cantos, tentando decifrar aquele maldito garrancho de letra.

O lápis não desenhava um fogo tão vivo quanto aquele que consumira a casa de Jimmy e os seus pais. A voz irritante da professora de história também não ajudava o garoto, que reproduzia a cena daquela noite mais uma vez.

— Espero que esteja com os ouvidos atentos, senhor Lawrence... Já que está dando para a visão a prioridade de enxergar o que quer que esteja desenhando. — Ela advertiu o garoto. Toda a sala o observava agora.

Ele ergueu a cabeça, tentando escapar daquele sermão.

— Me desculpe, eu só estava fazendo algumas anotações. — Uma mão gorda passou por baixo do seu braço e agarrou o desenho, mostrando-o para a sala toda com uma cara de deboche.

— Está brincando de avatar mais uma vez, Jimmy? Imaginei que o psicólogo já tivesse resolvido esse seu probleminha. — A sala toda riu e a professora tomou o desenho da mão de Gareth, um dos alunos mais chatos da escola na opinião de Jimmy.

A sirene tocou no momento que a mulher abriu a boca para reclamar algo. Jimmy agarrou a sua mochila e colocou-a no ombro, caminhando para fora da sala, evitando os olhares e as piadas que os outros da classe sussurravam em seu ouvido. Pegou o caminho mais rápido até o pátio e, ao chegar lá, encolheu-se em um banco de concreto, perto de um canteiro de rosas.

— Babacas, é isso que eles são. — Sussurrou para si mesmo. Viu alguns alunos do primeiro ano apresentando os seus pais para a turma e um vazio enorme surgiu em seu peito. Alternou os olhos para outra janela, onde outra turma estava tendo outro tipo de aula, mas o buraco de sofrimento ainda parecia sugar toda a sua motivação. Queria seus pais, queria o conforto do abraço de sua mãe e do seu beijo protetor, queria modificar a sua história e voltar no passado, para a noite em que o incidente aconteceu. Ter abraçado o seu pai antes de subir as escadas, isso era uma coisa que ele realmente queria.

Um soco forte atingiu o seu queixo e o jogou contra o chão. A cabeça bateu na ponta do banco em que estava sentado e a visão escureceu. Tentou se levantar, mas foi chutado em todas as tentativas. Gareth e sua turminha batiam nele e os alunos com a apresentação dos pais admirava a cena pela janela, sem fazer nada. Já estava acostumado com isso.

— Parem com isso, seus idiotas! Quem vocês pensam que são? Ahm? — Conseguiu se livras das mãos ásperas dos outros garotos e se levantou, arfando. Notou o rosto avermelhado de Gareth se aproximando dele aos poucos, a mão fechada prestes a acertá-lo mais uma vez, mas nada aconteceu. Na verdade, quando abriu os olhos para encarar os garotos, suas caretas imóveis não pareciam tão assustadoras.

Estavam parados no tempo. Imobilizados como estátuas. Um pássaro flutuava no ar, estático. Gareth mantinha a pose heroica de ataque, porém sem se mexer. Jimmy se movimentava, era o único que podia fazer isso. No começo, riu da situação e chegou a acreditar que nada aconteceria, mas aconteceu.

Um homem estava pegando fogo do seu lado, encarando-o sem gritar, sem pedir por ajuda. Parecia o Homem-Tocha, de algum desses quadrinhos de super-herói. Jimmy abafou um grito de horror e jogou o corpo para o lado, completamente assustado. Então, sem aviso prévio, o homem envolveu o corpo do garoto em um abraço abafado.

Primeiro um calor absurdamente grande tomou conta de sua pele, podia senti-la arder, como se estivesse em brasa. Seu coração bombeava sangue fervente para cada parte do seu corpo. Procurou pelo homem em chamas, mas ele havia desaparecido. Uma voz potente surgiu em sua mente, empurrando Jimmy para um poço de desespero. “Você é o escolhido. Preciso de sua ajuda e não aceito um não como resposta. Mas antes, acredito que precise de uma ajuda com esses garotos.”.

Jimmy não teve tempo de pensar em tudo que havia acontecido. Quando o tempo voltou, a mão de Gareth passou raspando pela sua bochecha, tinha se esquivado tão rápido! Porém isso só havia sido o começo. Mecanicamente, levantou o joelho e atingiu a barriga do valentão com um golpe fantástico.

Chocados, os alunos assistiam a luta pela vidraça, enquanto os professores das respectivas turmas comunicavam aos diretores. Jimmy, mesmo sabendo que isso poderia causar a sua expulsão, não parou de ataca-los. Agora estava cercado por mais dois fortões, driblando seus chutes e efetuando socos potentes em seus famosos rostos. Como estava fazendo tudo aquilo? Na verdade, não era ele quem estava fazendo.

Era muito esquisito, mas sentia-se deslocado, como se aquele corpo não fosse seu. Estava parado, mas os braços faziam outros tipos de ação, não conseguia controla-los. Seu corpo era uma armadura e ele havia se vestido dessa armadura. Enviava comandos para si mesmo, como “Pare agora!”. Esperava que o corpo obedecesse, no lugar disso, enquanto lutava, a mesma voz anterior, que dizia algo sobre uma espécie de ajuda, sussurrou em sua mente mais uma vez: “Tá, já parei.”

Os adolescentes passavam por situações difíceis, mas aquilo era quase que impossível. Seu corpo não lutava mais artes marciais. O tempo parou. Homem em chamas. Incêndio em casa. Psicólogo. Só podia estar delirando, era nisso que Jimmy acreditava.

— Estou ficando maluco. — Ergueu os olhos para o pátio mais uma vez. Gareth e seus amigos estavam recuados, os olhos esbugalhados, assustados. A escola toda estava reunida ali, cercando-os. O rosto gorducho do garoto se encheu de raiva e ele puxou um canivete do bolso.

— Você vai pagar por isso! — Gareth gritou e desceu a lâmina na direção do braço de Jimmy.

Por um momento, Jimmy quis fazer aquelas coisas estranhas mais uma vez, porém havia perdido a habilidade. Apesar de ter se saído muito bem com os próprios esquivas, sentiu uma pontada dolorosa em deu ombro e, segundos depois, uma mancha de sangue marcava a sua camisa da escola. Nesse momento, o diretor chegou, abrindo espaço entre os alunos, correndo na direção dos dois, gritando.

Havia chegado tarde. O sangue que escorria pelo seu ombro incendiou a camisa, depois todo o corpo do garoto estava quente, como da vez anterior. A voz disse em sua mente mais uma vez: “Isso é real.” Sendo controlado pelo que quer que seja novamente, Jimmy ergueu os braços e suas mãos esquentaram bastante, depois, inacreditavelmente, irromperam em chamas. Elas não o queimavam, mas ele gritava bastante, mesmo que o seu rosto, dominado por alguém, estivesse com um aspecto sério e desafiador.

Todos os outros alunos se afastaram, correndo para dentro da escola, enquanto alguns gritavam “Ele tem uma arma!”. Gareth tentou recuar, mas acabou tropeçando e ficou sozinho com o Jimmy possuído. A bola de fogo que se formou em sua mão foi lançada contra o valentão, que agora se contorcia no chão, enquanto seu short se reduzia a pó. O resultado final foi um garoto enorme de cueca verde neon, estatelado no chão da escola.

— Eu não queria fazer isso. — Jimmy disse. Seu coração extremamente acelerado, os ouvidos identificando as sirenes policiais se aproximando. — Merda, eu estou ficando maluco!

“Cala essa boca! Não se preocupe, tem uma forma de fazê-los esquecer.” A voz estava muito mais definida agora, rouca e intensa. O braço do garoto se levantou involuntariamente e seus dedos estralaram. “Pronto, esqueceram.” Ela disse, com um ar de finalização agora. Quando Jimmy olhou ao redor, os alunos já estavam em sua classe mais uma vez, não havia sirene e nenhum diretor reclamando, mas Gareth ainda continuava ali, sua cueca neon com o rosto do Ben 10 sendo vista por todos através das janelas.

— É, eu realmente não queria ter feito isso. — Essas palavras eram realmente de Jimmy, irônicas e pesadas, direcionadas para o novo Gareth: corrompido e envergonhado. Continuar ali seria ótimo, mas as possibilidades de anular tudo que aconteceu com o fogo e o homem-tocha o abraçando eram inexistentes. Uma mancha esverdeada se formou em seus olhos e ele apagou por completo.

Não tinha noção de quanto tempo havia passado, mas quando acordou, sentiu o corpo todo doer. Estava em uma pequena clareira, com árvores altas o cercando. A grama molhada o servindo como cama. Ao olhar para o lado, deparou-se com mais três corpos estirados no chão, eles também estavam acordados e, agora, com os rostos pesados de sono, todos passaram a se entreolhar estranhamente.