Flashback

E naquele dia, ela voltou para seu antigo lar como não havia pensado em fazer. Temia encarar aquele a quem deixou depois de tudo que fez por ela.

No coração da felina, estavam aqueles que ela costumava chamar de melhores amigos, mas o próprio coração estava no Vale da Paz.

Estava chovendo, o que tornava a noite ainda mais escura, quando ela subiu a escadaria da montanha. No último degrau, ela abriu os portões de par em par e entrou na grande arena com um trovão. A chuva estava piorando.

Correu a quatro patas para a ala dos estudantes abrindo as portas com um baque. Os outros estudantes foram imediatamente verificar do que se tratava e a viram ali e com seus pelos alaranjados e sua roupa molhados, esperando que eles falassem alguma coisa, mas isso não aconteceu. De repente, se viu no chão com aqueles que eram sua família em cima de seu corpo gritando por seu nome e fazendo mil e uma perguntas que nem ela entendia.

Como era bom estar em casa, finalmente.

Saiu para procurar o seu lugar no mundo, mas teve que deixa-lo para saber onde ele estava.

Ao se levantar, alguém limpou a garganta atrás dela e todos encararam o panda vermelho que estava de pé olhando para a felina sem expressão alguma. Ela se aproximou, o cumprimentou e abaixou a cabeça. A única coisa que ele fez foi dizer:

- Bem-vinda de volta, Tigresa.

Sem broncas, sem briga, sem gritos e ainda com a voz calma. O que chocou todos, inclusive ela.

Isso a fez sentir pior por ter abandonado seu mestre, apesar de ele nunca haver se comportado como pai e não parecer ser tão compreensivo como agora.

Flashback off

Agora a felina estava no Palácio de Jade, em seus 25 anos de idade, junto de quem decidiu ficar.

A coisa que mais poderia desejar agora era que fosse possível, de algum modo, que não fosse necessário abandonar o kung fu, para nenhum dos dois.

Estava sentada na cozinha do palácio para o café da manhã junto à Víbora, Macaco, Garça e Louva-a-Deus. Po estava vindo para a cozinha, atrasado como quase sempre.

- Bom dia, pessoal – disse o panda sorridente andando pela cozinha até passar pela felina – bom dia, Ti – deu-lhe um beijo na testa.

A felina segurou um ronronar e assentiu com a cabeça enquanto ele se sentava a seu lado.

- Acho que não vou mais comer biscoitos – disse Macaco.

- Por quê? – Perguntou Po pegando um bolinho.

- Porque vocês dois tem açúcar demais, não preciso mais comer doces.

- Que... exagero – falou Garça.

- Ainda bem que pelo menos você concorda – disse Tigresa olhando para o primata com cansaço.

-

Na floresta de bambu, havia um bando de vinte javalis planejando um assalto ao Vale da Paz. Estavam sentados em roda segurando suas lanças e questionando os planos do chefe.

- Você está maluco? – Disse o primeiro.

- Por quê?

- Ah, chefe, os Cinco Furiosos e o Dragão Guerreiro estão aí – disse o segundo.

- Não, o Dragão Guerreiro não está, que eu saiba ele estava longe daqui.

- Será mesmo?

- Deixe de ser medroso – respondeu o chefe se levantando – vamos logo que eu estou com fome e imagino que vocês também estão. Como tem gente com medo, vamos fazer isso rápido.

Os outros se levantaram e seguiram atrás dele até a entrada do vale, por onde acabaram de passar alguns comerciantes.

- Do jeito que ele come, como pode estar com fome? – Sussurrou um javali a outro e ambos riram.

- O que você está falando aí? – Perguntou o chefe parando e se virando para o lacaio.

- Nada não, senhor. Só que temos que ir logo.

- Hm, tá bom. Vamos em silêncio!

Foram se escondendo nas esquinas e nos becos para chegar mais perto do centro comercial do vale. Estavam sendo seguidos por alguém que estava indo pelos telhados e nem perceberam.

“Bem, vou dar uma ajudinha pra você, Tigresa”, pensou ele sorrindo e deixando à mostra suas afiadas presas, assim como suas garras. Abaixou o corpo, com sua cauda serpenteando no ar. Estava pronto para atacar.

-

Na cozinha do palácio, os guerreiros estavam terminando e a louça dessa vez seria do panda. Há algum tempo ele não lavava nada, então era justo. Começou seu trabalho e os amigos o esperaram para que pudessem treinar sem ter que repetir a parte do treino apenas porque ele não estava lá.

Eis que entra mestre Shifu.

- Alunos, hoje teremos um treinamento muito importante que envolverá tai chi chuan para canalizar o chi de vocês.

- Ai, não – sussurraram Macaco e Po em uníssono.

- O que há de errado com isso, Mestre Macaco e Dragão Guerreiro?

- Ah, nada não mestre – se apressou em dizer o primata, com uma risada nervosa.

- É que... o senhor sabe, eu às vezes, durmo... até meditando.

- Mas não vai, Dragão Guerreiro, não desta vez – sorriu sarcástico o Grão-Mestre.

Po acabou a limpeza da cozinha. Eles estavam por sair da cozinha seguido dos outros quando entra Zeng tentando respirar corretamente para falar aos guerreiros.

- Me... mestre... no vale...

- O que tem o vale?

O ganso ia responder quando todos ouviram o sino do vale ser tocado com grande insistência. Correram para os portões do palácio e viram dois porcos junto ao sino, e depois, correram escada abaixo. Se alguém fazia aquele alarde todo, algo não estava bem.

Chegando ao vale, estava tudo vazio.

Estavam em suas poses de batalha e começaram a se mover observando a seu redor. Até que um javali vem voando do lado esquerdo até atingir uma parede do hospital infantil.

Os guerreiros correram para lá e encontraram um grupo de javalis atacando sem parar alguém, enquanto mais alguns deles estavam saqueando as barracas e lojas.

Sem pensar duas vezes, se lançaram sobre os ladrões golpeando-os e quando os jogaram longe, acabaram acertando quem quer que fosse ali no meio. Alguns bateram com as costas contra paredes, outros simplesmente acabaram á metros de onde estavam. Garça voou até aqueles que conseguiram se levantar e tentaram fugir e os chutou de encontro aos outros.

Tigresa agarrou alguns com facilidade e jogou para o inseto. Depois encurralou dois deles entre uma casa e outra e rosnou.

- Socorro! – Gritaram ambos abraçados.

De nada adiantou. Saíram do beco carregados pela felina e desacordados, ela os levou junto a outros que estava paralizados. Víbora se enrolou em torno de um pedaço de madeira, para lança-lo em um javali que tentou ataca-la com a lança. Outros deles saltaram de um telhado para agarrar as orelhas de Po e a cauda de Macaco.

Louva-a-Deus segurava as patas traseiras dos que estavam próximos a ele para derrubá-los e com sua rapidez, travava suas artiulações que não pudessem se mover e fazia o mesmo com os ladrões que Garça lançava ao meio da rua.

O animal inocente atingido se levantou e foi tentar tirar os javalis da cauda do primata, mas ao ver a aproximação dele, balançou seu rabo tão forte que jogou os ladrões em cima do felino desconhecido que se esquivou e bloqueou.

- Hey, não faça isso – pediu o macho.

- Por que não pega alguém do seu tamanho? – Disse Po se dirigindo ao felino e tentando atingi-lo com um soco que foi bloqueado.

Entre chutes e socos, o tigre-do-sul não conseguia falar, mas queria ao menos pedir uma chance de se explicar. Mas precisava respirar.

“To cansado e com fome, ainda to sendo atacado por esse cara. Quem ele pensa que é?”, pensava o tigre tentando fugir de Po.

Pra escapar, deu um chute que acertou em cheio o estômago do panda, não o machucou, mas o jogou a alguns metros para quase dar uma cambalhota.

Os demais guerreiros, vendo isso, deixaram de lado os javalis desacordados e os paralisados, para agarrar pernas e braços do felino enquanto Tigresa se aproximou e o tomou pelo pescoço.

Ele reconheceu aquela força descomunal e, tomando um grande fôlego antes que ela o impedisse de respirar, falou com dificuldade:

- Tigresa... sou, eu... Vet – sua voz soou como um sussurro.

A felina ficou menos de dois segundos encarando-o e a surpresa a atingiu, soltando o pescoço dele. Como poderia ter se esquecido dele tão facilmente?

- Soltem ele – ordenou ela.

- Mas Tigresa, ele... – disse Víbora.

- Atacou Po – completou Louva-a-Deus subindo no ombro do primata.

- Soltem!

Eles obedeceram e nesse exato instante, o tigre caiu de joelhos no chão tossindo e segurando seu corpo com as patas dianteiras.

Po chegou perto dela e observou o comportamento de Tigresa. Desde quando ela soltava algum malfeitor tão facilmente? Provavelmente teria um bom motivo.

- Quem é você e o que está fazendo aqui? – Perguntou Po.

- Ele se chama Vet, é um... velho amigo – respondeu Tigresa sem tirar os olhos do tigre e sem demonstrar expressão alguma.

Depois de uns segundos ele se levantou e saldou os mestres.

- Mestres do Palácio de Jade, não queria ter machucado seu amigo.

- Eu sou o Dragãoo Guerreiro.

- É sério? – Perguntou Vet com surpresa e Tigresa assentiu - ah, me desculpe.

- Sim, essa é a reação que eu recebo sempre, tudo bem.

- Por que você estava com os ladrões? – Perguntou Garça.

- Não estava com eles, fui impedi-los.

- Isso faz sentido, chegamos e eles estavam todos em cima de você – concordou Víbora.

- Eu gostaria de pedir um lugar para ficar, preciso conversar com você, Tigresa – pediu ele calmamente e a felina se pôs petrificada.

- De que se trata?

- Sobre uma ameaça ao império, aquilo que a gente investigava há anos. Lembra? E acho que não se esqueceu do que passamos - disse ele em um tom de voz brincalhão - só pra não ter resultados.

- Sim, eu lembro.

Tigresa deixou de encarar o tigre para observar o chão, metida em seus pensamentos e lembranças daquele tempo, dos seus dezoito anos.

Os outros guerreiros estavam cheios de dúvidas sobre o que Vet quis dizer, quem ele era e como conheceu a felina.

- O que... aconteceu? Você tá bem? – Perguntou Po colocando uma pata no ombro direito da felina.

- Sim, estou bem – sorriu ela olhando nos olhos jade do panda – vamos para o palácio, eu sei que ele vai explicar tudo e Mestre Shifu vai ficar contente em ver você - disse ela com um sorriso malicioso.

Isso aconteceu porque sabia que seu pai e mestre tentaria ser o mais agradável ou educado possível com ele, apesar do que aconteceu há sete anos atrás.

Ela se virou e tomou a frente em direção às escadas. Po ficou observando o tigre que a seguia em silêncio assim como os outros, mas seus amigos estavam apenas com curiosidade e dependendo do que ele e Tigresa contassem, poderiam ou não confiar em Vet. Enquanto Po estava sentindo novamente aquela desagradável sensação que sentiu com Dishi também, era algo mais além de desconfiança, só ainda não tinha certeza do que era.

Subiram as escadas e foram diretamente ao Salão dos Heróis onde Shifu estava pegando um de seus pergaminhos do kung fu no monte que havia feito próximo à piscina de reflexão, seria a próxima lição do Dragão Guerreiro.

A porta se abrindo chamou sua atenção. O panda vermelho, que já havia encontrado o que procurava,se virou deixando de lado os outros pergaminhos e abaixando-se para pegar o bastão de Oogway. Ao levantar o olhar, seus olhos se abriram até não poder mais.

"Ah, não. Você de novo?", pensou ele consigo mesmo, como se o tigre pudesse ouvir sua mente cheia de, digamos, tridentes, lanças e espadas sendo lançadas na direção de Vet.

Ele se levantou do banquinho em que estava para contornar a piscina e se aproximou mancando dos alunos. Os guerreiros se curvaram e fizeram kin lai ao mestre, Vet os imitou e antes de falar, o panda vermelho respirou fundo e suspirou. Tigresa segurou o riso por ver o pai agindo dessa maneira, ele tinha seus motivos.

- Olá, há quanto tempo, não?

- Sim, mestre.

- Ainda me lembro quando te recebi aqui, você e seus amigos.

Foi nesse momento em que o restante dos Cinco Furiosos se lembrou daquela época.

- Tinha mais dele? - Perguntou Po à Tigresa que apenas pousou uma pata no peito dele, indicando que tivesse paciência.

- Depois eu explico - disse ela.

- É, e é justamente por isso que voltei - continuou Vet.

- Por isso? Não sei se entendi bem o que quis dizer com isso.

- O senhor se lembra que eu e meus amigos, pedimos treinamento e ajuda à você e Mestre Oogway há anos atrás e Tigresa foi com a gente atrás de uma ameaça que estava roubando símbolos de clãs? - Perguntou e o mestre apenas assentiu - então, agora eu tenho pistas sobre ela.

- Foram aonde?! - Perguntou Po se exaltando - atrás dela, quem é ela?

- Espera panda, depois eu te explico - pediu ela novamente.

- Eu tô ficando mais confuso, Ti. Aonde você foi com ele?

- Hm, acho que o grande Dragão Guerreiro tá com ciúmes - cantarolou Louva-a-Deus recebendo um olhar assassino do panda - você não me dá medo... ela sim - olhou para Tigresa e apontou.

- Olha, o assunto é sério. Respondendo à sua pergunta, panda - Vet cuspiu a última palavra, estava perdendo a paciência com Po - estou há anos atrás de Anastásia, uma feiticeira, imperatriz da Rússia - respondeu ele por fim - e agora, ela está se mexendo de novo, e finalmente eu sei o que ela quer.