Pelos corredores de um grande castelo de pedras, estavam estendidos tapetes vermelhos de um tecido grosso e aveludado. Em direção à cada uma das quatro torres, por cada escadaria e cada corredor, uma tocha acesa pelos empregados medrosos que não ousavam sequer dizer que não à sua chefe. Apesar da limpeza e das várias janelas altas e algumas com vitrais, como na sala do trono, o local parecia bem assustador.

Se apenas a luz do sol tocasse os vidros, se converteria em um local macabro por ali haver pontos de extrema escuridão.

Pelos corredores, só se escutava um silvo, o que indicava que a dona de tudo isso estava perambulando pelo castelo. Os empregados, entre eles porcos e pássaros, se paralisavam de medo que ela encontrasse ainda a sujeira que deixaram para recolher depois. Era de um mês no cala-bolço pra mais, isso se ela não fingisse esquecer que te prendeu e o deixasse lá até sua vontade fazê-la se compadecer.

Eles saíram correndo para seus aposentos levando consigo sua bagunça e suas ferramentas. A serpente os viu, mas tinha coisas mais importantes à fazer do que perseguir e aterrorizar seus empregados hoje.

Ela foi até a sala do trono rastejando fugazmente pelo tapete vermelho e se enrolou no grande trono de pedra talhada, para esperar que chegasse o seu convidado.

Tanta coisa na Rússia iria mudar à partir de agora... um sorriso se formou ao recordar a razão que o levou ali.

“Encontraram o sol de âmbar”, pensava ela. “Finalmente, vou poder terminar o que meus antepassados começaram e... mostrar a eles do que eu sou capaz, quanto poder eu ainda tenho.”

Nas portas do grande salão no qual ela estava havia o desenho de um dragão dourado e vermelho com fogo talhado e pintado, o qual ela ordenou eu fosse feito quando chegou aqui. As portas foram abertas pelos guardas iaques. Enquanto dois permaneciam na entrada, outros dois acompanharam uma figura que era extremamente familiar à senhora daquelas terras. Ao parar na frente dela, ela o examinou com a vista e fez um sinal com a ponta de sua cauda para que os guardas se retirassem.

Ambos se curvaram perante ela e saíram, fechando as grandes portas de madeira atrás de si.

- Olá, Anastásia – disse o estranho com um sorriso e curvando-se a ela.

Anastásia era uma naja real de porte altivo e escamas douradas e castanhas. Ela recebeu o saúdo feliz porque pôde rever alguém que aceitou ajudar em sua procura.

- Olá, não seja tão formal comigo – o estranho apenas assentiu – você sabe para que eu o chamei, não é?

- Creio que sim. Recebeu notícias sobre as pedras preciosas dos clãs chineses.

- Sim. Preciso que alguém busque-as para mim. As outras você sabe onde está e pode tomá-las facilmente. O sol de âmbar está com Dishi, aquele gatinho rajado que é o imperador dos tigres-do-sul-da-China. Não acho que será difícil roubá-la. Vocês são velhos conhecidos – sorriu – além disso, te aconselho que, tome cuidado com os guerreiros, não os atraia para cá ou pagará. Isto é uma ordem – acrescentou ela de forma séria.

Ignorando as últimas ameaças de sua senhora, o estranho ainda tinha uma pequena dúvida e apesar de saber que ela não responderia, arriscou-se a perguntar:

- O que você pretende fazer com elas, mi lady?

A naja real rastejou para fora de seu trono para circular em torno do velho amigo que ainda mantinha um joelho flexionado e encostado no chão em sinal de respeito a ela. Ele logo pensou que poderia ser atacado, mas decidiu esperar, já preparado para saltar, no caso de um bote.

“Como eu odeio quando você faz isso, sabia?”, perguntou ele para si mesmo como se a cobra pudesse escutar.

- Busque-as e verá – respondeu ela já terminando uma volta ao redor dele e parando em frente ao trono.

Ele apenas assentiu e se pôs a correr.

- Só mais uma coisa – chamou ela, fazendo-o parar bruscamente e se girar para olhá-la – eu também preciso do símbolo do Yin Yang.

- E onde ele está?

- Está com sua única herdeira, procure por... uma tigresa como Dishi. Essas são as últimas peças das quais eu preciso.

- Uma tigresa como Dishi... bem, creio que a conheço, mas não será fácil enganá-la.

- Hm, faça o que fizer, pode até capturá-la com você desde que o colar com esse símbolo chegue a mim. Não importa o que você tenha que fazer, traga-o!

- Sim, mi lady – e finalmente, ele pôde sair correndo a quatro patas dali.

O alvo da governante russa estava nesse mesmo instante pensando em visitar os guerreiros no Vale da Paz. Queria, mas tinha medo da reação de Tigresa. Sua prima era a personificação do que é ser uma Furiosa.

Já havia escrito cartas a ela, sem nenhuma resposta. Pensou em enviar algo para ela, mas, ela quebraria ou simplesmente iria ignorar o presente. Não era por nada, mas não queria ficar brigado com ela para sempre. Afinal, família é família.

Mas para a felina, a família eram aqueles com quem ela compartilhava os treinamentos e que a seguiam independente da decisão tomada, regra essa que foi desrespeitada apenas uma vez há mais de 7 anos por uma ordem de Mestre Shifu, aconselhado pelo Mestre Oogway e que agora, começava a surgir das cinzas.

– Olha, o assunto é sério. Respondendo à sua pergunta, panda - Vet cuspiu a última palavra, estava perdendo a paciência com Po - estou há anos atrás de Anastásia, uma feiticeira, imperatriz da Rússia - respondeu ele por fim - e agora, ela está se mexendo de novo, e finalmente eu sei o que ela quer.

Po ficou mudo e surpreso assim como os outros, menos Shifu e Tigresa que conheciam o temperamento desse tigre.

- Ele tira a paciência de todos, ás vezes, mas não se altere – disse a felina a seu amigo.

Ela mantinha sua expressão séria, por instinto, o defenderia, mas não se deixava levar totalmente porque o panda era realmente irritante em algumas ocasiões.

Vet bufou com os olhos fechados para tentar se acalmar sem expressar mais nada, de fato, seria agredido pela felina se ela o defendeu e também não queria criar inimizades, ainda mais agora que precisava de ajuda. Abriu os olhos e olhou para o panda vermelho a sua frente com uma sobrancelha levantada.

“Hm, ainda não quero você perto da minha filha”, se dizia mentalmente o Grão-Mestre.

Depois de alguns minutos de silêncio, Vet estava de costas para Po e o panda estava pensando em pedir-lhe desculpas, mas quando levantou um braço para tocar no ombro do felino, Tigresa o impediu delicadamente. Agora não era uma boa hora e mesmo com a bondade dele, Vet estava claramente irritado por conta dessa história sobre a feiticeira Anastásia e não hesitaria em despejar sua raiva. Não tinha tamanho controle emocional que ela possuía.

- Bem, pode nos contar porque ela está atrás das pedras? – Perguntou Shifu calmamente para deixar o clima tenso para trás.

- O que eu sei é que ela quer usar todas as pedras para um feitiço que a faria dominar o mundo todo. Ela iria se vingar da China com isso, não sei exatamente qual é o feitiço e ela está atrás das pedras de cada clã. A Esfera de Jade...

- Está com meu pai – disse Po.

-... A Estrela de Diamante, o Sol de Âmbar, a Gota de Rubi, a Garra de Ônix e eu tenho receio de que ela esteja procurando ainda o símbolo do Yin Yang que é feita de cristais e ônix, é a peça chave pra isso.

O corpo de Tigresa ficou tenso e Po sentiu, já a havia abraçado. Acariciou as costas da felina para tentar tranquilizá-la.

- Ela já está com o Olho de Tigre, a Lua Ametista e a Espiral Turquesa. Ela os conseguiu há muito tempo quando não conseguimos impedi-la.

- Quem é o seu informante? – Perguntou Tigresa.

- É um antigo amigo nosso que sumiu há muito tempo e agora, está me ajudando – respondeu ele sorrindo para ela.

- Você pode ficar conosco por hoje. Amanhã quero que você os guie até cada paradeiro das pedras e então protegê-las...

- Mestre – interrompeu Vet – eu preciso encontrar os outros, só com eles eu vou conseguir derrotar Anastásia e eu preciso que a Tigresa vá conosco.

- O que?! – Perguntaram todos em uníssono.

- Você quer levar ela daqui? Outra vez? – Perguntou Víbora.

- Ai, ai, da última vez, Mestre Shifu indicou que ela fosse e vocês deveriam ficar para proteger o vale, duvido que dessa vez seja diferente...

- Ela não vai sozinha... – disse Po.

- Ela vai comigo, não vai estar sozinha.

- Mas...

- Alunos! Vet! Parem de discutir, não é hora pra isso! – Gritou Shifu para acalmar os guerreiros e o convidado, suspirou para continuar – agora, se você quer procurar os outros, vocês vão procurar com ele. Ela não vai sozinha com vocês dessa vez, eu sou mais do que capaz de proteger o vale, fora que há novos alunos de kung fu que estão sob o cuidado temporário de Mestre Po e sob o meu e alguns já são capazes de defender o vale na ausência de vocês.

- Ah, meus alunos! Devem estar me esperando no salão de treinamento.

- Vá encontrar os alunos, Po. Vocês, vão treinar... exceto Garça e Macaco. Você – apontou para a ave com o bastão que era de Oogway - leve Vet para um quarto e Macaco, depois vá com ele ao vale comprar mais roupas. Vejo que trouxe uma bolsa pequena – disse Shifu virando-se de costas.

Todos saíram para seus respectivos afazeres. Ao notar que as portas se fecharam o Grão-Mestre suspirou e deixou-se cair em frente à piscina de reflexão apoiado no cajado que pertenceu á velha tartaruga. Se lembrava claramente que da última vez que sua filha foi sozinha com Vet e outros amigos, ela ficou longe por dois anos. Era uma tigresa de apenas 16 que ficou fora por tanto tempo procurando essa feiticeira, mas... alguns meses depois de partir, ela escreveu contando sobre sua decisão e ele nada podia fazer para impedir.

Tigresa precisa se encontrar”, era a voz de Oogway que ressoava na cabeça do panda vermelho quando ele entregara o pergaminho ao ancião, onde ela explicava seus motivos. A tartaruga apenas pousou a pata em seu ombro e afirmava, sempre que Shifu tinha alguma dúvida sobre sua filha, que ela precisava de um tempo para se descobrir, colocar as prioridades no lugar e perceber qual era o seu destino, seu caminho de verdade.

- Não vou deixar que ele a leve pra longe de novo.

Se levantou para ir ao pessegueiro meditar, precisava deixar ir o que perturbava sua paz interior.

O motivo estava sendo guiado até um quarto na ala dos estudantes, ao lado do quarto do Dragão Guereiro.

- Este quarto está vago – disse a ave abrindo a porta – espero que esteja confortável.

- Tudo bem, obrigada.

- Ok, eu vou indo treinar – Garça se virou para ir ao salão.

- Agora somos só eu e você, vamos ao vale comprar algumas roupas, deixa a mochila aí – disse Macaco.

O primata realmente queria que o tigre se sentisse bem-vindo ao palácio.

- Tá bom.

Saíram e foram em direção ao centro comercial do vale.

Enquanto isso, Garça passava pelo pátio onde Po estava com alguns bodes e coelhos já crescidos, dando a eles sua última lição antes do almoço.

Os alunos prestavam muita atenção, não era qualquer um que treinava com o Dragão Guerreiro. Na verdade, não era qualquer um que treinava no Palácio de Jade, só quem realmente queria se dedicar ao kung fu com honra e senso de justiça, para aprender tais coisas.

A ave entrou no salão e encontrou Tigresa na zona de fogo lutando com Víbora e Louva-a-Deus coordenando o treino de ambas.

- Cuidado com as chamas.

Tigresa deu um salto e caiu com uma perna esticada para atacar a serpente com seu calcanhar, mas Víbora se esquivou e no mesmo segundo, se enrolou pelas pernas da felina, para girá-la como um peão para fora da zona. Antes que pudesse tocar o chão, Tigresa segurou na borda com suas garras e girou seu corpo para voltar ao centro e cair de pé.

- Cuidado com a borda, vai quebrar os canos.

Estendeu a pata para pegar Víbora, mas, mais uma vez a serpente se enrolou ao braço dela e antes que o mesmo acontecesse, a felina a agarrou pela cauda.

- Vamos, olha o fogo!

- Louva-a-Deus! – Gritou Tigresa.

- Está tirando nossa concentração – terminou Víbora.

- É isso que eu ganho por querer ajudar – emburrou o inseto cruzando as pinças.

A felina lançou Víbora para cima e de um salto, a chutou contra um dos pilares do salão. Víbora se enroscou para não cair e desceu por ele.

- Boa luta, Tigresa – disse ela sorrindo.

- Ela sempre luta bem... – disse a ave.

- E ganha da gente – Louva-a-Deus terminou pelo amigo.

- Se dediquem mais – brincou ela com um sorriso, mas no fundo não é exatamente brincadeira.

O próximo combate seria de Garça e Louva-a-Deus, mas foi quando Po os chamou para almoçar. Foram todos para a cozinha e os alunos do Dragão Guerreiro foram para casa, a parte da tarde era o treino dele.

Macaco e Vet revolveram almoçar no restaurante do Sr. Ping depois de passar em algumas lojas com roupas para o tamanho dele e comparem algumas. Eles passearam um pouco, até porque Vet mal se lembrava do vale, tinha mudado. Na hora do almoço, o primata o apresentou como hóspede do palácio, o ganso propôs que ele e mesmo Macaco, pagassem apenas metade do almoço, como cortesia para o forasteiro.

“Quem sabe assim ele volta aqui mais vezes”, pensou ele servindo-os.

- Ah, Mestre Macaco, você sabe se meu filho vai vir me visitar?

- Hm, acho que sim, mas vamos viajar amanhã de novo.

- Mas, de novo?! Por que vocês não param um tempo com isso e ficam quietos aqui no vale? Sempre passo nervoso quando saem pra lutar e da última vez quase não volta – dizia o ganso com as asas sobre os quadris e cenho franzido.

- O mal não descansa, senhor Ping – disse Macaco sorrindo para confortar o ganso – ele vai vir te ver antes, acho.

- Ah, tudo bem. Vou arrumar a mala dele, espero que tragam ele com vocês dessa vez.

O ganso saiu e os dois comiam em silêncio e Vet chegou a ronronar pelo que estava comendo, o que Macaco estranhou um pouco.

- Nossa, isso é muito bom – disse Vet de boca cheia.

- É, ele é o melhor cozinheiro do vale.

- Escuta... estou com uma dúvida – olhou para o primata que assentiu para que ele continuasse – quem é o filho dele? Não tem nenhum ganso nos Cinco Furiosos.

- Po é o filho dele e de fato não é um ganso.

- Como pode um panda ser filho de um ganso?!

- Shiu! Fala baixo que o senhor Ping fica bravo. Ele foi adotado, chegou aqui no restaurante quando era filhote e ele o criou.

- Ah, isso esclarece muito.

-

Na cozinha do palácio de Jade, Po servia os pratos aos guerreiros restantes e se sentou com o seu próprio. Começaram a comer em silêncio e Po constantemente olhava para os amigos e Tigresa, não sabia se perguntava o que queria.

Queria saber o que aconteceu há tanto tempo, que deixou Shifu bravo quando viu Vet e os outros se exaltaram quando o tigre disse que a felina iria com ele. Talvez isso ajudasse a entender porque não foi muito com a cara dele. Mas, apesar de todos olharem de volta, ninguém parecia entender, apenas sorriam para ele fingindo estar tudo bem.

Até mesmo Tigresa estava evitando olhar para Po, sabia que não poderia mentir e com certeza, ele perguntaria assim que ficassem sozinhos. Por tanto, foi a primeira a terminar de comer e sair para treinar.

Depois, cada um terminar sua refeição, ele ficou para lavar a louça. “Será que pergunto ou deixo pra lá? Mas... eu tenho o direito de saber, faço parte da equipe agora... não faço?”, pensava o panda enquanto lavava lentamente um prato. “Será que eles não confiam em mim?”

Terminada a limpeza da cozinha, ele foi treinar e ao chegar ao salão, Vet já estava lá se preparando para um combate corpo-a-corpo com Tigresa na Tartaruga de Jade da Sabedoria que seria guiado por Garça. Deixando isso de lado, ele foi direto para os homens de madeira praticar a pontaria e assim como Louva-a-Deus, Macaco e Víbora, ele estava ignorando o combate que acontecia, para focar no que realmente deveria: seu treinamento.

Suas dúvidas? Tiraria depois.

“Deveria confiar em Tigresa, não é? Ela disse que explicaria depois, vai explicar depois... eu acho. Ai.”

Ainda preso em seus pensamentos tentando imaginar o que aconteceu que levou Tigresa de sua casa, ele não viu uma das partes móveis do boneco vir em sua direção.

- Auch!

Po rolou para trás com o golpe e Macaco e Louva-a-Deus começaram a rir, mas pararam imediatamente quando Víbora soltou um silvo ameaçador para eles e se dirigiram ao panda.

- Você está bem, amigão? – Perguntou Macaco segurando o riso.

- Ah, tô, tô sim. Valeu.

- Deve estar cansado pelo treino dos mais novos hoje, não? Coitadinho – disse Víbora.

- Huh, eh, sim, um pouco sim... não é nada de mais – balbuciava ele – não tô assim por mais nada.

- Tá bom, se você diz... – disse o inseto, mas não contente, tinha que fazer uma piada de mau gosto – mas, acho... que você não está com ciúmes então – apontou com a pinça.

Po olhou para a tartaruga de jade e viu como Tigresa prendia Vet em uma chave de braço. Víbora deu um golpe em Louva-a-Deus com sua cauda e ele caiu do ombro do primata.

- Ah, nunca posso falar nada. Não falo mais.

- Daqui a pouco você vai falar pra apostar alguma coisa boba – disse ela com o ar cansado.

- Hm, boa ideia. Obrigado ha ha – disse saltando até Macaco.

Víbora suspirou e revirou os olhos. Como era infantil.

Entre o treinamento e o jantar, não se passou muita coisa. Cada um fez seu treinamento diário e no final da tarde, Shifu apareceu para dispensá-los. Todos foram para a cozinha depois de um bom banho, o qual o inseto demorou e os outros machos tiveram que ficar esperando, inclusive o Grão-Mestre.

Na hora do jantar, todos já estavam sentados à mesa com seu macarrão à frente, nos lugares. Po à cabeceira da mesa, à seu lado direito Tigresa e Louva-a-Deus e dessa vez, Macaco também e à sua esquerda, Víbora, Garça. Na outra ponta estava Vet.

- Nossa, você cozinha tão bem quanto o ganso do vale.

- Meu pai... obrigado – sorriu Po – ah, se não incomodar muito, eu gostaria de saber mais sobre você já que é amigo deles. Talvez a gente também possa ser amigos.

- Bem, nasci aqui na China, mas fui criado na Espanha, você pode ver que eu tenho olhos castanhos, prefiro usar quimonos em preto e vermelho. Tenho 27 anos.

- O que você fazia no grupo de vocês?

- No grupo eu, é... pode se dizer que eu era o elo, aquele que aparta as brigas e cuida dos problemas.

- Quer dizer que a Tigresa não liderava? – Disse Po assombrado, mas ao receber um grunhido da parte da felina, ficou quieto.

- Não disse isso. Ela tem os mesmos pontos de vista para quase tudo – ele enfatizou a palavra “quase” – ou tinha, não sei se ela mudou – disse sem ânimo.

- Eu mudei, amadureci e cresci como guerreira e como tigre – a felina respondeu friamente.

Os outros acompanhavam calados e com os olhos mais abertos do que podiam como se se tratasse da luta de Po e Lord Shen no cais. E o inseto e primata cochichavam para apostar que a qualquer hora, Po voaria no pescoço do felino ou Tigresa mandaria os dois calarem a boca.

- Como vocês se conheceram? – Perguntou Po novamente.

- Conheci Tigresa aos 16 anos quando decidi aperfeiçoar seu kung fu no Palácio de Jade e depois me aproximei dos outros. E Tigresa é uma grande amiga minha.

- Amigos?

Vet abriu a boca para responder e temendo o que ele pudesse dizer, Tigresa foi mais rápida.

- Claro que sim, o que você quer dizer com isso, Po? – Perguntou ela olhando para o panda com uma sobrancelha levantada.

- N... nada, nada – o panda ficou vermelho.

Nesse momento apareceu Shifu. Todos se levantaram e se curvaram e ele começou a falar.

- Alunos, espero que agora vocês terminem o jantar, arrumem a cozinha, suas coisas para a viagem e descansem, vão levantar junto com o sol – vendo que o panda abriu a boca para falar, Shifu continuou – e nem um minuto à mais.

- Sim, mestre.

- Mas, preciso saber quem vão procurar primeiro e onde ele ou ela está.

- Vamos procurar primeiro Liang e depois a Karina. A vila onde Liang está não é longe, é além das montanhas de neve e Karina um pouco à frente.

- Mas e os outros?

- Bem, Carlengo está na Índia e Kayla no Nepal e algumas das joias que a Anastásia procura estão com eles.

- Ahn?! Onde fica isso? – Perguntou Po entre tosses, quase engasgou com a comida.

- Além a muralha, Po. Agora vão, descansem porque não há tempo e vocês vão viajar sem parar até trazer todos os outros aqui. Depois quero mais detalhes sobre o seu informante e os próximos passos de Anastásia.

- Passos? Ela é uma serpente – disse Louva-a-Deus, obrigando a todos que segurassem o riso e o ar, enquanto Shifu apenas lançava um olhar de desagrado ao inseto.

Voltaram a concentrar-se em seu jantar.

A louça era do Garça dessa vez e ele não se opôs em lavar. Os outros apenas o ajudaram a tirar a mesa e correram para seus quartos. Vet estava fechando a porta quando viu Po tomar Tigresa pelo braço e estava pronto para avançar, mas viu que ela não reclamou. Com seu ouvido finíssimo conseguiu ouvir o que diziam antes de entrar no quarto da felina.

- Tigresa, posso conversar com você?

- Pode, claro.

- Você tá me evitando o dia todo, o que foi?

- Nada.

Po suspirou. Não a obrigaria responder se não queria. Na verdade ela estava preocupada que tudo o que passou há sete anos fosse dito a ele e aos outros, especialmente a ele. Perderia o respeito e a moral frente aos outros guerreiros e perderia, além disso, a admiração de Po. Pelo menos ela acreditava que seria assim.

- Hm, tá bom – disse ele derrotado -, mas você não ia me explicar o que aconteceu quando você foi com ele?

- É, vou te explicar, vem aqui – respondeu e o puxou para dentro do quarto.

Vet fechou sua própria porta e... sua mala já estava pronta, tinha apenas que encaixar as roupas novas que Mestre Shifu lhe deu. Ainda era bem recebido aqui, mesmo depois de ter mantido Tigresa longe de casa. “Ele deve ser muito sábio”, pensou.

Não exatamente. Sábio era o mestre do panda vermelho que o aconselhou que cada um tinha seu caminho e essa foi sua primeira lição sobre a ilusão de controle e sobre os adolescentes.

Embora a tivesse adotado, não se portava como um pai. Direito ele não tinha para tentar controlá-la, mas tinha preocupação e queria ela o mais perto possível de si, ainda mais depois de receber a carta. Já havia perdido um filho, não perderia sua pequena. Apesar de tudo, a amava sim, queria cuidar dela, mas acabou a afastando de si e quando ela voltou, com a cabeça baixa e o rabo entre as pernas, ele pensou sim em dar um sermão, mas isso só iria piorar. Então resolveu abrir sua casa e seu coração novamente, por mais que estivesse frio lá.

E agora, a felina estava dentro do quarto, tentando explicar de forma resumida ao panda conhecido como Dragão Guerreiro, sobre a aventura que viveu, ocultando muitas partes.

Estavam sentados na cama um de frente para o outro, com Po segurando uma de suas patas e ela esclarecendo as dúvidas do urso.

- Bem, ele veio pra cá como disse. Logo recebemos mais quatro convidados: Carlengo, Kayla, Karina e Liang.

- Nossa, quando “K” – disse Po, brincando e fazendo Tigresa rir.

- Eu sei – sorriu – e... surgiu uma ameaça contra a China dessa Anastásia que estava roubando as pedras dos clãs mais fortes. Algumas a gente conseguiu recuperar, mas houve outras que não. Antes que pudéssemos prendê-la, ela fugiu e agora sabemos onde ela está, na Rússia.

- Uh, é longe?

- Muito.

- É frio?

- Eu acho que sim. Por quê?

- Só queria saber. Mas, por que você ficou tanto tempo sem aparecer com os Cinco Furiosos?

- Porque eu fiquei com o grupo por dois anos.

Po arregalou os olhos. Como assim deixou o vale?

- Por quê? E por que os outros não foram juntos

- Porque... eu fiquei porque eu quis e eles ainda não estavam muito bem. Sou a guerreira que treina há mais tempo aqui, lembra? E eu... sentia que deveria ficar, que quem sabe fosse uma coisa nova pra mim, e foi. Só que eu senti saudade e tinha responsabilidades aqui com o Palácio de Jade e com os Cinco Furiosos. São a minha família, mesmo que antes Shifu não se comportasse como meu pai. Ainda bem que isso mudou.

- É, e agora eu também tô aqui – Po sorriu e abriu os braços para recebe-la entre eles.

- Você faz parte e pertence ao Palácio de Jade assim como eu – ela o abraçou e logo se soltou – tá bom, eu preciso dormir.

Levantou-se e o empurrou para fora do quarto e quis fechar a porta, mas foi parada por uma pata negra. Isso lá era hora pra brincar?

- E meu beijo de boa noite?

Tigresa agarrou o rosto de Po e deu um rápido beijo no panda.

- Foi por duvidar que eu e Vet somos só amigos, agora, boa noite.

- Como você sabe?

- Acabou de comprovar – a felina sorriu vitoriosa.

- Ok – o panda a agarrou pelo braço e a puxou abraça-la novamente – boa noite – distanciando-se um pouco, beijou a marca central de sua testa.

Alguém limpou a garganta e quando viram, era Mestre Shifu com cara de poucos amigos. Tigresa empurrou um pouco Po, quase o fazendo cair para trás, mas manteve as patas na cintura da felina. Ninguém reparou nas cabeças postas para fora dos quartos ou das silhuetas próximas às portas ouvindo a conversa

- Achei que tinha dito pra vocês irem dormir – disse pausadamente.

- Ha ha, nos vamos... – respondeu o panda, sem graça.

- Então, solta a minha filha – disse um pouco mais calmo.

Po a soltou e ambos deram boa noite ao mestre que foi para seu próprio quarto resmungando coisas como “ele ainda vai me dar mais trabalho”.

Tigresa entrou em seu próprio quarto e espalmou o próprio rosto. Shifu com ciúmes ainda é estranho e Po, bem... é o Po, parecido com Carlengo, tirando é claro, que o panda não saia atrás de toda fêmea que se mexesse. Mas, como seu velho amigo, o panda estava sempre fazendo das suas trapalhadas.

“Nessa viagem, não poderá fazer tantas assim”, era o pensamento dela quando foi se deitar.

A vilã era perigosa o suficiente para ela ter medo de que um de seus companheiros e, especialmente Po, se machucassem. Além de seu veneno, ela era uma feiticeira. Era questão de tempo até ela aprontar alguma para os guerreiros e Tigresa sabia que Anastásia não estava para brincadeiras.

Além disso, ela tinha outro receio: que descubram mais do que ela estava disposta a falar sobre um passado infantil e vergonhoso de adolescente, que ela faria de tudo para esconder.