Déja Vù

Finalmente, Rússia


Mais um dia nascia, mais um dia sem notícias de seus alunos.
No vale, o palácio estaria imerso em silêncio com a ausência dos Cinco Furiosos e do Dragão Guerreiro, se não fosse por um som peculiar. Se escutavam som de passos dentro do palácio, mais precisamente no Salão os Heróis. Conseguia dormir, mas não por muito tempo. Meditava, mas não sentia plena paz. Sentia que havia algo errado, mas não sabia o que.
Não podia, mais uma vez, largar o palácio para ir atrás dos seus discípulos por conta de um pressentimento, até porque, desta vez, estavam ainda mais longe e não sabia seu exato paradeiro. Havia notícias uma corja de ladrões muito próximos ao Vale da Paz, não podia abandonar os outros que dele necessitavam e talvez chamar o Conselho dos Mestres para intervir pudesse demorar muito.
Sua ira pela falta de notícias aumentava cada vez que o sol nascia. Ou eles estavam com muita pressa, ou simplesmente seu pressentimento de que algo ruim aconteceria já era um sentimento de certeza, já era fato.
Não podia ficar mais sem ter notícias deles, pois temia por sua segurança. Por mais que o grupo fosse - instruído de todas as maneiras possíveis - a verdade era que, além de temer o que Anastásia faria a eles, temia que Tigresa não voltasse novamente e que dessa vez, fosse definitivo, muito embora seu coração lhe dissesse o contrário.
Parou em frente à Piscina de Reflexão. Olhou nos olhos do próprio reflexo. Acaso sentia ciumes ou medo paternal? Claro, seus alunos poderiam ser considerados família, mas ter tanto medo assim, era ridículo para o ego de um grande mestre como ele que sempre fora exigente, rígido e... durão. Sorriu com o próprio devaneio e logo com isso, veio à mente uma ideia: enviar Zeng à Rússia.
Com a mão direita, deslizava as patas por sua barba, com a esquerda, segurava o bastão do velho Oogway. Seus olhos se fixaram num ponto do salão, aparentemente sem enxergar o que encarava, apenas estava perdido em sua mente.
"Bem, um ganso chinês seria facilmente visto ali, talvez, se ele fosse sem as vestimentas de um trabalhador do palácio, porém com uma mensagem aos guardas da muralha para poder passar...", pensava ele. "Será boa ideia enviar Zeng?"
Sentou-se ali a frente da piscina colocando o bastão ao lado para continuar em sua batalha mental. Encarava agora o reflexo do dragão dourado naquela água calma. Era assim que deveria ser sua mente se quisesse ser como Oogway. Deveria pensar com mais calma e clareza para chegar a uma conclusão acertada.
Então, soltou algo para si e talvez para as relíquias ao seu redor:
Eu deveria deixar isso pra lá?

O sol estava alto, sinal de que já ultrapassara o meio-dia.
O lugar estava cheio de animais de diferentes espécies entre tigres, cervos, lobos, raposas. Era a primeira vila estrangeira pela qual passavam.
Nossos guerreiros e seus novos amigos andavam por uma rua estreita rumo ao centro daquele lugar.
Algumas das casas que observaram no caminho eram modestas, contruidas com palha, madeira e pedras. Panos como cortinas, ao menos nas casas em que estas eram aparentes. A aparencia das próximas em direção ao centro mudava, mostrando-se mais bem planejadas, com mais detalhes, cores e outros tipos de materiais. Tudo isso era observado pelos viajantes vindos da China que caminhavam a passo rápido.
De repente, outras coisas começaram a chamar atenção, além do ronco em seus próprios estômagos. Os cochichos sobre eles. Era normal, visto que a fronteira entre os dois impérios era rigorosa e poucos realmente se aventuravam a entrar em terras alheias.
Porém, o que mais chamou a atenção dos felinos foram os sussurros que conseguiram ouvir. Eles diziam "eu os conheço de algum lugar..." e se apenas esse já os fazia gelar por dentro, a apreensão apenas piorou ao ouvirem coisas como "Eles são... os Sombras!" e"Não acredito, os Sombras voltaram?".
Continuaram caminhando como se nada houvesse acontecido. Tigresa, que ia na frente liderando, apertou o passo e Po, que estava a seu lado já cansado e faminto pela viagem, se esforçou em chegar ao lado dela já que notou a tensão dela.
O que foi, Ti? - Perguntou ele baixinho, como se não quisesse que mais ninguém ouvisse.
Passou a pata esquerda por cima dos ombros da felina alaranjada para abraçá-la e olhou para ela com preocupação esperando uma resposta.
Ela ouviu a pergunta e, sentinto o abraço, não o impediu. Apenas o encarou com um pequeno sorriso.
Não foi nada de mais. Depois conversamos.
Ah, que bonitinho o casalzinho... um preocupado com o outro... - disse Macaco com voz aguda, tentando imitar uma doce e meiga menininha, sem sucesso.
Isso foi seguido da risada de Garça, Carlengo, Liang e Louva-a-Deus, todos recebendo o mesmo aviso: um rugido de parte da furiosa. Para Kayla e Vet, também fora engraçado, mas conhecendo Tigresa, sabiam sua reação e resolveram conter o riso.
Já Víbora e Karina abaixaram a cabeça em decepção pelos infantis amigos.
O pressentimento de Tigresa a incomodava, mas ali não era lugar para discutí-lo, nem sabia se deveria dar atenção à isso.
Por fim, após uma boa caminhada chegaram a uma grande praça e pararam para observá-la. Ao redor dela, havia comércio de todos os tipos, desde postos comida até armas, todos sinalizados com desenhos e escrita. Já que a lingua era diferente, os viajantes se basearam nas ilustrações.
Seria bom procurarmos lugar para descansar e comer alguma coisa. Quem sabe também colher informações - comentou Vet.
Isso seria muito bom - respondeu Po e um forte grunhido no estômago ressoou depois.
Bem, vamos... ali - disse Tigresa apontando com um aceno de cabeça à uma hospedaria.
Se colocaram novamente em movimento.
Lá poderiam comer e procurar pistas do castelo de Anastásia. Não importava terem perdido a pista de Shing, já estavam mais próximos de seu objetivo, embora a mestre do estilo tigre não achasse boa ideia invadirem o território dela ainda mais, ou seja, invadirem seu covíl.
Deixando isso de lado, Tigresa à frente do recinto e abriu a porta para ela e seus companheiros entrarem numa pequena sala onde havia um sofá e uma bancada, ambos de madeira. Todos caminharam pelo lugar sendo recepcionados por um cervo fêmea. Ela trajava um vestido amarelo e laranja que cobria do pescoço até os cascos, as mangas eram coladas aos braços.
Bem-vindos à nossa humilde hospedaria. O que desejam? - Perguntou de forma simpática sorrindo para eles.
Gostaríamos de comer alguma coisa.
Sim, claro. Venham comigo.
Ela então os guiou por um largo e curto corredor até chegar à área de alimentação. Era um grande salão com várias mesas e, a mesma variedade de animais que viram fora dali, também estava presente.
A recepcionista os levou à uma grande mesa redonda desocupada e pediu para que se sentassem. Se desculpou por deixá-los, mas teria obrigações na recepção e se foi, não sem antes chamar alguém para atendê-los.
Assim que os deixou, chegou um jovem garçom, uma raposa macho de pelagem avermelhada, vestido com calça e camisa negras e um avental branco. Po riu por dentro lembrando-se de como seu pai insiste para que use o avental do restaurante sempre que vai ajudá-lo com os negócios.
Ordenaram os pratos e ele se retirou alegando voltar logo com os pedidos.
Enquanto isso ficaram em silêncio, alguns por não saber o que dizer, outros para escutar qualquer coisa que lhes desse o paradeiro do castelo, mas para seu desespero, não foi bem isso que escutaram.
Sem nem mesmo olhar ao redor, sentiam o olhar de muitos em suas costas. E isso era reforçado por sussurros parecidos com os que ouviram na rua. Tigresa fechou os olhos fortemente tentando ignorar isso e prestar atenção em algo que servisse a eles. Nada.
Minutos depois o garçom voltou e com ele, uma pergunta que, ao menos ela e os companheiros felinos, já esperavam ouvir:
Senhora - chamou ele ao lado dela enquanto terminava de servir seu prato - há fregueses que querem saber... eles reconheceram os senhores felinos como um grupo, Os Sombras e a pergunta é: voltaram a se apresentar?
O jovem ficou parado ao lado de Tigresa encarando-a. Ela, por sua vez, encarou os outros felinos e alguns pareciam estáticos com isso, exceto Vet e Karina que acenaram positivamente para ela. Os outros guerreiros do Palácio de Jade, que já estavam comendo, pararam com o alimento a caminho da boca ou já nela.
Sim, voltamos a nos apresentar e faremos algo em breve - respondeu forçando um sorriso torto.
Neste momento o panda engasgou com a sopa que tentara engolir, aturdo, e seus amigos o socorrerram.
Está bem e... quem são eles?
Apontando para os mestres, a felina pensou e pensou para responder:
São nossos novos ajudantes.
Está bem, obrigada pela informação, senhora e se desejarem algo mais, peçam. Com licença.
Espere - pediu ela e o garçom voltou a encará-la - depois precisaremos de algumas informações sobre a imperatriz.
O jovem arregalou os olhos e soltou todo o ar de seus pulmões.
Re-receio que... apenas minha chefe poderá falar sobre isso.
Se retirou.
Po, você está bem?
Eu... argh! Eu estou bem - disse depois de um ataque de tosse -, mas Tigresa, voltar a se apresentar? A gente não tá aqui pra isso.
Precisamos nos disfarçar - sussurrou ela.
Hm, tá bom.
Vamos terminar de comer e pedir um quarto.
Assim o almoço correu do mesmo modo que começou: em silêncio.
Mais tarde, depois de pegarem os quartos, um para cada um para que tivessem privacidade como artistas que eram, Tigresa insistiu em falar com a dona do estabelecimento.
Foi levada, junto à Vet, Kayla e Víbora a um escritório pequeno e ali encontraram uma leopardo das neves. Usava um vestido parecido ao da recepcionista só que em cor azul claro, combinando com o azul de seus olhos.
Estava sentada atrás de uma mesa de madeira com as patas entrelaçadas e apoiadas sobre o tampo.
Sou Sora, a dona da hospedaria. Soube por um garçom que algum de vocês desejava falar comigo sobre a imperatriz Anastásia. O que querem? - Perguntou em tom ríspido.
Eu quero saber onde se encontra o castelo dela.
Para quê? São apenas simples dançarinos...
Justamente por isso. Fomos contratados para lhe fazer uma apresentação, é uma sorpresa - respondeu Kayla sem demonstrar que era mentira.
Hm, sabe que exigirei algo em troca da informação, não? - Perguntou ela levantando-se da cadeira e caminhando ao redor da mesa para chegar aos guerreiros.
Sim, sabemos - respondeu Víbora -, mas... o que deseja?
Eu quero... - começou fazendo uma pausa enquanto chegava perto de Vet e pousava uma pata em seu ombro. Ela olhou para cima como se estivesse pensando - gostaria que se apresentassem daqui a, vejamos, uns dois dias.
O quê? - Disseram ele, Kayla e Víbora.
Isso mesmo... ou não podem dançar? Lembrem-se apenas de uma coisa: quanto melhor dançarem, mais coisas lhes direi.
Podemos sim - disse Tigresa lançando um olhar assassino aos amigos.
Está bem, dancem que lhes direi tudo o que for preciso.
Vamos nos preparar, obrigada.
Dito isso, todos saíram da sala deixando a leopardo sozinha. Ela, quando esteve segura de que estavam longe, falou consigo mesma:
Não são dançarinos comuns... quem sabe, se forem o que eu realmente estou pensando, posso dar isto a eles - deu a volta na mesa e abriu uma gaveta, admirando uma bolsinha negra com facas cujos cabos eram prateados e tinham o símbolo do Yin Yang gravados - bem, também não me importa, só darei se constatar que querem ir atrás daquela bruxa. Primeiramente, desde que atraiam público, lhes direi o que quiserem.

Afastado dali, uma grande porta foi aberta e, para o deleite de Anastásia, fora Shing quem a abrira. Ele adentrava o salão do trono com um sorriso triunfante e em sua pata direita havia o saco de tecido com as pedras preciosas.
Boa tarde, majestade - inclinou-se - trago o que combinamos. Agora me dê meu dinheiro.
Me dê as joias primeiro.
Ele se aproximou do trono e depositou o saco na cauda da naja. Ela enrolou a ponta de seu corpo para segurar e trazer as joias para cima, as colocando a seu lado no trono. Abriu o saco e verificou com um olhar perverso. Logo o deixou e olhou para o gato montês com um sorriso.
Guarda, por favor, o dinheiro dele.
Um urso pardo se aproximou e entregou a ele um saco parecido, porém ligeiramente maior cheio de moedas. Quando Shing abriu, o contou ali mesmo na frente da rainha e imperatriz de toda a Rússia e toda a felicidade do rosto dele foi desaparecendo a medida que constatou que faltava dinheiro.
Cadê o resto?
Apenas depois que completar outra parte do serviço.
Mas que parte?! Não me falou nada disso e ainda vou ter que esperar mais?Depois de toda a minha lealdade?! - Gritava ele exasperado.
Se acalme e veja como fala comigo, caso contrário, sairá daqui sem nada! - Respondeu fazendo-o calar - a outra parte é atrair aquela Tigresa aqui, porque vejo que está faltando uma peça.
Que peça?
Ao ver a dúvida plasmada no rosto de Shing, a serpente revirou os olhos e suspirou antes de responder.
A peça do Yin Yang. Sem ela, meus planos não serão completos e aquela gata a leva no pescoço. Pois bem, deverá escolher se ainda ficará com a pedra.
Por que terá que escolher? Qual o seu plano?
Vamos a outro lugar, aqui há ouvidos demais.
Saiu rastejando, passando por Shing para guiá-lo a seu quarto, assim, poderia contar a ele o plano e o exato momento de execução.

E agora, o que vamos fazer? Porque devemos nos organizar para realmente parecer uma equipe de espetáculo - disse Víbora.
Estavam todos reunidos no quarto dela. A serpente estava enrolada sobre a cama, Tigresa, Karina e Kayla estavam sentadas ali também. Os outros estavam no chão.
Terão de dançar. Eu não sei, nem contem comigo pra isso, mas posso preparar o cenário - disse Garça.
Tá certo, os de sempre vão dançar, cantar e tocar e Víbora também pode dançar com fitas.
Boa ideia Po - disse Tigresa sorrindo - e você pode tocar tambor também.
Mas há uma coisa - interrompeu Kayla - da última vez que viemos, Vet e Tigresa dançaram e o público gostou muito. Poderiam fazer uma dança juntos também.
Não acho que seria boa ideia - disse Vet já pensando em como o panda ficaria, por mais claro que ele e Tigresa tivessem deixado de que eles eram só amigos agora.
Eu odeio concordar, mas Kayla tem razão - disse Liang.
É verdade, ela tem razão e olha que eu sempre brigo com ela - disse Carlengo - vocês dois também tem que concordar.
Eles tem razão - disse Tigresa -, mas não quero dançar.
Talvez seja o melhor a fazer, Tigresa - disse Macaco, falando sério, o que era difícil nele.
Assim a gente vai poder tirar mais informação da dona daqui - comentou Louva-a-Deus.
Você sabe que odeio concordar com eles porque geralmente só falam besteiras - disse Víbora olhando os amigos com os olhos semicerados, e voltando-se para Tigresa e Vet com expressão compreensiva - seria uma coisa a mais para mostrar à senhora daqui. Isso se Po não se importar, é claro.
Todos olharam Po, esperando que dissesse algo. O panda estava com a cara fechada pelo que tinha ouvido e estava olhando a um ponto indefinido no quarto enquanto repassava as palavras de todos, sem ouvir o que que Víbora havia dito.
Tigresa não queria, mas talvez fosse preciso. "Tudo é mais difícil pro panda", pensou ele. "Se eu não fosse tão desajeitado eu poderia dançar com ela também..."
Po! - Gritou a serpente fazendo-o enclinar para trás pelo susto.
O que?! - Perguntou olhando de olhos bem abertos a amiga, sempre amável, gritando com ele daquela maneira.
Já estava tentando se sentar novamente quando ela voltou a falar:
Em que estava pensando?
Ele mordeu os lábios, não queria falar, ainda mais sentindo todos os olhares pousados nele.
Na-nada, nada não.
Tem certeza?
Sim.
Você mente muito mal. Enfim, não vai ficar bravo se Tigresa dançar com Vet só mais uma vez para termos informações?
Se é pela missão e Tigresa concordar, tô dentro. E também vai ser demais te ver dançar - sorriu para confortá-la, mesmo sabendo que poderia sentir ciúmes quando fosse a hora.
Ah, está bem - tomou a pata de Po, sorriu para ele e virou-se para o amigo - o que me diz, Vet?
Tá, né? Não tem outro jeito.
Então combinaram que o ensaio seria na floresta próxima à vila na manhã seguinte. Deveriam fazer tudo perfeito.
Por outro lado, Po planejava também treinar alguns passos de dança para impressionar Tigresa, quem sabe.

Está vendo Shing? Este, este dia, será o momento perfeito, depois que se apresentarem.
Perguntou ela enquaanto olhavam um espelho, o qual revelava os guerreiros e suas conversas. Depois viram cada um indo para seu quarto. O espelho focou no pescoço da Mestre Tigresa e mostrou à Shing o colar.
Sim, eu vejo. E já que precisa tanto fazer isso, vou levar alguns de seus guardas comigo.
Pode escolher, quando chegarem aqui, deve haver poucos guardas para que possam entrar.